No dia a dia, estamos frequentemente avaliando quanto sexo fizemos ou deixamos de fazer, como a prática ou a ausência dela impactou nossas vidas, o que nos motivou a fazer ou a evitar… Não raramente, atribuímos as insatisfações do sexo entre heterossexuais às diferenças de perfil homem/mulher, nos estranhamos ou nos assumimos diante da homossexualidade e questionamos o sexo binário. Invariavelmente nos perguntamos: por que depositamos tantas fichas na nossa vida sexual, apostando que ela será nossa maior fonte de satisfação, alegria e recompensa?
Assim se estabelecem a pressão e o patrulhamento, o que aniquila a espontaneidade, dando vez às falhas sexuais, aos conflitos relacionais, ao medo e à desistência. Hoje, e ao longo da história da humanidade, quanto as pessoas “curtiram” e quanto sofreram com o sexo? Se a ideia é o sexo no cotidiano, há que se conhecer o seu passado para se apropriar do seu presente e usufruir mais do seu futuro.
Emancipação feminina, antecipação ou retardo da iniciação sexual, união estável adiada, sexo desvinculado do casamento, desvalorização da virgindade, múltiplas parcerias sexuais concomitantes versus sequenciais, sexo de risco, risco como fator de excitação sexual, assexualidade… Quanto essas condições mudaram a qualidade dos relacionamentos? Para melhor ou para pior?
Aceitar o convite para escrever este livro foi um grande desafio.
O maior trabalho – isso eu sabia desde o início – não seria encontrar conteúdo para nele colocar. Pudera, depois de mais de quatro décadas trabalhando com o tema, essa deveria ser a menor das preocupações. O problema, desde sempre, consistiu em fazer caber, nas poucas páginas que este livro deveria ter, ideias, reflexões, evidências e suposições escolhidas a dedo no meu arquivo interno de professora e médica, especializada nessa área. Independentemente de esse arquivo ser ou não volumoso, o assunto em si suscita variadas questões e abre inúmeras vertentes, todas extremamente instigantes.
Sabendo disso, iniciei pela elaboração de um roteiro. Na verdade, um sumário. Escolhi temas amplos, os quais permitissem uma conversa com o leitor, conversa essa travada na minha imaginação, no sentido de ir colocando no papel aquilo de que, supostamente, o leitor desejasse se apropriar.
Elegi 26 temas, consciente de que muitos ficariam de fora. Intencionalmente evitei incluir incesto, abuso e violência sexual, pedofilia e mais outros distúrbios. O motivo dessa exclusão intencional não foi o limite de páginas, mas ser fiel ao título da obra: Sexo no cotidiano. Foi um livro escrito durante a pandemia de covid-19. Portanto, com a marca do confinamento e da perplexidade. Até por isso, menos divertido do que poderia ser, porém genuinamente cotidiano, conforme a proposta.
Relendo os capítulos, me dei conta de que alguns ficaram longos e outros, nem tanto. Sexo é assim: não há como fazê-lo sempre do mesmo modo. Isso evita que se torne repetitivo, enfadonho, automático, torpe. Os capítulos longos trazem um conteúdo que por vezes extrapola os respectivos títulos. Em cada um deles, aproveito para discorrer sobre aspectos correlatos, complementando o central. Os capítulos mais curtos se caracterizam pela objetividade que seus temas inspiram e exigem.
O bom de tudo, no entanto, será conseguir que você se identifique com essa leitura e se reconheça contemplado em alguma ou em muitas das linhas aqui expressas.
Se assim for, terá valido a pena o enorme desafio de capturar o imprevisível e arredio sexo de cada dia.
Boa leitura!
Carmita Abdo é médica, graduada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (puc-sp), com residência em Psiquiatria, doutorado e livre-docência pela Faculdade de Medicina da usp. Foi a fundadora e coordena o Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da fmusp. É atual presidente da Associação Brasileira de Estudos em Medicina e Saúde Sexual (abemss). Dedica-se à pesquisa e à assistência em Medicina Sexual há mais de quatro décadas.