O mantra da moda é “ser feliz”. E ser feliz, para muitos, é curtir a vida: festas, bebida, sexo, drogas, música, objetos de grife, viagens. É ter dinheiro, se possível muito. É ter acesso a produtos e serviços. Não ter um celular novo, não conseguir viajar no Carnaval, ficar em casa em um feriado, é ser infeliz… Ora, o mantra da felicidade ajuda as pessoas a serem exatamente infelizes. Elas não aceitam nenhuma pedra no caminho da suposta felicidade. Uma doença qualquer que as acometa as deixa infelizes. A morte de algum conhecido, mesmo já tendo cumprido seu papel neste planeta, é algo inaceitável. Tais pessoas não conseguem refletir sobre a vida. São tão superficiais, tão sem conteúdo, que não dão conta de ler um texto de 10 linhas e refletir sobre ele. Não conseguem ter opinião pessoal sobre as coisas: pensam que têm, escrevem posts raivosos sobre política e moral, mas apenas repetem a opinião dos outros, seja de gurus da internet, seja de pastores que falam com Deus, seja de namorados autoritários.
Fiquei interessado em saber o que estava acontecendo com os mais jovens. Eles têm fama de inconformados. Alguns, até de revoltados. Como estariam vendo os jovens a questão da felicidade? Com certeza de forma diferente do que os mais velhos, já assimilados pela sociedade de consumo. Não procure saber dos jovens em livros, ou em jornais, jovens só se manifestam nas chamadas mídias sociais, me disseram. Não lido muito com esses instrumentos. Pedi para ver o facebook de uma garota conhecida, muito jovem. Estávamos em dezembro, várias amigas virtuais dela colocavam seus desejos para o novo ano que logo se iniciaria. Carros, casas, casamento? Não. Um príncipe encantado, um burguês rico sem encantos, um amor eterno? Também não. Elas queriam “apenas ser felizes”.
No começo eu me encantei. Nenhum pedido material, elas não cediam ao fascínio de uma sociedade consumista, desejavam apenas satisfazer um anseio íntimo, um desejo espiritual, queriam ter a sensação de plenitude que poucos alcançam, essa coisa quase indefinível chamada felicidade. Porém, examinando um pouco mais os relatos dos momentos que essas mesmas garotas definiam como felizes, comecei a perceber que seus anseios não eram tão espirituais assim. Felicidade não tinha cara de estado de espírito, mas de prática social. Havia fórmulas prontas para se determinar quem era feliz: quem não se enquadra nelas, simplesmente não era feliz. Não tinha como ser feliz. Ou, melhor, não era visto como sendo uma pessoa feliz. Pois, como ser feliz sem ingerir muito álcool, ou puxar um fuminho, ou ainda cheirar coca? A felicidade, suposto estado de alma, tinha representações materiais estabelecidas socialmente. Feliz é quem se diverte, e só se diverte quem bebe, se droga e ouve música (ou ruídos ritmados que acabam recebendo esse nome) em volume altíssimo. Nesse particular a felicidade não tem a ver com Mozart, ou Beethoven, coisa de velhos, nem mesmo com Chico e Caetano, mas tem a ver com a cantorazinha com o sucesso de plantão que, como alguém disse, canta mais com a bunda do que com a garganta. Para ser feliz de verdade é necessário ouvir o som, fazer movimentos ritmados, ser possuído pela sonoridade, mostrar desapego. O bafo azedo de álcool expelido, o olhar mortiço, o ar imbecil, a fala desconexa, muitas bocas beijadas. O sexo ocasional com o parceiro eventual, sem amor, sem paixão e quase sem desejo. Mas o mais importante não é viver, é registrar, é colocar na internet, é curtir a felicidade virtual, fingindo que ela foi real.
A felicidade, essa felicidade, começa com sair. Não importa com quem. O importante é sair e registrar. As pernas não podem estar paralelas, melhor ficarem cruzadas. O sorriso precisa ser de hiena, escancarado, para transmitir alegria. Selfie se tira sempre de cima para baixo, a gente sai melhor. Sair e registrar, mostrar a todos que não se ficou em casa. Pois é onde a infelicidade começa. Mesmo que se fique com quem se gosta, mesmo tomando um bom vinho em vez do drink de origem duvidosa, mesmo vendo um bom filme na TV, mesmo lendo aquele livro que estamos loucos de vontade de ler. Ficar em casa? Coisa de perdedor. Loser. Infeliz.
A felicidade impõe que se saia. E que todos saibam que eu saí. Afinal, eu quero ser feliz. Ou não?
Por Jaime Pinsky: Historiador, professor titular da Unicamp, autor ou coautor de 30 livros, diretor editorial da Editora Contexto.