O presente livro, escrito por Paula Juliasz, traz uma importante contribuição para a linha de pesquisa em Cartografia Escolar, acrescentando conhecimentos aos estudos sobre a educação infantil.
Além disso, a importância desta obra está no fato de que, em nosso país, ainda existem poucas publicações que deem subsídios teóricos e práticos para os pesquisadores e professores atuantes nessa área. Este livro destina-se principalmente aos professores de educação infantil e das séries iniciais do ensino fundamental, bem como a pesquisadores na área de Geografia Escolar e Cartografia Escolar.
Ele aborda a representação espacial, explorando a relação entre memória, desenvolvimento infantil e práticas pedagógicas.
O principal objetivo da autora foi compartilhar memórias de experiências com representação do espaço e do tempo por crianças de classes de educação infantil. Figuram entre essas experiências sua pesquisa de mestrado, a tese de doutorado e seus estudos mais recentes. O livro é, pois, a continuidade de seus estudos sobre representação espacial pelas crianças sob a ótica da teoria histórico cultural de Lev Vigotski, tema de seu interesse há vários anos. Ela traz publicações mais recentes de textos deste autor, bem como novas leituras que ampliaram sua perspectiva interpretativa.

No decorrer dos capítulos, a autora insiste em reforçar a concepção que norteia seu trabalho: “os contextos culturais e sociais de aquisição dos instrumentos simbólicos e conceituais produzidos pela sociedade”. É sobre esse pano de fundo que desenvolve sua argumentação a propósito das duas perguntas colocadas no início, a saber: Como as funções psíquicas superiores e a atividade criadora envolvem-se na formação de um conhecimento relativo ao espaço? Quais elementos tornam o desenho um sistema de representação espacial capaz demobilizar e ampliar o pensamento espacial? Paula apoia-se na premissa de que se o pensamento espaçotemporal se inicia na infância, no interior dos grupos sociais, a educação infantil tem, então, um papel primordial na gênese da representação espacial por meio das práticas escolares. O desenho do espaço realizado por crianças desse segmento consistiu em seu recurso interpretativo, uma vez que representa o espaço e “concretiza conhecimentos socioespaciais”. A inserção da cultura nesse pano de fundo tem importante destaque e comparece junto com as funções psíquicas superiores na composição do pensamento espacial. Essa colocação traz um enriquecimento para as discussões sobre a representação do espaço por crianças.
O texto discute ainda a importância da Geografia na compreensão do desenvolvimento infantil e do pensamento espacial. Reportando-se à Geografia da Infância, a autora comenta como os arranjos sociais influenciam as experiências e o desenvolvimento das crianças em diferentes contextos sociais e culturais. Cabe dizer que essa postura voltada para as questões sociais afirma a necessidade dos agentes que atuam no campo da Educação tomarem consciência de que é principalmente por meio da escola que será possível a aquisição de conhecimentos e valores democráticos.
As contribuições teóricas de J. Piaget, H. Wallon e L. Vigotski aparecem no capítulo “Vivência, a escola” com o objetivo de discutir o desenvolvimento humano quanto à aquisição da linguagem e o papel do corpo no processo de engendramento da representação do espaço tanto de forma natural quanto mediada pela escola. Embora essa questão já tenha sido abordada por outros autores, vale ser novamente discutida.
Os aspectos sociais da vivência escolar mencionados por Paula são: características espaciais; condições sócio-históricas; relações socioterritoriais; expressão por meio de diferentes linguagens.
Paula discute a relação entre espaço, cognição e práticas pedagógicas na educação infantil, dando destaque para o ambiente escolar como um espaço transformador que promove a relação entre crianças e conhecimento engendrado pela interlocução entre elas e pela interlocução com o professor e outros adultos. Ela destaca a presença de símbolos culturais (bandeiras e autorretratos) no ambiente escolar como elementos que denotam concepções e valores, mostrando como há uma imersão na cultura que muitas vezes não é considerada nas interlocuções, daí que a permanência ou a mudança depende de o quanto esses elementos culturais são vistos de modo consciente, o que acontece por meio da palavra, do discurso. Nesse sentido, a escolha da psicologia histórico-cultural como fundamento para entender o desenvolvimento das funções psíquicas superiores nas crianças. Além disso, o texto enfatiza a importância da linguagem na formação de representações mentais sobre o espaço, visto que as crianças não apenas absorvem influências culturais, mas também contribuem ativamente para a construção de seu meio.
Quero ressaltar um aspecto ímpar neste livro: colocar a vivência como um conceito central que relaciona o meio e a experiência individual, influenciando a formação do conhecimento. Nas palavras da autora: “A vivência é uma forma complexa da internalização do real pelo ser humano, o que abrange diversos aspectos da vida psíquica, indo além de uma visão fragmentada da experiência humana”. Embora existam diversas publicações que apresentam essa questão, no ensino de Geografia e de Cartografia Escolar para as séries iniciais são poucos os autores que trazem contribuições teóricas e práticas a esse respeito no Brasil. O cerne dessa questão é que sem uma vivência bem sedimentada do ponto de vista pedagógico (apoiada na devida compreensão teórica que reverbera sobre a experiência dos alunos e com os alunos), a construção de conhecimentos pode não chegar à transformação do pensamento, ou chegar de modo truncado e fragmentado, o que gera um aprendizado com pouco ou nenhum significado. Além disso, diz Paula, o conceito de vivência, de acordo com o pensamento de Vigotski, contribui para que não se entenda o meio como determinante no desenvolvimento da criança, ao mesmo tempo que nega a ideia de aprendizagem espontânea, pois a criança interage com as influências externas, atuando de modo subjetivo e próprio de acordo com sua interpretação das situações que vivencia.
Ainda a esse respeito, Paula acrescenta o papel das funções psíquicas superiores, como memória e atenção, as quais também são mediadas por instrumentos culturais e sociais.
Já caminhando para o fechamento de suas reflexões, ela discute a relevância do desenho na educação infantil como meio de expressão e desenvolvimento cognitivo. Retomando suas publicações anteriores, afirma que a iniciação cartográfica ocorre através do desenho, já que as crianças representam espaços antes de dominar a escrita, sendo “uma forma inicial de escrita e expressão, refletindo cognição, cultura e afetividade”. O desenho mobiliza funções psíquicas superiores, como memória e imaginação. Como mediação do pensamento espacial, o ato de desenhar tem paralelos com o ato de mapear.
Para concluir sua narrativa, Paula introduz a ideia de atividade criadora e sua relação com o pensamento espacial na organização didática de atividades de ensino (relação entre objetivos e conteúdo). O conceito de atividade criadora decorre da teoria histórico-cultural, pois tudo que foi criado pela humanidade (mundo da cultura) diferencia-se do mundo da natureza. O mundo da cultura resulta da imaginação e da criação humana, sendo que para criar é necessário antes imaginar. Daí que imaginação e memória engendram a atividade criadora, a qual inclui o trabalho educativo. Com essa argumentação, a autora aborda o conceito de atividade de ensino e práticas educativas, criadas com o propósito de desenvolver o que denomina de consciência geográfica, a qual se desenvolve com base nas funções psíquicas superiores proporcionadas em diferentes meios sociais como a escola.

Por fim, Paula destaca que a prática docente deve considerar as dimensões sociais e culturais, promovendo a formação do ser social e a consciência geográfica; o mapeamento realizado pelas crianças concretiza seu pensamento espacial e amplia seu conhecimento geográfico; o pensamento espacial é uma atividade cognitiva humana vital para a sobrevivência e reconhecimento social e cultural.
Eu não posso acabar esta apresentação sem dizer dos meus sentimentos ao escrevê-la: um misto de alegria e satisfação por ter sido convidada pela Paula para esta prazerosa tarefa. Mais que isso, por ver o quanto ela vem se dedicando ao trabalho da Educação, trazendo preocupações solidárias aos princípios de mocráticos que garantem o direito de aquisição de conhecimentos, de linguagens e a apropriação de um aparato cultural e científico para viver numa sociedade plural, mas baseada na igualdade.
Rosângela Doin de Almeida