por Steven Pinker
Amo manuais de estilo. Desde que me mandaram estudar Elements of Style, de Strunk e White, num curso de Introdução à Psicologia, os guias de redação têm sido um dos meus gêneros literários preferidos. Não é só porque considero bem-vindo um apoio no desafio de sempre aperfeiçoar a habilidade de escrever. É também porque um aconselhamento confiável nesse campo precisa ser bem escrito, e os melhores manuais são boas amostras de seu próprio aconselhamento. Os apontamentos do curso sobre a escrita de William Strunk, que seu aluno Elwin Brooks White transformou no famoso livrinho deles, traziam pérolas de autoexemplificações como “Escreva com substantivos e verbos”, “Ponha as palavras enfáticas da sentença no final” e, a melhor de todas, sua diretriz fundamental: “Corte as palavras desnecessárias”. Muitos estilistas eminentes aplicaram seu talento para explicar sua arte, entre eles Kingsley Amis, Jacques Barzun, Ambrose Bierce, Bill Bryson, Robert Graves, Tracy Kidder, Stephen King, Elmore Leonard, F. L. Lucas, George Orwell, William Safire e, naturalmente, o próprio White, amado autor de Charlotte’s Web e Stuart Little. Eis como o grande ensaísta recorda seu professor:
Nos dias em que eu assistia às suas aulas, ele cortava tantas palavras desnecessárias e as omitia de maneira tão forçada e com tanta gana e evidente satisfação que, muitas vezes, parecia ter se enganado de propósito – como alguém que ficou sem assunto, mas precisou encher o tempo, como um radialista enchendo linguiça. William Strunk se safava dessa situação com um truque simples: dizia três vezes cada frase. Quando, em classe, falava sobre brevidade, costumava se debruçar sobre a mesa, agarrava as lapelas do paletó com as mãos e dizia com voz rouca e conspiratória: “Regra dezessete. Corte as palavras desnecessárias! Corte as palavras desnecessárias! Corte as palavras desnecessárias!”.
Gosto de ler os manuais de estilo também por outra razão – a mesma que leva botânicos para o jardim e químicos para a cozinha: é uma aplicação prática de nossa ciência. Sou psicolinguista e cientista da cognição, e, afinal, o que é o estilo se não o uso efetivo das palavras para acionar a mente humana? É portanto muito cativante para alguém que quer explicar esses campos para um público leitor amplo. Penso no modo como a língua funciona para explicar da melhor maneira possível como a língua funciona.
Mas minha relação profissional com a língua tem me levado a ler os manuais tradicionais com um sentimento crescente de mal-estar. Strunk e White, apesar da grande sensibilidade intuitiva para o estilo, tinham um entendimento fraco de gramática.2 Definiam erradamente termos como frase, particípio e oração relativa e, ao afastar os leitores dos verbos passivos, orientando-os para verbos transitivos ativos, lidavam mal com exemplos de ambos. Por exemplo, não é verdade que There were a great number of dead leaves lying on the ground [Havia um grande número de folhas mortas pousadas no chão] esteja na voz passiva, nem que The cocks crow came with dawn [O canto triunfante dos galos chegou com o nascer do sol] contenha um verbo transitivo. Por falta de ferramentas para analisar a língua, eles se debatiam frequentemente com dificuldades ao transformar suas intuições em conselhos, apelando inutilmente para o “ouvido” do leitor. E parecem não ter percebido que um ou outro de seus conselhos se contradizia a si próprio: “Many a tame sentence… can be made lively and emphatic by substituting a transitive in the active voice” [“Muitas sentenças inexpressivas podem ser tornadas sentenças vívidas e enfáticas se nelas for introduzido um verbo transitivo na voz ativa”] usa a voz passiva para alertar contra a voz passiva. George Orwell, em seu alardeado Politics and the English Language, caiu na mesma armadilha quando, sem ironia, fez pouco da prosa na qual “a voz passiva é usada sempre que possível de preferência à voz ativa”.
Autocontradições à parte, sabemos hoje que pedir aos escritores que evitem a voz passiva é um mau conselho. A pesquisa linguística mostrou que a construção passiva tem inúmeras funções indispensáveis devido ao modo como mobiliza a atenção e a memória do leitor. Um escritor habilidoso precisa saber quais são essas funções e resistir aos revisores que, influenciados por manuais de estilo gramaticalmente limitados, trocam por uma construção ativa qualquer construção passiva que encontram pela frente.
Os manuais de estilo que são ingênuos em matéria de Linguística também são deficientes quanto a um aspecto da escrita que envolve mais emoção: o uso correto e incorreto. Muitos manuais de estilo encaram as regras tradicionais do uso da mesma forma que os fundamentalistas encaram os Dez Mandamentos: como leis infalíveis esculpidas em safira que existem para serem cumpridas pelos mortais sob pena de danação eterna. Mas os céticos e os livres pensadores que sondam a história dessas regras descobriram que elas pertencem a uma tradição oral feita de folclore e mito. Os manuais que são crédulos acerca da infalibilidade das regras tradicionais prestam um mau serviço aos escritores por várias razões. Embora algumas dessas regras possam aperfeiçoar a prosa, muitas comprometem a qualidade, e quem escreve se dá melhor ignorando-as. As regras, com frequência, misturam questões de correção gramatical, coerência lógica, estilo formal e de variedade linguística padrão, mas um escritor habilidoso precisa ter clareza dessas coisas. E os livros de estilo ortodoxos são mal equipados para lidar com um fato inescapável da língua: ela muda com o tempo. A língua não é um protocolo imposto por uma autoridade, mas um “sistema wiki” que reúne as contribuições de milhões de escritores e falantes, os quais submetem continuamente o idioma às suas necessidades e que, fatalmente, envelhecem, morrem e são substituídos pelos filhos, que modificam a língua por sua vez.
Os autores dos manuais clássicos encararam a língua na qual cresceram como imortal e perderam a chance de treinar o ouvido para as mudanças em curso. Strunk e White, escrevendo nas décadas iniciais e meados do século XX, condenaram verbos novos para aquelas épocas como personalize, finalize, host, chair e debut [personalizar, finalizar, hospedar, presidir, estrear] e alertaram os escritores para nunca usar fix no sentido de “consertar” ou claim no sentido de “declarar”. E pior, justificaram sua irritação com racionalizações mirabolantes. “O verbo contact – argumentaram – é vago e arrogante. Evitem dizer que vocês contact people [contatam as pessoas]; digam que estão in touch with them [interagem com elas], look them up [que as procuram], phone them [que vocês lhes telefonam], find them [as encontram] ou meet them up [têm encontros com elas]. Mas é claro que a vagueza de to contact foi exatamente o motivo pelo qual esse verbo se firmou: às vezes, quem escreve não precisa saber de que modo uma pessoa se relaciona com outra, basta que o faça. Ou veja-se este raciocínio duvidoso para explicar por que um escritor só poderia usar numerais com a palavra persons, nunca com people: “Se de six people, cinco foram embora, quantos people ficaram? Resposta: one people”. Pela mesma lógica, os escritores deveriam evitar usar numerais com plurais irregulares como men, children e teeth (Se de six children, cinco forem embora…”).
Na última edição publicada em vida, White bem que reconheceu que a língua tinha sofrido mudanças, instigadas por “jovens” que “falam com outros jovens numa linguagem só deles: reformam a língua com uma energia selvagem, como fariam com um apartamento no porão”. A condescendência de White para com esses “jovens” (que agora estão todos aposentados) levou-o a predizer a aceitação de nerd, psyched, ripoff, dude, geek e funky [nerd, surtado, fraude, cara, vidrado em tecnologias, legal/bom], todas formas depois incorporadas à língua.
As sensibilidades um tanto “grisalhas” dos especialistas em estilo são decorrência de subestimarem mudanças no idioma, e de não refletirem sobre sua própria psicologia. À medida que envelhecem, as pessoas confundem mudanças que ocorrem nelas com mudanças no mundo, e mudanças no mundo com decadência moral – é a ilusão dos bons tempos de outrora. E assim, cada geração acredita que os jovens estão degradando a língua e afundando a civilização junto:
A língua comum está desaparecendo. Está sendo lentamente esmagada sob o peso do conglomerado verbal, uma pseudofala ao mesmo tempo pretensiosa e fraca, que é criada diariamente por milhões de asneiras e descuidos de gramática, sintaxe, fraseologia, metáfora, lógica e senso comum… Na história do inglês moderno não há nenhum período em que uma semelhante vitória sobre o pensamento-na-fala tenha sido tão ampla. – 1978
Os recém-formados, inclusive aqueles com título universitário, parecem não ter absolutamente nenhum domínio da língua. Não conseguem construir uma sentença declarativa simples, oralmente ou por escrito. Não conseguem soletrar palavras correntes do dia a dia. A pontuação, pelo que parece, não é mais ensinada. A gramática é um absoluto mistério, para quase todos os recém-formados. – 1961
De cada faculdade no país eleva-se o apelo, “Nossos calouros não sabem soletrar, não sabem pontuar”. Todos os colégios estão desesperados, pois os alunos desconhecem os rudimentos básicos. – 1917
O vocabulário da maioria dos alunos da escola média é espantosamente reduzido. Tenho tentado usar um inglês simples, e ainda assim, falando às classes, somente uma minoria dos alunos compreendia mais do que a metade do que eu dizia. – 1889
A menos que se ponha um fim no atual avanço de mudanças… não resta dúvida de que, em um século, o dialeto dos americanos se tornará totalmente incompreensível para um inglês. – 1833.
Nossa língua (quer dizer, o inglês) está degenerando muito rapidamente… estou começando a achar que vai ser impossível controlar isso. – 1785
As queixas sobre o declínio da língua são tão antigas quanto a invenção da tipografia. Depois de instalar a primeira na Inglaterra em 1478, William Caxton lamentava: “And certaynly our language now vsed veryeth ferre from what whiche was vsed and spoken when I was borne” [“E certamente nossa língua tal como é usada hoje difere de longe daquela que era usada e falada quando eu nasci”]. Na realidade, o pânico moral sobre o declínio da escrita pode ser tão antigo quanto a própria escrita.
Non Sequitur © Wiley Ink, Inc. Dist. by Universal Uclick. Reprinted with permission.
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O quadrinho não chega a ser um exagero. De acordo com o estudioso inglês Richard Lloyd-Jones, algumas das tabuletas decifradas do sumério antigo incluem queixas sobre a deterioração da habilidade de escrita dos jovens.
Meu desconforto com manuais de estilo clássicos me convenceu de que precisamos de um guia do escritor para o século XXI. Não é que eu tenha a intenção (para não dizer capacidade) de suplantar os Elements of Style. As pessoas que escrevem serão beneficiadas em ler mais de um manual de estilo, e boa parte do conteúdo do “Strunk and White” (como é conhecido) é tão eterno como fascinante. Mas boa parte não é. Strunk nasceu em 1869, e os escritores de hoje não podem se apoiar exclusivamente nos conselhos de alguém que desenvolveu seu sentido do estilo antes da invenção do telefone (para não falar da internet), antes do advento da Linguística moderna e da Ciência Cognitiva, antes da onda de informalismo que varreu o mundo na segunda metade do século XX.
Um manual para o novo milênio não pode limitar-se a perpetuar os ditames dos manuais anteriores. As pessoas que escrevem hoje estão imbuídas do espírito de ceticismo científico e do ethos de questionar autoridade. Não se satisfariam com justificativas como “É assim que se faz” ou “Porque eu falei” e não merecem ser tratadas como incapazes, em qualquer idade. Corretamente, esperam explicações para qualquer conselho que lhes chega de cima.
Hoje, podemos dar essas explicações. Temos uma compreensão dos fenômenos gramaticais que vai muito além das taxionomias tradicionais, baseadas em analogias grosseiras com o latim. Temos um corpo de pesquisas sobre a dinâmica mental da leitura: o aumento e diminuição das cargas de memória à medida que os leitores compreendem uma passagem, o incremento do conhecimento à medida que captam o sentido, os becos sem saída que podem desnorteá-los. Temos um corpo de história e de crítica que permite distinguir as regras que favorecem a clareza, a graça e a ressonância emocional daquelas que se baseiam em mitos e equívocos. Substituindo o dogma relativo ao uso pela razão e pela evidência, espero não só evitar conselhos canhestros, mas também tornar meus conselhos mais fáceis de lembrar do que uma lista do que fazer e do que evitar. Fornecer os fundamentos ajudaria os escritores e revisores a aplicar criteriosamente as orientações conscientes do que lhes cabe fazer, e não como robôs.
Este Guia de escrita não é um manual de referência com respostas para cada dúvida sobre hifenização ou sobre uso da letra maiúscula. Não é um programa de recuperação para estudantes com má-formação e em busca do domínio das frases. Como os guias clássicos, foi pensado para pessoas que já sabem escrever, mas querem escrever melhor. Isso inclui estudantes que esperam aprimorar a qualidade de seus trabalhos, aspirantes a críticos e jornalistas que querem começar um blog, uma coluna ou uma série de resenhas, e profissionais que procuram se livrar de seu academiquês, burocratês, corporativês, legalês, mediquês ou oficialês. O livro também foi escrito para leitores que não procuram ajuda para escrever, mas se interessam pelas letras e pela literatura, e querem saber como as ciências da mente podem tornar mais claro o funcionamento da língua.
Meu foco é a não ficção, particularmente os gêneros que valorizam a clareza e a coerência. Mas, à diferença dos autores dos guias clássicos, não identifico essas virtudes com expressão austera, estilo formal e palavras diretas. É possível escrever ao mesmo tempo com clareza e com discernimento. E embora a ênfase recaia sobre a não ficção, as explicações deveriam ser úteis também para os escritores de ficção, porque muitos princípios estilísticos se aplicam à descrição do mundo real e imaginário. Gosto de pensar que possam ser úteis também para poetas e oradores, e para outros artífices que têm como matéria-prima a palavra, pois estes também precisam conhecer os cânones da prosa rasteira para desconsiderá-los em busca de efeitos retóricos.
As pessoas me perguntam frequentemente se hoje alguém ainda liga para o estilo. A língua inglesa, dizem elas, enfrenta uma nova ameaça com o crescimento da internet e suas práticas de “texting” tuítes, e-mails e salas de chat. Certamente a arte da escrita declinou, comparando com antes dos smartphones e da web. Você se lembra daquele tempo, não? Lá pelos anos 1980, quando os adolescentes falavam em parágrafos fluentes, os burocratas escreviam num inglês claro e todo trabalho acadêmico era uma obra-prima na arte do ensaio? (Ou seria nos anos 1970?) O problema com a teoria de que a internet-está-nos-tornando-analfabetos, claro, é que a prosa ruim oprimiu os leitores em todos os tempos. O professor Strunk tentou fazer alguma coisa a esse respeito em 1918, quando Evelyn White, então jovem, frequentava suas aulas de inglês em Cornell.
O que os derrotistas de hoje não conseguem perceber é que, precisamente, o que eles deploram é que as mídias faladas – rádio, telefone, televisão – estão cedendo o lugar para mídias escritas. Não faz muito tempo, o rádio e a televisão eram acusados de estarem destruindo a língua. Mais do que nunca, agora a moeda corrente de nossas vidas sociais e culturais é a palavra escrita. E nem tudo é fanfarrice semianalfabeta do folclore da internet. Surfando um pouco, vê-se que muitos usuários da internet valorizam a linguagem clara, gramatical, em boa ortografia e pontuação, não só nos livros impressos e nas mídias tradicionais, mas também nos zines eletrônicos, nos blogs, nos verbetes de Wikipedia, nas avaliações de consumidores, e mesmo em boa parte dos e-mails. Levantamentos mostraram que universitários estão escrevendo mais do que seus colegas de gerações anteriores, e que não fazem um número de erros maior por página. E, contradizendo uma lenda urbana, não salpicam seus trabalhos com carinhas sorridentes e abreviações de mensagens instantâneas como IMHO e L8TR mais do que as gerações anteriores se equivocavam no uso das preposições e artigos, pelo hábito de omitir essas palavras nos telegramas. Os membros da geração da internet, como todos os usuários da língua, ajustam a formulação de suas frases ao contexto e à audiência e têm uma boa noção do que é adequado na escrita formal.
O estilo continua importante por pelo menos três razões. Em primeiro lugar, ele garante que os escritores conseguirão que suas mensagens cheguem aos destinatários, poupando os leitores de esbanjar preciosos momentos de vida com a decifração de uma prosa opaca. Quando esse esforço fracassa, o resultado pode ser calamitoso – como apontaram Strunk e White: “morte na rodovia causada por uma placa de sinalização com legenda mal redigida; mágoa entre os namorados causada por uma expressão mal colocada numa carta bem intencionada; angústia de um viajante que conta com um encontro numa estação de trem, e não é encontrado por causa de um telegrama negligente”. Governos e grandes empresas descobriram que pequenos aperfeiçoamentos na clareza podem evitar grandes quantidades de erros, frustrações e desperdícios, e muitos países recentemente decidiram tornar clara a língua das leis válidas em seu território.
Em segundo lugar, o estilo traz confiança. Se os leitores percebem que um autor se preocupa com a coerência e qualidade de sua prosa, confiarão que ele se preocupa também com outras virtudes na conduta que não podem ser verificadas com a mesma facilidade. Eis como um executivo do ramo da tecnologia explica por que recusa candidaturas de emprego cheias de erros de gramática e pontuação: “Se alguém leva mais de vinte anos para fazer o uso correto de it’s, essa é uma curva de aprendizado com a qual não me sinto à vontade.” E se isso não basta para levar você a polir sua prosa, considere a revelação do site de encontros OKCupid, de que uma gramática ou uma ortografia descuidada em um perfil são poderosas “duchas de água fria”. Como disse um cliente: “Quem está tentando marcar encontro com uma mulher não espera uma prosa floreada de Jane Austen. Mas não deveria dar a melhor impressão de si?”.
Em particular, o estilo acrescenta beleza ao mundo. Para um leitor culto, uma sentença concisa, uma metáfora surpreendente, um aparte espirituoso, uma formulação elegante estão entre os maiores prazeres da vida. E, como veremos no primeiro capítulo, é por essa qualidade pouco prática da boa escrita que o esforço prático de dominar o escrever bem precisa começar.