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“Quando escrevo, não estou vendendo nada.” Pronto, vendeu | Rubens Marchioni

Escrita CriativaQUERENDO OU NÃO, de um jeito ou de outro, ainda que em silêncio absoluto, sempre estamos ocupados em vender. Ao declarar que ao escrever não nos ocupamos em vender, pronto, acabamos de trabalhar para que alguém compre essa ideia. E, finalmente, quando decidimos não vender, ainda assim estamos vendendo a nossa decisão de não fazê-lo. Ou seja, disso não temos como fugir. E acabei de vender a minha posição sobre o assunto.

Tudo começa muito cedo. Ainda bebês, nosso choro vende a ideia de que estamos desconfortáveis com alguma coisa – a fralda suja, a sede, a fome, a dor etc. Crianças ou adolescentes, a todo momento vivemos empenhados em levar alguém a comprar uma verdade, certos de que essa transação facilitará a nossa vida – é da natureza humana, portanto. Até que nos tornamos adultos e iniciamos outro ciclo em nossa jornada de vendedores para diferentes públicos.

Mais uma vez, não há como fugir. O publicitário a serviço do briefing de criação. O literato que conta histórias por meio das quais assume posições. O jornalista que informa e discute o fato, o advogado que defende. O amante que deseja conquistar. O empregado em busca de estabilidade e progresso. O empregador empenhado em ter a melhor equipe. O fabricante que precisa vender mais. O professor que ensina e educa. O aluno que deseja conquistar nota máxima. O ministro religioso que espera converter. Os pais que esperam mudar o comportamento dos filhos. O executivo que escreve um relatório e quer ser acreditado. O parlamentar… – a lista é interminável, a extensão do período ficaria impensável. Todos falam e escrevem, a fim de convencer alguém sobre alguma coisa. Mesmo que o propósito seja convencer de que não há nada a respeito de que o público-alvo deve ser convencido.

Eis por que, no meu livro Escrita criativa – Da ideia ao texto, publicado pela Editora Contexto, fiz questão de trazer conhecimentos e experiências de técnicas usadas pela propaganda, no mundo inteiro, para vender, criar marcas líderes e construir fortunas que, é claro, precisam ser colocadas também a serviço do bem estar das pessoas, para as quais tudo deve convergir. Mas essa última parte é outra história.

Quando o assunto é criação e redação, tenho particular respeito pela propaganda. É que durante todo o tempo ela se vê desafiada a: 1. Ser criativa; – 2. Usar o mínimo de espaço e tempo; – 3. E vender muito, às vezes para salvar uma empresa. A tarefa de atingir um alto desempenho, nessas condições limitadas, contribuiu para o seu aperfeiçoamento e eficácia – nenhum texto sofre esse processo de depuração. Eis por que, como profissional que vive de escrever, tenho um interesse declarado em saber mais e mais a respeito dessa técnica que evoluiu tanto. E ao escrever, dar um treinamento ou fazer uma palestra, procuro dividir esse conteúdo com meus leitores e clientes. Como sempre acontece, e ainda que o façam de maneira inconsciente, eles escrevem para vender, desejam dominar essa técnica sem rodeios e me pagam para que lhes aponte os melhores caminhos.

Em si, a propaganda não é um mal. O problema está no uso que, por vezes, empresas e instituições fazem desse recurso criado para viabilizar a produção em escala e a redução de preço, permitindo assim que um número maior de pessoas tenha acesso a produtos e serviços. Senão, calcule: sem o estímulo feito pela comunicação mercadológica, e tendo uma produção reduzidíssima, quanto custaria um exemplar de uma revista ou jornal? Como sabemos, essas mídias são mantidas, prioritariamente, não pelo dinheiro arrecadado com a venda de assinaturas ou de exemplares nas bancas, mas por meio de recursos financeiros vindos da veiculação de anúncios publicitários. O mesmo vale para a mídia eletrônica. São eles que pagam a maior parte dos custos envolvidos no processo.

Talvez o fato de um livro sobre escrita criativa incluir um conteúdo que sugere o uso de recursos como aqueles usados pela propaganda, cause alguma estranheza. Tudo bem, isso é compreensível numa sociedade em que precisamos nos proteger de tantas fake news, ‘empurrometria’, tentativas de nos enfiar goela abaixo produtos, serviços e ideias de que não precisamos ou, mesmo, desejamos manter bem distantes. Aqui e no livro, não sugeri que esse recurso seja utilizado de maneira pouco ética, não é esse o caso. E apenas para refletir, vale lembrar que nesse sentido existem duas vertentes: uma, segundo a qual a propaganda cria necessidades; e outra, formada pelos que a enxergam como uma técnica especializada em descobrir necessidades latentes e sugerir formas práticas para atendê-las. Cabe ao leitor se posicionar a respeito.

Retomando, minha motivação para incluir o tema no livro foi, acima de tudo, a honestidade: afinal, sou publicitário, com especialização em Propaganda, ensinei Criação e Redação Publicitária e dei assessoria ao Projeto Experimental – Trabalho de Conclusão de Curso – em universidades conceituadas, durante 12 anos, sempre me beneficiando desse conhecimento. Ao mesmo tempo, nesse período, atuando como redator, atendi inúmeros clientes; fui diretor de criação em agência de propaganda; escrevi e falei muito a respeito do assunto, o que aconteceu apenas porque estou convencido da importância dessa prática.

Ora, não seria honesto, da minha parte, omitir isso, impedir que meu leitor tivesse acesso a tudo que conheci, aprendi e ensinei a fazer, somente pelo fato de que a propaganda não tem a santidade na sua natureza, o que de resto não acontece em nenhuma área das atividades humanas. Meu livro não foi escrito para esconder, mas para revelar, mostrar os bastidores, a carpintaria do texto, coisas das quais me beneficio profissionalmente. Não pretendi teorizar, mas ensinar a pensar e fazer na prática, utilizando recursos bastante contemporâneos. Como a propaganda, por exemplo.

Ao mesmo tempo, e por falar também com um target que não é composto apenas por literatos, mas por profissionais, estudantes, acadêmicos, gente que, em diferentes contextos, precisa se comunicar por escrito, fui pesquisar na minha experiência de redator publicitário e nos manuais de redação e estilo dos grandes jornais e revistas a fim de descobrir, e dividir com o leitor, o que recomendam para a construção de textos mais claros, objetivos e diretos, sem segundas intenções, sem efeitos especiais, sem abusar da pontuação, apenas com o propósito de ir direto ao ponto. Para o maior número de pessoas que precisa escrever, eis o que realmente conta.

Concluindo, acredito que um texto pensado de maneira criativa e escrito com clareza, coesão, objetividade e segundo padrões usados pelo que de melhor alguns segmentos consegue fazer, sem medo de vender uma ideia, um estilo de vida, uma ideologia etc., é o que de melhor se pode obter quando o assunto é criar e escrever com adequação. O leitor sempre se beneficia com essa atitude de serviço que não subestima a sua inteligência e não o trata com ingenuidade, por meio de uma atitude protecionista.


RUBENS MARCHIONI é palestrante, publicitário, jornalista e escritor. Autor de Criatividade e redação, A conquista e Escrita criativa. Da ideia ao texto. [email protected]http://rubensmarchioni.wordpress.com