O processo civilizatório se desenvolve desde que existe o ser humano. A descoberta do fogo, a invenção da roda, a domesticação de animais, a elaboração de deuses, a estruturação das cidades foram marcos na história da humanidade.
Mas, depois da fala, dificilmente encontraremos fatores civilizatórios mais importantes do que a criação, a racionalização e a universalização da palavra escrita. Por meio dela, o homem se tornou capaz não apenas de produzir cultura como de guardá-la de modo eficiente e de, mais ainda, transmiti-la aos contemporâneos e às gerações seguintes.
Com a escrita tornava-se mais fácil apresentar descobertas, descrever invenções, divulgar técnicas, expor ideias, confessar fraquezas, compartilhar sentimentos.
Praticada, inicialmente, apenas por elites a escrita espalhava com muita parcimônia o saber acumulado, uma vez que o conservadorismo dos detentores do poder bloqueava a democratização dos avanços na cultura material e imaterial.
Com os papiros e pergaminhos, inicialmente, e mais tarde com o papel e, mais ainda, com a imprensa de tipos móveis, a cultura, no sentido de patrimônio acumulado, passou a alcançar um número cada vez maior de pessoas, democratizando o saber e dando oportunidades a uma parcela importante da população. Sem a palavra escrita, em geral, e sem o livro, em particular, a história não teria sido a mesma.
Ao longo do século 19, nos países mais desenvolvidos, as pessoas foram aprendendo a ler e a escrever. A desvalorização do trabalho braçal, substituído por máquinas, o crescimento do setor de serviços, o aumento da produtividade no campo, o crescimento das cidades: o mundo parecia caminhar para uma realidade sonhada pelos utopistas.
Ao ler livros, ao escrever cartas, ao redigir o resultado de reflexões complexas, os cidadãos compartilhavam ideias e sentimentos, tão mais densos quanto mais habilitados estivessem nas técnicas da escrita e da leitura. Era permitido sonhar com uma sociedade universal de gente alfabetizada com oportunidades de ascensão social determinadas apenas pelos seus méritos. Não por acaso é o momento das grandes utopias igualitárias.
Já no século 21 as utopias parecem coisas de um passado remoto. Mesmo não gostando do mundo como está, parece que desistimos de mudá-lo. Vivemos ou em sociedades consumistas, ou burocráticas, ou fundamentalistas. Fingimos que a felicidade pode ser encontrada comprando mercadorias, obedecendo regras, ou acreditando em um improvável mundo pós-morte.
Jogamos no lixo milhares de anos de avanço civilizatório e nos transformamos em meros consumidores de softwares. Estamos perdendo a habilidade de ler textos complexos, nos conformamos com a pobreza da linguagem das redes sociais.
Em nome da interatividade sentimo-nos qualificados a ser banais. Sem leituras sérias abdicamos do patrimônio cultural da humanidade, arduamente construído ao longo de milênios.
Não precisamos sequer de um Grande Irmão para ordenar a queima de livros: queimamos nossas estantes, por inúteis. E nem as substituímos por livros digitais, já que vamos deixar o saber apenas para os criadores de software.
*artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo em 23/08/2015
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Por Jaime Pinsky, historiador, professor titular da Unicamp, diretor da Editora Contexto, autor de Por que gostamos de história, entre outros livros.
Ola Jaime, obrigado pelo artigo. Outra vez falou de um asunto importante. Ainda mais para nos sendo pais pois é um processo continuo com nossas criancas. Felizmente estao em uma escola onde muitos pais tem a mesma filosofia. Nao so reducimos o tempo existente para dedica-se de jogos eletronicos ou para asistir ao televisao. Isto so funciona dedicando nosso tempo a eles, brincando, paseando pela natureza, leer livros desde pequenos, etc.
Na Alemanha tem um medico especialicado no desenvolviamento do cerebro. Dice que o que esta acontecendo nos cerebros infantils com o uso exagerado de jogos eletronicos e consumo de televisao é uma “demencia digital”. Pois ao contrario de “viver” uma experiencia real ou leer uma historia que incentiva a imaginacao, com jogos/TV parecem so muitos photos um atraz do outro que nao permite criar tantos sinapsios cerebrais ficando com um nivel mais baixo de sinapsios e assim mais probavel de sofrer de demencia mais tarde. Desse Dr. Manfred Spitzer so tem palestras em alemao assim fica dificil para voces.
Ainda peor parece a demanda de algums pais e profesores de usar metodos eletronicos na escola primaria. Tem de todo, infelizmente. Felizmente tem alternativas.
Abs, Christian