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Quando se respeita o processo, o texto revela a sua generosidade e se entrega ao escritor | Rubens Marchioni

DIA DESSES VIVEMOS, eu e minha sócia, uma experiência pra lá de interessante. Passamos a manhã numa escola, em São Paulo, trabalhando com aproximadamente 30 profissionais – diretoria, coordenação e professores. Em tudo o que aconteceu naquele cenário, do café preparado com carinho, às palavras que encerraram o evento, havia algo de construção. Cada um a seu modo, levando suas ferramentas emocionais e mentais, passamos três horas aprendendo sobre como construir edifícios, utilizando palavras como tijolos e ideias como cimento.

Palavras são tijolos. Se não forem exatos, precisos e projetados para o fim a que se propõem, resultam numa parede oca e sem consistência. Ao mesmo tempo, sem a criatividade que os une, sequer tomam forma de parede. No máximo, ficam reduzidos a um amontoado enfadonho de pequenos blocos, que ninguém sabe, ao certo, para que servem, e apenas atrapalham.

Convidados a conduzir uma Oficina de Escrita Criativa, insistimos em algo que tem ocupado largo espaço em nossas convicções: a noção de que tudo é processo – ter ideias, escrever e editar não é tarefa difícil, o que dá trabalho é respeitar essa regrinha. É atribuída a Carl Rogers a afirmação, segundo a qual a vida boa é um processo, não um estado. Ela é uma direção, não um destino. Do mesmo modo, a produção de um texto é assim. Ele não nasce pronto, precisa ser construído e reconstruído. Gosto da ideia da gravidez, sempre lembrando que é impossível viver, no quarto mês, experiências que chegarão apenas no oitavo mês da gestação. Só quem respeita o processo criativo e de produção, sem queimar etapas, concebe uma nova vida. Quem se dispõe a fazer isso?

Durante aquela Oficina, as pessoas se envolveram. Diante do papel em branco, das provocações, das propostas e pequenos exercícios de criatividade, produção e edição, cada treinando começou a tomar gosto pela aventura. “Olha, dá certo!” – é o que se via estampado em cada rosto. Era a experiência valendo a pena a partir dos primeiros minutos, logo após a etapa do Contrato. Ponto para todos os envolvidos. Esse caminho sempre dá o que falar, e isso é muito bom. Ele gera relatos de novas perspectivas de criatividade e redação em todos os ambientes, do profissional ao doméstico.

Os resultados apareceram. A ideia convertida em frase. A frase que toma forma de parágrafo. O parágrafo colocando à disposição do leitor uma mensagem com poder de informar, ensinar, motivar. A comunicação acontecia. No entanto, nada caiu do céu. Foi preciso certa dose de trabalho. O homem que foi primeiro às nuvens, Alberto Santos Dumont, sugeriu que “As invenções são, sobretudo, os resultados de um trabalho teimoso.”

Quando se respeita o processo, o texto revela a sua generosidade e se entrega ao escritor. Apenas convém lembrar, para distinguir: dar à luz é fácil, embora isso tudo seja algo trabalhoso. É fácil porque basta respeitar o processo, como já disse. É trabalhoso porque, no mais das vezes, somos indisciplinados quando o assunto é trilhar um caminho. Tudo isso requer atitude, isto é, querer fazer. Mas nem sempre a nossa vontade tem a consistência necessária para essa empreitada. Queremos colher o fruto sem ter de preparar a terra e fazer o plantio.

No decorrer da Oficina, a leitura e o compartilhamento de novas experiências de criação e produção confirmaram a ideia defendida pelo filósofo e pedagogo norte-americano John Dewey, para quem isso gera um efeito especial: o enriquecimento do aprendizado.

Os treinandos trocaram experiências e aprendizados. Como desde o início adotaram a mesma ideia para a produção de um texto, pauta que a escola discutia naquele momento em suas reuniões, o que se percebeu foi que, um a um, cada membro do grupo construía uma peça do grande painel que formava o tema da “Avaliação”. Foi interessante perceber que, durante a Oficina, as pessoas produziram algo que será utilizado no contexto pessoal ou profissional. Ponto para todos, mais uma vez.

No final, para alguns, ficou a descoberta de uma nova atividade: escritor. Além de melhorar a qualidade da comunicação escrita no ambiente de trabalho, agora aquele livro sairia da gaveta, começaria a ganhar páginas e capítulos. Com disciplina necessária para respeitar o processo de criação, produção e edição, o livro conheceria o ambiente de uma editora e de livrarias. Dito em outras palavras, estava nascendo um escritor que, acima de tudo, é professor. Um profissional multifacetado e indispensável.

O cansaço, comum nesses casos, é visível. Mas quem está preocupado com isso? A vitória tem um sabor, e sua conquista justifica todo o esforço.

Celebrar também faz parte do processo.


RUBENS MARCHIONI é palestrante, publicitário, jornalista e escritor. Eleito Professor do Ano no curso de pós-graduação em Propaganda da Faap. Autor de Criatividade e redação, A conquista Escrita criativa. Da ideia ao texto[email protected] — http://rubensmarchioni.wordpress.com