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Três perguntas para… Antonio Corrêa de Lacerda

O economista Antonio Corrêa de Lacerda, doutor em Economia pelo IE/Unicamp, será um dos debatedores que estarão no evento “25 anos – O Contexto Histórico”, que a Editora Contexto promoverá no próximo dia 4 de junho. Professor-doutor do Departamento de Economia e do Programa de Estudos Pós-Graduados em Economia Política da PUC-SP, o economista é professor convidado da Fundação Dom Cabral e palestrante em eventos nacionais e internacionais, tendo atuação marcante em instituições como Conselho Federal de Economia (Cofecon), Conselho Superior de Economia da FIESP e Conselho Temático de Política Econômica da CNI. Publicou cerca de dez livros, dentre os quais Desnacionalização (Contexto), um dos ganhadores do Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, na área de econonia. Além disso, é articulista assíduo de publicações especializadas e entrevistado com frequência pela mídia. Sobre assuntos que estarão em discussão no debate, o professor falou com o blog da Contexto:

 

1) Quais os impactos que as transformações no cenário econômico do Brasil nos últimos 25 anos causaram na sociedade civil?

Vivemos atualmente “as dores do crescimento”, ou a nova realidade do país, onde a expansão da economia também tem exposto muito das nossas fragilidades.

A economia brasileira cresceu 4% ao ano, em média, no período 2003-2010,  desempenho que deverá  se  repetir nos próximos anos, o equivalente ao dobro da média observada de 1990 a 2002. Mas o aumento da demanda decorrente se expressa nas filas em aeroportos, bares e restaurantes, hotéis e muitos outros locais, sem que tivesse havido uma expansão da oferta no mesmo ritmo.

O fato é que conseguimos combinar uma inflação razoavelmente controlada com crescimento da economia e melhora da distribuição de renda, o que fez com que cerca de 30 milhões de brasileiros tivessem ascendido na escala social nos últimos anos. Este é um bom problema, porque nos desafia a apresentar soluções criativas e rápidas para uma economia pujante.

Enquanto isso, as “dores do crescimento” serão inevitáveis. Elas incomodam, mas são bem menos agudas que as dores da estagnação, ou, pior ainda, da crise e da recessão. Convém-nos enfrentá-las com determinação, até mesmo porque representam muito mais uma oportunidade do que uma ameaça, desde que superadas o mais rápido possível.


 2) No governo Collor as cadernetas de poupança foram confiscadas. Recentemente o governo mudou as regras para os rendimentos nesse mesmo tipo de aplicação. Quais as semelhanças e diferenças nos dois casos?

A decisão do governo brasileiro de enfrentar o tabu e alterar a regra de remuneração da Caderneta de Poupança abre espaço para mais mudanças. Não apenas no que se refere às taxas de juros básicas e suas variáveis mais diretas, mas também para outros temas polêmicos.

A pergunta que muitos estarão fazendo é: por que não se fez a mudança antes? A resposta engloba duas hipóteses, não excludentes entre si. A primeira decorre da situação de um cenário internacional, em especial dos EUA, Europa e Japão, que contempla uma baixa taxa de juros, próxima de zero, em termos nominais, o que significa uma taxa real de juros negativa. Esse quadro abre uma janela de oportunidade para redução dos juros nos demais países, além do que, não fazê-lo implicaria importar efeitos perversos, como a valorização cambial e o risco de recessão.

A segunda hipótese advém da feliz combinação doméstica, entre bons fundamentos macroeconômicos, excelente grau de aprovação do governo e perfil da Presidente da República. A inflação dá claros sinais de arrefecimento e deve fechar o ano bem próxima da meta, a depender do que vai acontecer com a taxa de câmbio, preços de combustíveis e outras variáveis. Além disso, o quadro fiscal sólido, baixa dos juros e crescimento econômico, nos levarão a uma redução das relações déficit nominal e dívida pública liquida/PIB (Produto Interno Bruto).

Na medida em que se admitiu que o problema cambial é uma ameaça ao desenvolvimento, medidas vêm sendo tomadas, o que, direta e indiretamente, têm realizado o ajuste gradual, mas consistente, da taxa de câmbio para níveis mais realistas. O mesmo vale para as questões de política industrial e seus instrumentos, de crédito, financiamento, desoneração tributária e desburocratização. Nesse campo, ainda há um longo caminho a ser percorrido pela frente, mas o reconhecimento dos problemas e a firme decisão de enfrentá-los, representa uma importante mudança.

 

3) O Brasil passou a ser visto com bons olhos pela economia mundial. Estamos assim tão bem?

A nova realidade brasileira de maior crescimento da economia nos últimos anos decorre tanto de aspectos favoráveis no mercado internacional, como, por exemplo, os preços dos produtos básicos que exportamos (as commodities), mas também de políticas econômicas e sociais que favoreceram o crescimento da renda e do emprego.

É exatamente o inverso do que ocorre com muitos países em crise, na Europa e outras regiões, nas quais o desafio é como garantir uma vida digna para milhões de pessoas que perderam seus empregos e não tem qualquer perspectiva de obter um novo posto por alguns anos.

O lema “Ordem e Progresso”, como expresso em nossa Bandeira Nacional, denota muito do povo brasileiro, talvez mais no que se refira ao seu espírito pacífico e expressiva tolerância étnica, religiosa e racial. Na economia, no entanto, é a desordem provocada pelo crescimento não programado que está ativando a demanda. Não é o desenvolvimento que deve ser contido, mas sim criarmos as condições para garantir a expansão da oferta, via melhora da infraestrutura, ampliação da capacidade da produção e de serviços.

É preciso resgatar e aprimorar o instrumento do planejamento público e privado e acelerar a implementação dos projetos, sem interromper o ciclo virtuoso da economia. Até mesmo porque o que motiva os investimentos privados é uma expectativa favorável de ampliação continuada da demanda. Ninguém investe em uma economia estagnada.

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