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Um cafezinho, garçom, por favor!

O café, todos sabem: queimar, moer, precipitar em alta ebulição, depois bebê-lo quente, eis a receita, eis o processo. Não é isso, garçom? – Charles Ribeyrolles

 

Não, caro leitor! Não é só isso. A explicação ligeira, dada por um apreciador da bebida num elegante café de Paris, por volta de 1860, está longe de ser correta.

Transformar o café em bebida deliciosa sempre implicou longo e por vezes penoso processo, até que o produto chegasse ao destino final, para ser apreciado e disputado nas mesas do mundo. Plantar, colher, beneficiar, despachar e comercializar o grão aromático são tarefas complexas que precedem seu consumo, etapas que não são de pouca monta. O circuito do café, porém, ultrapassa esses estágios de cultivo e comercialização, geralmente afetos a qualquer produto mercantil. Das floradas brancas dos cafezais, passando pela colheita da cereja vermelha e pelo ensacamento do grão classificado, até se verter o saboroso líquido negro no mercado internacional, esse fruto exótico, em sua origem, tem desencadeado intensa mobilização de homens, máquinas, economias, sociedades e políticas, definindo parte dos destinos do mundo.

Não há exagero nesse registro. Desde sua descoberta, a Coffea arabica traçou novas rotas comerciais, aproximou países distantes, criou espaços de sociabilidades até então inexistentes, estimulou movimentos revolucionários, inspirou a literatura e a música, desafiou monopólios consagrados, mobilizou trabalhadores a serviço da Revolução Industrial, tornou-se o elixir do mundo moderno, consolidando as cafeterias como referências internacionais de convívio, debate e lazer.

Seu alcance, porém, foi além. Traçou o perfil e a história de muitos países que se desenvolveram à sua sombra, vincando-lhes a sociedade e a cultura. Essa identificação imediata pode ser aferida no Brasil, até hoje o maior produtor mundial de café. As safras generosas nascidas dos cafezais brasileiros sustentaram o Império, fizeram a República e hoje geram divisas significativas para a economia do país. Sua competitividade atinge novos patamares, com excelência de sabor, aroma e corpo – os três itens básicos para a classificação e a apreciação da bebida. E inaugura nova etapa de sua produção, cuidando agora do mercado de cafés gourmet, demanda que traz sofisticação a toda essa cadeia produtiva.

Sabe-se que é possível contar a História por meio das bebidas. Cerveja, vinho, destilados, chá e até a Coca-Cola – cada uma a seu tempo – marcam processos culturais e representam dinâmicas sociais, econômicas e políticas distintas. Não foi diferente com o café, que se propagou do Oriente para o Ocidente, prestando-se às demandas mercantilistas que alimentaram o capitalismo, acompanhando as revoluções científicas e financeiras que presidiram a sociedade moderna, figurando como um de seus motores.

Um simples gole dessa bebida torna você, leitor, parte de uma imensa cadeia de produção, embalada em muita aventura e ousadia. Em sua trajetória, o café afrontou religiões, rompeu monopólios sólidos, escreveu páginas literárias. Nos países onde se difundiu, traçou destinos coletivos definidos pela divisão internacional do trabalho, que conformou sociedades contraditoriamente agrárias e modernizadas, marcadas por diversos paradoxos: “há latifúndio, monocultura e escravidão, como há metrópoles, cidades mortas, fronteiras; há caboclos, barões, burgueses e imigrantes, como amores, preconceitos, maldades, negócios”. E lembre-se sempre de que, quando oferecer um café, não estará apenas tendo uma atitude simpática de anfitrião correto. Antes, está proporcionando uma das mais prestigiosas formas de convívio social e estímulo espiritual que nos é dado a conhecer.

Além disso, confira o que diz o ditado: “Segure uma xícara exalando o aroma de um bom café e você estará com a História em suas mãos”.


Ana Luiza Martins é historiógrafa do CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Arqueológico de São Paulo), da Secretaria de Estado da Cultura. Doutora em História Social pela USP. É autora de O despertar da República, História do café, O Historiador e Suas Fontes e coautora de História da imprensa no Brasil.