DIANTE DA FOLHA em branco, você experimenta todo o peso de uma escuridão intensa. Você está a sós com o compromisso de escrever. Chamou pela ideia, ela não respondeu. O silêncio provoca uma experiência semelhante àquela retratada no quadro ‘O Grito’, obra-prima do pintor norueguês Edvard Munch, que sugere temas como solidão, angústia, melancolia, ansiedade e medo. É nesse clima de abandono que você se encontra. E não é incomum o impulso de fuga, jogar no lixo aquele papel que lhe queima as mãos e assumir para si a ‘verdade’ segundo a qual criar e escrever são atividades que não devem contar com você – a pior versão do mindset fixo, impedindo-o de perceber a oportunidade de se desenvolver, atingir objetivos, realizar-se como escritor.
Já à espreita, o desânimo entra em cena. Parece que, em grande medida, estamos programados para a desistência. Ela parece mais fácil e menos trabalhosa do que a prática de reagir. Isso acontece devido à falta de confiança em nós mesmos e à dificuldade de seguir o processo, etapa por etapa, com a devida disciplina, tanto para criar quanto para escrever. Na gravidez quanto na produção literária, é preciso entender que provocar o parto no sexto mês é o caminho mais curto para o aborto. Pressa não conta. Trabalho, sim.
No entanto, você tem um objetivo. Sua mensagem não vale apenas por si mesma. Ela tem uma missão, e quer vê-la cumprida. Depois de ser lida, o seu público deverá estar motivado, ou preparado, para agir de determinada maneira em tais circunstâncias etc. Tudo muito claro, a fim de que o feedback se torne possível no final do projeto.
Como se pode ver, o momento é de crise, que envolve processo decisório – decidir-se por uma forma, uma palavra. E ‘Em momentos de crise, só a imaginação é mais importante que o conhecimento’, advertiu Einstein, cuja habilidade de encontrar respostas brilhantes onde só havia muros e ausência de pontes é reconhecida. O gênio imaginava, inventava, criava, jogava com a intuição, primeiro, e com o intelecto, depois, para ter as ideias mais inesperadas e torná-las adequadas a cada situação. Diante da crise é fundamental reagir usando a imaginação. Porque nesses momentos é preciso contar com a criatividade para encontrar a segunda resposta certa. Isso define a criatividade.
Crise é perigo e oportunidade a um só tempo, como sugere a composição da palavra quando escrita em chinês. E ‘Não são as crises que mudam o mundo, e sim nossa reação a elas’, segundo o filósofo e sociólogo polonês Zygmunt Bauman. Na escrita, vale a mesma regra. Quem desiste não experimenta transformações interiores. E não transforma.
Aqui vale uma reflexão, impopular: não é incomum a presença ofuscante do branco diante da folha de papel ser o sintoma triste da falta de conteúdo, repertório, por parte do redator. Sem isso, não há como criar – dizia um redator da criativa DPZ que ‘Ninguém defeca o que não comeu’. Nem mesmo existe a chance de entregar algo relevante ao leitor que comete a gentileza de dedicar uma parcela do seu tempo falando com quem escreve.
Sem dúvida, nesse caso, a orientação de um mentor, um coach, faz toda a diferença. Mas nunca é demais lembrar que as orientações, teóricas e práticas, não têm o hábito deplorável de invadir a intimidade de quem quer que seja. Ao contrário, elas respeitam a vontade do outro. Se ele não quiser, se preferir defender a ideia segundo a qual é um incompetente incorrigível, seu direito de manter-se agarrado a essa autodefinição destruidora será respeitada. Nenhum Machado de Assis, nenhum Washington Olivetto consegue entrar naquela mente fechada, porque não há como abri-la a não ser do lado de dentro, por meio de uma chave única, que está nas mãos do ouvinte ou leitor.
Então cabe aqui uma sugestão: não sabe absolutamente sobre o que escrever? Experimente uma forma espontânea de brainstorming que captura e revela ideias inesperadas, resolvendo os seus desafios e permitindo que você conserte o avião em pleno voo. Que tal iniciar o texto, despretensiosamente, com a frase ‘Gostaria muito de escrever, mas não sei exatamente sobre o que’. Depois a deixe em silêncio. Olhe para ela. Ouça o que essas palavras estão dizendo. A partir desse diálogo silencioso, escreva a segunda frase. Sem parar. E a terceira. Sem parar. E a quarta. Sem parar. E todas. Sem parar. Depois, apenas no final, leia esse primeiro rascunho, para saber sobre o que escreveu e editar essa primeira versão, cheia de buracos e insatisfatória no seu conteúdo.
Você vai se surpreender. É mágico. E olha que não gosto dessa palavra, porque aprendi que todas as coisas nos chegam como fruto de muito suor.
Se você fez um trabalho competente de pesquisa, dispõe de repertório, tem algo relevante a dizer, o processo de incubação aferventa esse conteúdo. Extrai dele o melhor. Inclusive porque, nessa etapa, os diferentes elementos já estarão se incorporando mutuamente, como o tempero que se coloca na comida feita com capricho. Mas, como disse, somente a disposição para encontrar o novo é capaz de triturar a insistência do velho em se manter vivo, ocupando espaços que já não devem lhe pertencer.
Mais do que isso, criar, nesse caso, é um processo terapêutico, uma vez que o fato de que uma ideia puxa a outra sempre traz revelações e contribui muito, inclusive, para o autoconhecimento. Freud explicaria brincando esse jogo psicanalítico. A surpresa feliz é uma constante.
Todo esse trabalho envolve engajamento com o resultado a que se propõe. Isso justifica o esforço para seguir cada etapa do processo, de maneira regular e disciplinada. No entanto, se o envolvimento deixar de acontecer, porque não se aceita menos que o perfeito logo na primeira versão, o resultado será uma experiência angustiante de frustração.
Portanto, começar já, na prática, a partir da primeira faísca de uma ideia, de uma sensação, de uma emoção, viajando por ela para ver aonde se pode chegar, eis o caminho para se obter um trabalho criativo e, ao mesmo tempo, adequado aos seus fins.
Assim, e repetindo, é preciso começar. Na prática. Chegar ao melhor e oferecer ao leitor a possibilidade de beneficiar-se com um trabalho competente de comunicação escrita. Obter feedback, para certificar-se de que aquele produto não foi um mero exercício de distribuir palavras e pensamentos sem critério ou responsabilidade, prometendo abrigo, mas oferecendo riscos desnecessários ao leitor.
A edição final, trabalho feito com critérios rigorosos, envolvendo leitura em voz alta, mas apenas no final, por favor, garante um produto que merece os olhos, a emoção e a razão do leitor. É assim que se faz. Mesmo quando se começa sem saber por onde começar.
RUBENS MARCHIONI é palestrante, publicitário, jornalista e escritor. Autor de Criatividade e redação, A conquista e Escrita criativa. Da ideia ao texto. [email protected] – http://rubensmarchioni.wordpress.com