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Sair da zona de conforto é um desafio transformador | Rubens Marchioni

A psicologia define zona de conforto como a repetição de padrões de pensamentos e comportamentos. Isso é o mesmo que fazer exatamente aquilo que não causa medo ou ansiedade. Os motivos, claro, são óbvios: não convivemos bem com ameaças que colocam em risco o nosso instinto de estabilidade. Isso é profundamente humano. O problema, como sempre, é quando o “profundamente humano” se converte no “profundamente exagerado, fora do controle”. Porque aí ele se torna tóxico.

A zona de conforto é um lugar seguro, e nisso consiste o grande risco. Porque ela não é, necessariamente, o melhor espaço para se permanecer durante muito tempo. Como se sabe, essa é uma região monótona, em que pouca coisa interessante, digna de envolvimento, acontece. Um tédio. Tudo amparado por uma segurança que engana.

A propósito disso, vale uma pergunta: quando alguém sai para uma viagem, se daria por satisfeito apenas pelo fato de estar no posto onde vai abastecer o carro, longe dos riscos de se envolver numa colisão, coisa que pode acontecer numa estrada? Ou se limitaria ao espaço da estação rodoviária, ou do aeroporto, com todo o seu aparato de segurança, quando então reuniria a família para dividir experiências e mostrar as fotos? Não.

A vida pessoal, social, acadêmica e profissional é uma viagem. Uma grande viagem. E para que ela faça sentido, não é o bastante ser mais ou menos cidadão, estudante, profissional. É indispensável ser profunda e essencialmente cidadão, estudante, profissional etc. Mas ninguém faz isso atracado na sua zona de conforto. Ninguém decola nessas condições. Porque decolagem implica deixar o solo firme. Tem a ver com ultrapassar limites. Fala de ganhar as alturas, até pousar em outro território, onde se desenham novas possibilidades de desenvolvimento, em todos os sentidos.

A outra área, que nada tem a ver com a pacata e cinzenta zona de conforto, oferece uma agitação saudável e muitas possibilidades. Trata-se daquele espaço onde a magia da vida acontece, existe luz e o ser humano se aproxima da plenitude. Detalhe que faz toda a diferença: ela se torna viável apenas se existir interação entre a pessoa e o ambiente. E ninguém interage com algo novo se não está disposto a sair um pouco daquele terreno velho e surrado de que venho falando até aqui.   

Nesse sentido, convém lembrar que gostamos de desafios, aventuras, mas fugimos da ideia de sair da zona de conforto. Preferimos recusar qualquer convite nesse sentido. Quando aceitamos iniciar o trajeto, em geral, conquistamos aquilo que nos levou a colocar os pés na estrada. O problema é se dar conta de que se não alcançamos as estrelas, também é certo que não acabamos com um punhado de barro nas mãos, como sugere o publicitário americano Leo Burnett.  

Como saber se estamos na zona de conforto? Não existe uma tabela pronta. Mas é possível identificar alguns sinais característicos.

  • Frequentar um curso superior, sem ter a menor vocação para aquela área, correndo o risco de se transformar num profissional de segunda linha, somente porque a faixa salarial paga pelo mercado é compensadora. Isso sem se dar conta de que muita gente adotou o mesmo raciocínio, e a concorrência, fatalmente, é maior, colocando em desvantagem os menos qualificados.
  • Permanecer naquele emprego que não satisfaz, apenas porque o salário e os benefícios são compensadores e procurar outra atividade seria muito trabalhoso. Estar nessa atividade profissional insatisfatória pode ser fruto da escolha equivocada do curso frequentado por motivos idem.  
  • Insistir num relacionamento que não tem mais futuro, uma verdadeira árvore seca e sem vida, plantada no quintal, apenas porque se acostumou com sua imagem e não está disposto a gastar tempo e energia removendo-a.

A lista não termina aqui. Ela inclui até mesmo a ideia de fugir de tomar uma injeção ou uma vacina, imunizando-se e colaborando com a saúde e o bem-estar de outras pessoas, somente pelo fato de que esse procedimento, simples, pode ter algum efeito colateral semelhante ao desconforto provocado pela picada de uma formiga, por exemplo. Nesse caso, já não se trata do simples medo de sair da zona de conforto, mas de uma atitude de egoísmo. Os dois se complementam. São farinha do mesmo saco.

Não, você não precisa acreditar em nada disso. Apenas experimente mudar. Mesmo que seja para provar que o que acaba de ler não faz o menor sentido. Seja como for, esta será uma forma de sair da zona de conforto. E pode dar um ótimo resultado. Surpreender.


Rubens Marchioni é palestrante, produtor de conteúdo, blogueiro e escritor. Eleito Professor do Ano no curso de pós-graduação em Propaganda da Faap. Pela Contexto é autor de Escrita criativa: da ideia ao texto. https://rumarchioni.wixsite.com/segundaopcao / e-mail: [email protected]