O livro Segunda Guerra Mundial, de Francisco Cesar Ferraz, aborda o evento-chave para a história do século XX e para nosso presente. Há mais de oitenta anos depois de iniciado, o conflito ainda é um ponto de referência histórico para praticamente qualquer acontecimento mundial posterior. Foi a guerra que produziu mais mortos – pelo menos 80 milhões de pessoas – e a primeira em que morreram mais civis do que os combatentes diretos. Foi um conflito que atingiu a todos, tanto os que estavam nas áreas onde os combates eram travados quanto quem se encontrava geograficamente distante dos campos de batalha e que só tinham vagas informações sobre a guerra. Todos, combatentes ou não, seriam afetados de um modo ou de outro.
A Segunda Guerra também se distinguiu das outras pelo seu caráter, ao mesmo tempo, mundial, total e interdependente. A guerra foi mundial porque, com exceção de uns poucos Estados nacionais neutros ou distantes demais dos terrenos e mares onde os combates aconteceram, envolveu todas as nações do mundo. A guerra foi total porque envolveu todas as energias e atividades das populações do globo, militares e civis. A guerra foi interdependente porque cada grupo combatente dependia das outras forças armadas, dispostas ao lado e até mesmo a centenas de quilômetros de distância. Cada país combatente dependia da produção de material bélico e bens de consumo, por parte da sua população civil ou de seus aliados. Cada lado em guerra dependia dos avanços da ciência, da tecnologia, da manutenção do moral e da vontade de continuar lutando da população civil, além dos próprios soldados.
Em alguns tristes e trágicos casos foi, também, uma guerra de extermínio, na qual os alvos não eram necessariamente os soldados ou o território inimigo, mas grupos étnicos/nacionais/políticos. Entender a guerra, em todas essas dimensões, nos ajuda a compreender a estrutura do mundo atual e as sombras de conflitos e barbáries que se projetam em nossos dias.
O livro é direcionado ao público geral, tanto o acadêmico quanto aquele composto por aficionados em história militar e nas histórias dessa guerra. Esse foi o maior desafio: escrever, de maneira compreensiva, mas compacta, um livro sobre o tema histórico mais escrito, discutido e filmado do século XX.
Assim, o livro aborda não apenas os eventos militares, mas também como as populações travaram, ao seu jeito e condições, a guerra que estava ocorrendo. Essa postura aparece já na introdução, que mostra brevemente a trajetória de sete pessoas comuns – homens e mulheres, combatentes e civis, crianças e adultos, vencedores e vencidos –, colhidas em um evento histórico absolutamente incomum. O que elas, gotas de água no oceano de dramas das centenas de milhões de pessoas afetadas direta ou indiretamente na guerra, possuem em comum? A resposta é a essência deste livro. Sua proposta não é apenas mostrar como se deu a guerra, em seus aspectos militares e políticos, mas retratar também o aspecto humano, as pessoas que viveram a Segunda Guerra Mundial e por elas foram afetadas, em termos individuais e coletivos.
O livro procurará proporcionar uma história mais geral do conflito: as origens e razões de eclosão da guerra em diferentes continentes, o desenvolvimento avassalador que consumiu a humanidade por anos e o seu desfecho nas várias frentes de combate, bem como suas consequências.
Algumas das principais polêmicas que dividem os historiadores também são abordadas nesta obra. A guerra seria evitável, na Europa e no Pacífico? Quais as razões das vitórias iniciais do Eixo? Havia uma política de “limpeza” racial nos avanços do Eixo? Por que os Aliados venceram? Qual a importância da Batalha do Atlântico para o destino da guerra? Como foi possível a aliança militar entre potências capitalistas, como Estados Unidos e Grã-Bretanha, e a União Soviética comunista? A vitória soviética na frente do Leste Europeu, contra a Alemanha, pode ser creditada ao “general inverno”? O Japão teria chance de vencer a guerra no Pacífico? Quais as razões para o uso das bombas atômicas contra o Japão? Temas como recursos materiais, táticas, estratégias, ciência, tecnologia, informação, espionagem, moral de combate e mobilização da frente doméstica estão, no livro, diretamente relacionados a tais polêmicas.
Um outro conjunto de polêmicas é aquele que chama mais a atenção das pessoas que não se interessam tanto por guerras e ações militares, mas pelo que um conflito como esse faz com os seres humanos: os dilemas morais. Os limites que, historicamente, regulavam até onde a guerra podia chegar foram cruzados com facilidade e desumanidade ímpares. Violências contra populações civis em territórios ocupados, bombardeio de alvos não militares, torturas e massacres de prisioneiros, sacrifício de unidades inteiras em prol da preservação de “interesses militares maiores”, perseguições raciais etc. O extermínio dos judeus na Europa levou esse dilema moral ao paroxismo, mas não foi o único. Exatamente por isso, tais ações de ódio e desprezo racial foram entendidas no livro como um evento indissociável da Segunda Guerra Mundial, e não como um detalhe ou um efeito colateral do conflito.
Oxalá a humanidade não sofra outra tragédia inominável como esta, porque tolerou o intolerável, porque tornou “natural” o que sempre foi e sempre será monstruoso: o afloramento de ódios, as pulsões de morte que pregam exclusões e eliminações do Outro. Nos tempos atuais, em nome de raças, de nações e até mesmo em nome de Deus, tais sombras voltaram a pairar, ameaçadoras, sobre a humanidade, Que o conhecimento da história da Segunda Guerra Mundial e de todos os seus extermínios possa nos ajudar a combater pelo bom combate.
Francisco Cesar Ferraz é professor associado do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Paraná, e pesquisador do CNPq. Possui doutorado em História pela Universidade de São Paulo (USP) e mestrado em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp).