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9 de julho | Revolução Constitucionalista de 1932

Há mais de cinquenta anos o dia 9 de julho é comemorado em São Paulo com cerimônias oficiais recheadas de discursos seguidos de desfiles de ex-combatentes – orgulhosos portadores de medalhas, bandeiras e capacetes de aço – e familiares. Emocionados, esses senhores e senhoras, os “veteranos de 32”, simbolizam a própria memória de um evento histórico que se tornou a data máxima da história oficial paulista, a Revolução Constitucionalista de 1932. O dia 9 de julho de 1932 marca o início de uma guerra civil que durou três meses e resultou em mais de seiscentos mortos. Nessa data partiram de São Paulo os primeiros batalhões de “soldados constitucionalistas” para lutar contra as tropas do governo federal com o objetivo de destituir o presidente Getúlio Vargas e restabelecer a ordem constitucional no país.

DICIONARIO_DE_DATAS_DO_BRASIL_1Os primeiros lances desse episódio remontam a 1930, quando, por meio de um movimento político-militar – a chamada Revolução de 1930 –, Getúlio Vargas assumiu o poder, destituindo o presidente Washington Luiz e suspendendo a ordem constitucional. Instaurou-se um governo provisório, os presidentes dos estados foram substituídos por interventores nomeados por Getúlio Vargas e as câmaras legislativas estaduais foram fechadas. Desde o início de seu governo, ficou evidente que, no sistema político recém-instaurado, os paulistas perderiam sua hegemonia. À perda do controle político do estado chefiado, a partir de então, por interventores não paulistas, somou-se uma radical diminuição da capacidade de decisão sobre a economia cafeeira, que passou a ser centralizada por Vargas.

Até então, a vida política paulista girava em torno da disputa entre dois partidos – o Partido Republicano Paulista (PRP), da situação, e o Partido Democrático (PD), que concentrava os interesses da oposição. Com a ascensão de Vargas, o PRP se viu totalmente alijado do poder, enquanto o PD , por ter apoiado a campanha getulista, manteve esperanças de participar do novo arranjo político, o que não ocorreu.

Dada a grave instabilidade política que se manifestava desde a década anterior, os partidos passavam por uma crise de legitimidade. Termos como “carcomidos”, “politiqueiros”, “politicalha” enchiam as páginas dos jornais, que construíam uma imagem da política como o reino de interesses mesquinhos. Assim, ganha sentido a criação da Legião Revolucionária de São Paulo por Miguel Costa em novembro de 1930. Considerada o “braço armado da Revolução”, a Legião surgiu para combater o que chamava de “politicalha”, isto é, as formas tradicionais de exercício político através dos partidos. Defensora dos princípios revolucionários, a Legião simbolizava a presença do novo regime em São Paulo, tornando-se, por isso mesmo, o principal inimigo dos políticos paulistas. A presença da Legião modificou radicalmente o panorama político, provocando a união do PRP e do PD, que procuraram uma fórmula de restabelecer a ordem constitucional. A trégua entre os dois partidos resultou, em fevereiro de 1932, na formação de uma Frente Única, cujo objetivo consistia em solucionar as duas principais questões do momento: a reconquista da autonomia paulista e a reconstitucionalização.

Entre 1931 e 1932, portanto, a tensão e a instabilidade marcaram as relações entre os políticos paulistas e o governo federal; sucessivos interventores foram nomeados para governar o estado e logo destituídos, enquanto os políticos paulistas procuravam restaurar o prestígio perdido. Se, de um lado, as tentativas de diálogo se multiplicavam, de outro, os políticos paulistas pretendiam liderar uma conspiração de âmbito nacional. Segundo um memorialista, articulações para derrubar Getúlio estavam em curso desde abril de 1931, e em dezembro desse ano já se considerava a ideia de armada não apenas para reconquistar a autonomia perdida, mas para agir no cenário nacional, derrubando o presidente da República.

revolucao-32gA indefinição de Vargas incitava os paulistas, provocando um clima de conflito constantemente alimentado por manifestações públicas, passeatas e comícios, nos quais se clamava pela convocação de eleições a uma Assembleia Constituinte. Nesses encontros, bem como na imprensa, fomentava-se um clima de animosidade crescente contra o governo federal – a “ditadura”. Os discursos políticos manipulavam os sentimentos de humilhação e orgulho, no qual o grande estado de São Paulo – a “locomotiva que puxava os vagões”, “o berço da nação”, o símbolo da modernidade – encontrava-se esmagado por um governo despótico e ilegítimo. Interesses frustrados, convicções e paixões formavam o caldo de cultura desse clima pré-revolucionário. A ideia de um movimento armado foi ganhando corpo, fomentada em grande parte pelos estudantes universitários, que promoviam passeatas, comícios, distribuíam folhetos e tomavam providências para a guerra.

O estopim da revolução foi, mais uma vez, a escolha de um novo interventor, em maio de 1932. Indicado pelos paulistas, após longas negociações, o governo federal nomeou o embaixador Pedro de Toledo. Na data marcada para o anúncio de seu secretariado (23 de maio), houve um enorme comício na Praça do Patriarca, na cidade de São Paulo.

Incitada pelos discursos inflamados dos líderes estudantis e políticos e inquieta devido às informações desencontradas sobre as negociações entre o emissário de Getúlio Vargas e os políticos paulistas, parte da multidão que estava na Praça do Patriarca saiu em direção ao Palácio dos Campos Elíseos, onde se faria o anúncio. Em meio à confusão, um grupo decidiu atacar a sede da Legião, que abrigava os jornais getulistas o Correio da Tarde e A Razão. No confronto com os defensores da Legião, ocorreu a morte de quatro estudantes, de cujos nomes – Martins, Miragaia, Camargo e Dráusio (MMDC) – extraiu-se a famosa sigla que nomearia a primeira milícia civil encarregada dos preparativos para a guerra contra os desmandos do governo federal.

A partir desse episódio, o clima de revolta acirrou-se, tornando cada vez mais palpável a ideia de revolução, apontada como a única saída para a crise. A maior parte da população paulista envolveu-se nos preparativos, que consistiam em recrutamento de voluntários, treinamentos militares, coleta de fundos para a compra de armas e munições, confecção de uniformes e equipamentos, entre outras providências.

Do ponto de vista militar, o comandante da II Região (São Paulo), Euclides de Figueiredo, contava com reforços provenientes do Mato Grosso e do Rio Grande do Sul; iniciado o movimento, porém, os reforços não chegaram, e rapidamente o governo federal conseguiu sufocar o movimento circunscrevendo-o ao território paulista. Após três meses de luta, os paulistas se renderam; os políticos envolvidos no movimento foram presos e exilados. Sufocado o movimento, Getúlio Vargas marcou as eleições para a Constituinte para maio de 1933, num gesto de aproximação com os políticos de São Paulo. A convocação foi imediatamente assumida como uma vitória moral: “Perdemos, mas vencemos” tornou-se a versão oficial do episódio, de modo que o dia 9 de julho passou a ser considerado a data máxima do calendário cívico do estado.


Por Ilka Stern – doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) e especialista em História Política – no livro Dicionário de Datas da História do Brasil, publicado pela Editora Contexto