Nada contra o gênero novela. E quanto à novela na TV? Adelina segue mais de uma diariamente. Eu não faria isso. Sobretudo, sabendo que ainda posso usar o tempo em outro tipo de atividade.
Para explicar a recusa, lembro que se trata de um compromisso com um tempo muito longo de duração. Afinal, uma história dessas cobre entre seis a nove meses. Ou seja, durante pelo menos um semestre eu teria de estar disponível, todos os dias, de segunda a sábado – [Silêncio!]. Sempre no mesmo horário, sem poder ver qualquer outro programa entre tantas opções oferecidas pela TV a cabo. Já vivi a experiência de ver a missa noturna com público reduzido, porque nesse horário aqueles fiéis mantinham a fidelidade ao Senhor Roque Santeiro.
Não bastasse a extensão, acrescente-se o fato de que as novelas desses tempos sombrios assumiram as características de seriado policial. Têm muita perseguição, algumas em alta velocidade. Tem muito suspense de alta voltagem. Tem polícia cumprindo o sagrado dever de punir os que praticam delitos, protagonizando pequenas ações de merchandising do sistema de segurança pública estadual e nacional – “Bandido bom é bandido morto”, diz a extrema direita nem sempre assumida. Tem muita traição e aventura. Tem um salve-se quem puder.
Laura me lembra de que a novela retrata a realidade. E então me pergunto: preciso mesmo dessas doses diárias de emoções negativas e de realidade em forma de ficção? Não basta a realidade que vivo todo santo dia, na vida real, neste cenário chamado Rede Brasil?
Agora imagine a cena: Higino tem uma espécie de torcida organizada para acompanhar o folhetim diário. A novela do momento está nos últimos capítulos. E quando parecia que nada poderia ficar pior, um parente liga para avisar que pretende visitá-lo, justamente naquele horário. E essa pessoa, agora indesejada, não dá importância para essa atração. Não segue, nem acompanha. Não viu o capítulo de ontem. Não espera que esse personagem morra e que aquele viva feliz para sempre. A reação natural pode ser algo como “Que saco!! Por que não fica em casa?!!” Tem o caso em que naquele dia a TV decide que não vai trabalhar. E quanto ao familiar que requer pronto socorro naquela sexta-feira, dia de decisão? Melhor nem pensar.
Mas pense em outra possibilidade igualmente indigesta para Higino, O Fiel: Jesus programa sua volta, com Juízo Final na pauta, para o dia do último capítulo. “Senhor, não dá pra marcar isso pra semana que vem?! Meu Deus, que inferno!! Aposto que o Buda não faria isso! Claro, Buda fazia yoga…”
Na escola, como aluno, e depois professor, meu compromisso com a instituição ia até a sexta-feira às 23 horas. Como aluno, no final do curso eu teria um diploma de nível superior e uma profissão reconhecida pelo mercado. No meu caso, levava também, na bagagem, o convite feito por um professor para ensinar Criação e Redação Publicitária e dar assessoria na Agência Experimental de uma universidade.
Como professor, era remunerado pelo tempo que dedicava à tarefa de ensinar. Fazia sentido. Mas ficar durante anos, muitos anos, preso à TV por causa das novelas? Não consigo me acostumar com a ideia. Em minha opinião, assistir a uma novela é um compromisso longo demais para que eu me comprometa com ele. Assistir a novelas? Isso não faz parte do meu script de vida.
PrimeiЯa versão
■ Quem não conhece alguém que insiste em colocar a vida de cabeça para baixo? Gente que investe o melhor do seu tempo e energia dando prioridade ao que é apenas acidental, pode ficar para depois. Em seguida, se esforça para fazer o que é importante. Por fim, quando os ponteiros dão um ultimato, falando de urgência, e as forças estão fracas, dedica-se, com desespero, a resolver o essencial, nem sempre com sucesso.
Rubens Marchioni é palestrante, produtor de conteúdo e escritor. Autor dos livros Criatividade e redação, A conquista e Escrita criativa. Da ideia ao texto. [email protected].