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Semideus em silêncio | Rubens Marchioni

Não estranhe se, na hora de escrever, você sentir na pele a ausência de palavras para expressar uma ideia que ainda está igualmente vaga. A situação é dramática. Se não bastasse a ideia ser embrionária e sem traços definidos, as palavras que a tornariam inteligível também se recusam a aparecer. Mas o senhor Albert Einstein teria afirmado que “A felicidade não se resume na ausência de problemas, mas sim na sua capacidade de lidar com eles”, e isso nos dá algum alento.

Desafio aceito: vamos seguir em frente e informar ao problema que ele pode ser grande, mas não será invencível. Afinal, já aprendemos a lidar com diferentes etapas do processo criativo, aquelas sistematizadas por Alex F. Osborn em O poder criador da mente, a mesma obra em que o autor sistematiza o brainstorming. Sabemos que o quadro pintado até agora, com cores que intimidam, atende pelo nome de Incubação. É quando nos sentimos incapazes ou sem a habilidade necessária para fazer com que uma resposta apareça. É quando ouvimos o fracasso batendo à nossa porta. É quando precisamos nos retirar. Abandonar tudo, estrategicamente. Tirar de cena o consciente e deixar que o subconsciente vá buscar e nos entregue uma resposta, criativa e adequada, para o nosso problema, por meio da experiência gloriosa do “Eureka!”.

É quando, enfim, repetimos a experiência da dupla de criação que trabalhava numa grande agência de propaganda, nos Estados Unidos, responsável pela conta publicitária da Coca-Cola. Um dia, os dois profissionais receberam a tarefa de criar um novo slogan para o refrigerante. Redator e diretor de arte passaram toda a manhã em busca de uma frase, uma única frase, sintética, que pudesse ser adotada como slogan para o produto. Não encontraram. Cansados, desistiram e saíram para almoçar. Passando pelo jardim, viram o jardineiro trabalhando. “E pra você, o que é Coca-Cola?” – perguntaram. “Coca-Cola é isso aí, né?” – o homem respondeu. Coca-Cola é isso aí. Pronto, aí estava a resposta, que permaneceu durante muitos anos identificando a marca.  

Bem definidas, ideias e palavras atendem à necessidade que o escritor sente de ser reconhecido como tal, seja devido a um livro, artigo, texto acadêmico ou corporativo. E isso nem sempre tem a ver com a criação de manifestações literárias retumbantes. Basta apenas que traduzam o sentimento da humanidade. Nesse sentido, o poeta Mário Quintana lembra que “Ser poeta não é dizer grandes coisas, mas ter uma voz reconhecível dentre todas as outras.” Ora, isso vale também para candidatos ao trabalho delicioso de ser escritor. 

Escrever abre espaço para a experiência de se comparar a um semideus, que trabalha com as emoções do seu público e o atinge mais profundamente. No entanto, e miseravelmente, não são raras as situações em que você tem de conviver com essa ausência de nitidez, presença de ideias e palavras que se calam quando você mais precisa de revelações.

Semideus com pés de barro?


Rubens Marchioni é palestrante, produtor de conteúdo, blogueiro e escritor. Eleito Professor do Ano no curso de pós-graduação em Propaganda da Faap. Pela Contexto é autor de Escrita criativa: da ideia ao texto. https://rumarchioni.wixsite.com/segundaopcao / e-mail: [email protected]