O professor Nelson Piletti, autor de livros como História da Educação e do lançamento Sociologia da Educação, escreve sobre a recente divulgação de dados referentes ao impacto da pandemia e das políticas públicas adotadas nesse período para a educação brasileira, e como isso afetou as crianças em período de alfabetização. O professor também indica caminhos possíveis e propõe questionamentos sobre o atual quadro. Confira:
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Começo com o Barão de Itararé. Perguntado sobre o Estado Novo de Vargas, saiu-se com esta: “O Estado Novo é o estado a que chegamos”. Sobre a educação brasileira, podemos seguramente afirmar: o estado velho é o estado a que chegamos. Sobre isso faço quatro constatações, isto é, verificações do estado das coisas, que estão aí à vista de todos os que não se negam a ver.
A primeira é que não só não avançamos como retrocedemos. E são os dados divulgados pela organização Todos Pela Educação, com base em pesquisa do IBGE, que não me deixam mentir: durante a pandemia, de 2019 a 2021, o índice de crianças de 6 e 7 anos que não aprenderam a ler e escrever cresceu 66,3%, chegando a 2,4 milhões, preocupantes 40,8% do total de crianças dessa faixa etária.
Os dados também explicitam as desigualdades étnicas: não estão plenamente alfabetizadas 47,4% das crianças pretas, 44,5% das pardas e 35,1% das brancas; bem como as socioeconômicas: entre as crianças ricas, esse índice é de 16,6%, já entre as pobres, chega a 51%.
A segunda constatação é que esse retrocesso não é fruto do acaso nem meramente das circunstâncias, como a pandemia de covid-19. Como na saúde, no meio ambiente, na questão social, etc., etc., etc., também na educação, em grande parte, o retrocesso é resultado de uma política deliberada de corte de verbas, desmonte de órgãos responsáveis, pregação e prática ideológicas excludentes, que acabam prejudicando principalmente os mais pobres, que não têm condições de compensar as deficiências do ensino escolar, presencial ou remoto.
Em terceiro lugar, a História nos ensina que a mudança é possível. E que ela passa pela política e esta, pela educação, que tem como um dos seus objetivos legais a formação de cidadãos conscientes, aptos a eleger políticos mais preocupados com o interesse da coletividade do que com o particular, da sua família e dos seus asseclas. Ou seja, políticos capazes de propor e promover mudanças que melhorem quantitativa e qualitativamente o estado da educação. Está claro que, nas atuais circunstâncias, escolas e comunidades não podem ficar esperando soluções que venham de cima, mas precisam organizar-se e empenhar-se no sentido de melhorar o ensino, visando à formação de cidadãos conscientes, em consonância com as reais condições em que se encontram.
Finalmente, a constatação, que também nos é proporcionada pela História, de que, para ser eficiente e eficaz, a política educacional não pode estar atrelada ao governo de plantão, que tem prazo de validade, mas deve ser uma política de Estado. Ou seja, não pode ser efêmera, começar do zero a cada novo governo, ao sabor da ideologia que o domina. Precisa ser duradoura e permanente, ultrapassando os governos, orientada pelos princípios constitucionais.
Cabe perguntar: os atuais mandatários educacionais têm consciência do Plano Nacional de Educação? Se a têm, promovem a sua divulgação e estimulam a sua implementação? Tomam iniciativas e criam as condições materiais e pedagógicas necessárias à sua execução, a fim de que as metas propostas sejam alcançadas?
Termino com Darcy Ribeiro:
“Fracassei em tudo o que tentei na vida.
Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui.
Tentei salvar os índios, não consegui.
Tentei fazer uma universidade séria e fracassei.
Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei.
Mas os fracassos são minhas vitórias.
Detestaria estar no lugar de quem me venceu.”
Nelson Piletti é graduado em Filosofia, Jornalismo e Pedagogia; mestre, doutor e livre-docente em Educação pela Universidade de São Paulo (USP); ex-professor do ensino fundamental e médio. Pela Contexto, é autor de vários livros como: Aprendizagem: teoria e prática e Psicologia do desenvolvimento.