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Yoani Sánchez escreve para o presidente Lula

De: Yoani Para: Lula

A blogueira cubana impedida por Raúl e Fidel Castro de vir ao Brasil pede ao presidente que convença seus amigos a deixá-la viajar

Juliano Machado


Opositora do regime castrista mais popular internacionalmente, a blogueira Yoani Sánchez, de 34 anos, não pisa fora de Cuba desde 2004. Nesses seis anos, já fez cinco pedidos para obter a carta blanca, o documento que permite a um cubano sair do país. Todos sistematicamente negados pelo governo. Agora, Yoani resolveu buscar ajuda justamente de um líder próximo dos Castros para poder visitar o Brasil: Luiz Inácio Lula da Silva. Ela escreveu uma carta endereçada a Lula pedindo que ele convença Fidel e Raúl Castro a permitir sua viagem. Publicada em primeira mão por epoca.com.br no dia 25, a carta data do dia 14. Nela, Yoani diz que Lula só “estaria pedindo em meu nome o que para qualquer brasileiro – e para qualquer ser humano – é um direito inalienável”.

A blogueira pretende ir a Jequié, uma cidade de 150 mil habitantes no sul da Bahia, a 360 quilômetros de Salvador. A explicação do desejo inusitado é o cinema. Claudio Galvão da Silva, o Dado, de 29 anos, morador de Jequié, é o diretor de um documentário, ainda sem nome, sobre a história de Yoani e os movimentos contra o regime, como as mulheres do grupo Damas de Branco. “Minha mãe me disse que eu precisava saber o que Yoani estava fazendo em Cuba. Foi assim que me interessei pela vida dela”, diz Dado. Os dois se conheceram em dezembro, quando ele foi a Havana participar de um festival de cinema e aproveitou para produzir seu filme, hoje em fase de pré-edição. A primeira exibição está prevista para junho, em Jequié. Yoani é a convidada especial e não quer frustrar o anfitrião.

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DE CUBA, COM CARINHO: Yoani Sánchez posa com Dado Galvão, segundo o livro lançado em outubro no Brasil

Por telefone, Yoani explicou por que resolveu apelar a Lula. “Não é apenas o presidente do país para onde quero ir, mas um líder regional. Se a voz de Lula se converte na voz de uma região, não pode ser um coro monótono, mas sim plural.” Embora afirme que não tem “intenção midiática”, a blogueira disse que pretende “tocar nas fibras sensíveis” de Lula e lhe “estender uma ponte com os cidadãos cubanos, que não estão de acordo com quem os governa”. Para Yoani, Lula vive um “dilema” entre ouvir os anseios do povo e se manter próximo dos Castros.

“Lula não é apenas o presidente do país para onde quero ir. É um líder regional”, diz Yoani

A carta ainda não chegou às mãos do presidente. Dado Galvão tem uma cópia dela e está tentando marcar uma audiência com o governador da Bahia, Jaques Wagner (PT), para entregá-la até o fim do mês. Como Wagner é um dos políticos do círculo mais próximo de Lula, Dado espera que o governador faça chegar o pedido de Yoani a seu destinatário. Se conseguir, porá o presidente em uma situação delicada, justamente pelo “dilema” mencionado por Yoani.

No fim do mês passado, Lula visitou Cuba e desembarcou em Havana no mesmo dia em que o dissidente Orlando Zapata Tamayo morreu, debilitado por uma greve de fome de 83 dias. Na ocasião, um grupo de opositores ao regime enviou uma carta pedindo ao presidente que chamasse a atenção da comunidade internacional para a situação dos presos políticos em Cuba. Lula disse não ter recebido nenhuma correspondência. “As pessoas precisam parar com o hábito de fazer carta, guardar para si e depois dizer que mandaram”, afirmou naquela ocasião. “Se essas pessoas tivessem falado comigo antes, eu teria pedido para ele (Zapata) parar a greve e quem sabe teria evitado que ele morresse.”

A reação de Lula frustrou os dissidentes, e a decepção só aumentou quando, semanas depois, ele comparou os presos políticos a “bandidos” de São Paulo, o que foi visto como um eco ao argumento do governo cubano de que os dissidentes se tratam, na verdade, de “delinquentes comuns”. Yoani reconhece que a declaração foi “infeliz”, mas diz acreditar que Lula disse isso “na base da desinformação e por causa da cega confiança nas pessoas que governam Cuba”.

Na carta, ela se vale dessa relação entre o presidente e os Castros para defender sua vinda ao Brasil, sem deixar de imprimir certa ironia, comum em seus posts no blog Geração Y. “O senhor deu recentes demonstrações de possuir grande confiança na boa-fé do governo cubano. Alimento a esperança de que, talvez, aqueles que governam meu país queiram manter viva esta sua confiança e – para não frustrá-lo – atendam a seu pedido de que me deem a autorização para visitar o Brasil”, escreve Yoani.

Esta não é a primeira vez que Yoani tenta vir ao Brasil. Em outubro de 2009, ela foi convidada para o lançamento da edição em português de seu livro De Cuba, com carinho, publicado pela editora Contexto. Por conta de seu prestígio internacional (já foi eleita uma das 100 pessoas mais influentes do mundo pela revista Time, em 2008), Yoani ganhou o apoio de senadores como Eduardo Suplicy (PT-SP) e Demóstenes Torres (DEM-GO) para trazê-la. Até mesmo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso enviou uma carta ao governo cubano pedindo que Havana concedesse uma saída temporária a Yoani. Não adiantou nada.

  Reprodução


Leia a tradução da carta de Yoani Sánchez:

Havana, 14 de março de 2010

Ao senhor Luiz Inácio Lula da Silva, presidente de Brasil

Uma vez alguém me contou que os barcos em que se traficavam escravos africanos deixavam parte de sua carga em Cuba e outra na costa atlântica do Brasil. Assim, separavam irmãos, pais e filhos e amigos de toda uma vida. Assim, nessa bifurcação, nossos povos compartilham a mesma raiz.

Por isso nos parece tão perversa qualquer coisa que tente nos separar, por isso sonhamos que algum dia haja livre circulação entre todas as nossas nações americanas, por isso não consigo entender por que as autoridades de meu país me impedem de visitar o seu.

Na primeira ocasião, em outubro de 2009, pretendia fazer o lançamento do meu livro De Cuba com carinho, publicado pela editora Contexto. O escritório de migração que se ocupa de conceder as autorizações de saída do país aos cidadãos cubanos me informou que eu não estava autorizada a viajar. Esta era a quarta vez que me negavam esta autorização. Anteriormente, me haviam impedido de viajar à Espanha, para receber o prêmio Ortega y Gasset (de Jornalismo), em seguida para a Polônia e depois para os Estados Unidos, onde receberia a menção especial do (prêmio) Maria Moors Cabot na Universidade Columbia. Fui convocada pela segunda vez para ir ao Brasil, agora para o lançamento de um documentário sobre minha pessoa, feito por um grupo de diretores em Jequié (no interior da Bahia). Estou convencida de não encontrar dificuldades para obter o visto de sua embaixada em Havana, mas também tenho a certeza de que as autoridades do meu país voltarão a me negar a autorização de saída.

O senhor deu recentes demonstrações de possuir grande confiança na boa fé do governo cubano. Alimento a esperança de que, talvez, aqueles que governam meu país queiram manter viva esta sua confiança e – para não frustrá-lo – atendam a seu pedido de que me deem a autorização para visitar o Brasil. O senhor somente estaria pedindo em meu nome o que para qualquer brasileiro – e para qualquer ser humano – é um direito inalienável.

Desculpe-me que lhe tenha roubado o tempo que o senhor levou para ler esta carta e me desculpe também por tê-la escrito em espanhol. Não me desculpe, porém, pela minha crença de que o senhor deseja para os cubanos os mesmos direitos que deseja ver cumpridos entre os brasileiros.

Yoani Sánchez Cordero



A presença de Yoani na estreia do documentário seria um prêmio ao esforço de Dado. Com uma câmera emprestada da prefeitura de Jequié, passagens e hospedagem pagas por comerciantes locais e por um deputado estadual da região, ele teve de driblar a censura do governo cubano para gravar o documentário. Ele não compareceu ao Centro de Imprensa Internacional, órgão do regime responsável por supervisionar o trabalho de jornalistas estrangeiros, assim que chegou a Havana. Dessa forma, não informou o governo de sua real intenção.

Oficialmente, Dado ia apenas acompanhar a exibição de um de seus trabalhos anteriores num festival de Havana. Não só entrevistou Yoani como seguiu uma manifestação das Damas de Branco. Acossado por simpatizantes do regime, ele se abrigou por algumas horas na casa da líder do grupo, Laura Pollán. Dias depois, Dado foi surpreendido por um bilhete escrito à mão, assinado por Ricardo Lamas. “Necessitamos que você se apresente no Centro de Imprensa.” Lamas era o funcionário responsável pela imprensa brasileira. Ao chegar ao escritório, Dado diz que foi levado a uma sala e sofrido ameaças. “Ele disse que sabia tudo o que eu estava fazendo e que, se eu continuasse, seria expulso de Cuba.” Dado disse que ia procurar a embaixada do Brasil, ao que Lamas teria respondido: “Então vá embora daqui e faça o que quiser, mas não me responsabilizo por nada”. Lula pode até não ler a carta de Yoani ou assistir ao filme de Dado, mas não pode alegar que não vê o que está escancarado em Cuba: falta de liberdade.

(Revista Época – 26/03/2010)

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