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Uma conversa necessária | Lançamento

Uma das coisas mais interessantes em relação aos estudos linguísticos é a diversidade de explicações válidas e convincentes. Diferentemente do que acontece nas chamadas ciências exatas (pelo menos, em uma parte delas), há muitas formas se explicar um mesmo fenômeno de maneira adequada, correta e eficiente. Por isso mesmo, há tantas teorias linguísticas diferentes e, também por isso, como disse na “Introdução” do meu Sintaxe para a educação básica (livro complementar a este), quando lidamos com teorias da linguagem, é preciso fazer escolhas. Precisamos escolher o nível da explicação que queremos dar em função do nível dos estudantes que temos, precisamos escolher a teoria que nos interessa (ou seja, aquela que enfoca o que queremos ou que ajuda mais a alcançar nossos objetivos), precisamos escolher os exemplos e as abordagens, enfim, precisamos escolher um conjunto enorme de elementos que definirão aquilo que vamos fazer na prática. E, quando somos professores, muitas vezes essas escolhas necessárias podem esbarrar em imposições sistêmicas como a filosofia de ensino do estabelecimento, o conjunto de apostilas adotadas ou o livro didático que o governo enviou e que, não raro, não é o mesmo que o professor escolheu.

Uma conversa necessária.
Uma das coisas mais interessantes em relação aos estudos linguísticos é a diversidade de explicações válidas e convincentes. Diferentemente do que acontece nas chamadas ciências exatas (pelo menos, em uma parte delas), há muitas formas se explicar um mesmo fenômeno de maneira adequada, correta e eficiente.

Por tudo isso, é estranho notar como o estudo da Morfologia tem sido apresentado aos estudantes brasileiros como se fosse parte de uma “ciência exata”: “só há um jeito de segmentar as palavras”, “só há um jeito de conjugar os verbos”, “só há um jeito de classificar os lexemas”. Isso não é verdade! Tudo isso depende das nossas escolhas teóricas e metodológicas. Na verdade, quando saímos da Fonética, a única parte dos estudos da linguagem que se apoia em conhecimentos mais exatos, e justamente porque não é exatamente “Linguística” (como exemplos, vemos que a Fonética Articulatória é estudo de Fisiologia e a Fonética Acústica é estudo da Física) e chegamos à Fonologia (parte funcional
dos estudos sobre os sons que usamos para falar), as teorias já começam a se multiplicar e os pontos de vista válidos são inúmeros. E por que isso não valeria para a Morfologia? Vale, sim!

De cara, os documentos sobre as origens de nossas palavras (para fins de estudos filológicos) são poucos e inconclusivos. O fato de uma palavra aparecer em uma cantiga do século VIII não garante nada sobre sua origem e sobre sua forma comum de escrita ou pronúncia à época. Ademais, as regras morfofonêmicas de evolução linguística sempre levam em conta cenários ideais. E não poderia ser diferente, afinal, simplesmente não temos como explicar, nas línguas, a interferência de guerras, invasões, contatos com povos já extintos que, muitas vezes, nem sabemos como se deram, em que intensidade, com que influência. E devemos convir que não dá para dizer que a Europa e a África já foram, um dia, lugares de paz… O que houve de guerras e invasões, e fusões, e separações de povos nesses dois continentes, não dá nem para ser contado. As línguas daqueles povos, inclusive a nossa, ficavam no meio dessa história belicosa, se misturando aqui e ali. O pior foi que, quando essa língua portuguesa chegou ao Brasil, encontrou por aqui um cenário igual de guerras tribais. Por tudo isso, quem fala em “pureza do português” – ou de qualquer outra língua europeia – deveria repensar seu mundinho miudinho de ideais científicos. Ah! Se tudo fosse tão simples como alguns querem nos fazer pensar, creio que nem seria necessária mais de uma descrição de cada língua. Mas ainda bem que não é!

Então, quando o português chegou ao Brasil, já todo misturado e, aqui, se misturou ainda mais com línguas indígenas, africanas e, posteriormente, com mais línguas modernas que vieram para cá nos ciclos migratórios, o resultado não poderia ter sido outro além de muitas possibilidades de explicação dessa verdadeira “salada linguística” que é nossa riquíssima e incrivelmente melodiosa “língua portuguesa do Brasil” ou “português brasileiro”, ou, simplesmente, “brasileiro”. Mas sabe como é, né? Sempre tem um monte de gente cheia de certezas na vida…

Pois bem, então, com isso em mente, agora podemos focar a escola básica: quando o estudo da Morfologia chega nessa escola, ele chega por meio de livros didáticos cheios de certezas, mas também de coisas inúteis.

Continue lendo um trecho do livro Morfologia para a educação básica, do professor Celso Ferrarezi Junior


Celso Ferrarezi Junior é professor titular de Semântica do Instituto de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal de Alfenas. Também é responsável pelas disciplinas de Morfologia e Sintaxe no curso de Licenciatura em Letras  Português. É autor de vários livros dirigidos aos professores de língua portuguesa na educação básica, entre os quais podem ser citados Sintaxe para a educação básica, O estudo dos verbos na educação básica e Guia de acentuação e pontuação em português brasileiro e Morfologia para a educação básica. É também organizador dos livros Semântica, semânticas e Sociolinguística, Sociolinguísticas todos publicados pela Editora Contexto.

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