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Psicologia Educacional: sujeitos contemporâneos

Quem são os sujeitos do século XXI que estão em nossas instituições educativas e que se encontram em plena transformação corporal, afetiva, cognitiva e psicossocial? Como conceber suas múltiplas formas de constituição subjetiva para poder acolhê-las, não sem dificuldades, nessas mesmas instituições? Quais poderiam ser as formas de a Psicologia Educacional interpretá-las ou teorizá-las na atualidade, quando a sociedade ocidental de hoje demonstra ser, em muitos aspectos, bastante diferente da de tempos que a precederam?

O livro Psicologia educacional: sujeitos contemporâneos, dos psicólogos e doutores em educação, Maria de Fátima C. Gomes e Marcelo Ricardo Pereira, nasce portando uma novidade necessária: repensar as subjetividades de nosso tempo e lugar, de nosso presente digital e tecnocrático, estando tais subjetividades nos mais diversos contextos educativos. Este estudo tem como pressuposto que nós, seres humanos, somos seres sociais que nos individualizamos. Não nascemos humanos, nos humanizamos na relação com outros humanos. Portanto, nossos sujeitos contemporâneos são de carne e osso, históricos, que por meio das relações sociais constituem suas subjetividades. E, por sermos seres históricos e sociais, a constituição subjetiva e pessoal de nossos bebês, crianças, adolescentes e jovens não é mais a mesma de gerações anteriores. Tampouco constituir-se professor ou professora nesses tempos também não se dá mais da mesma forma.

Com o advento da era digital, entendemos que a própria ideia de sujeito se alterou profundamente, exigindo que a Psicologia Educacional revise seus saberes, práticas e teorizações. Hoje, o sujeito contemporâneo, desde tenra idade, já maneja games, smartphones, aplicativos virtuais e os chamados gadgets tecnológicos que exigem outras maneiras de desenvolvimento, aprendizagem, formação moral e relações afetivo-emocionais. E mais: o mundo global, digital e performático; a sociedade mais hedonista, consumista e virtual; uma cultura cada vez mais juvenilizada, narcisista, espetacular e com intimidades tão expostas têm mostrado como o mundo mudou, exigindo novos saberes tanto da psicologia quanto da educação.

A proposta da Contexto, por meio do livro de Maria de Fátima e Marcelo Ricardo, é evocar uma Psicologia Educacional que faça dialogar as tradicionais teorizações do campo, já consagradas, com as novas formas de constituição subjetiva nesses tempos de pós-modernidade virtual e imagética. Trata-se de uma atualização dos próprios saberes e práticas do campo de acordo com o psiquismo de nosso tempo e debatê-lo com a sociedade em geral. Tudo isso é muito recente e só agora começamos a descortinar alguns saberes preliminares para interpretá-lo.

Resultante do encontro de duas grandes áreas do conhecimento, a saber, a educação e a psicologia, que visam pensar continuamente a formação das pessoas e suas constituições subjetivas, a Psicologia Educacional tornou-se um campo específico de práticas, saberes e teorizações acerca do que se passa na ordem educativa. A relação entre ensino, desenvolvimento e aprendizagem; a formação moral, social, política e intelectual; bem como a constituição psíquica, linguística e socioafetiva das pessoas são objetos de estudos fundamentais da Psicologia Educacional. Ela se interessa também pelos dispositivos, métodos e estratégias educativas, além do próprio funcionamento institucional, a exemplo das escolas, onde isso se realiza. Como uma caixa de ferramentas teórico-práticas, esse campo de saber pode ajudar educadores, psicólogos, pedagogos, gestores, socioeducadores, licenciados, entre outros, a repensar, conceber e corrigir a rota de suas ações educativas. Mediante as dificuldades cognitivas, as indecisões subjetivas e as incertezas sociais de crianças, jovens e mesmo de adultos, tais profissionais – em ação ou em formação – têm a chance de operar mudanças efetivas nas vidas de tais pessoas.

Visa-se com isso alcançar aprendizagens mais significativas, potencializar desenvolvimentos, reverter impasses educacionais, contribuir para a inclusão social dos tidos como diferentes e propiciar igualmente a formação ética, comportamental e intelectual de sujeitos educandos e da sociedade como um todo. Processos psicossociais conscientes e inconscientes são ativados a todo tempo nos ambientes educacionais e cabe aos profissionais envolvidos saber operá-los. A Psicologia Educacional pode vir em seu auxílio para esse manejo. Dessa perspectiva, a sala de aula se modifica, os sujeitos que a compõem fazem parte dessa construção coletiva de conhecimento, com suas vivências socioculturais, não se objetiva apenas o conhecimento das disciplinas escolares, mas sim, o desenvolvimento cultural e integral dos sujeitos educandos e educadores.

Partindo de experiências e saberes sobre sujeitos de nossos tempos, sem deixar de revisitar fontes clássicas do campo, como Rousseau, Freud, PiagetVigotski, Luria, Wallon, Winnicott, Coll Salvador, Antipoff, Souza Patto, Campos e outros referentes nomes da Psicologia Educacional, o livro de Maria de Fátima e Marcelo Ricardo busca dialogar e fazer avançar a compreensão das novas formas de subjetivação que vemos acontecer hoje.

Eventos como os movimentos identitários e sociais, a contracultura hippie, a queda do comunismo e das ditaduras latinas, o surgimento da Web e o próprio avanço da cultura norte-americana sobre o planeta alteraram de vez nossos modos de existência. Muitos desses célebres pensadores já anteviam algumas dessas alterações e não nos esconderam, mas, decisivamente, elas vêm acontecendo de maneira tão convulsiva que ainda estamos sob seu assombroso impacto.

Logo, a Contexto traz ao público um livro que pretende recolocar os modos de subjetivação de nosso tempo no epicentro do debate. Utilizando a noção de sujeito como pilar conceitual, o livro vai abordá-lo de acordo com as temporalidades da vida de toda pessoa que se encontra em nosso meio educacional, com suas especificidades de desenvolvimento, lógicas constitutivas, processos de linguagem e formação ético-moral. Nossas escolas, creches, centros socioeducativos e demais instituições educacionais acolhem pessoas em diferentes tempos da vida, contribuindo decisivamente para suas diversas formas de constituição e desenvolvimento.

Psicologia Educacional: sujeitos contemporâneos

Eis, portanto, outra novidade do livro: em vez de abordar conceitos gerais a partir dos principais aportes de pensadores consagrados da Psicologia Educacional, o sujeito foi recolocado no epicentro do estudo, pensado com base nas temporalidades da vida. Assim, separadamente em cada capítulo, os autores abordaram a constituição da subjetividade de bebês, de crianças pequenas, de crianças maiores e de adolescentes. Para isso, partiu-se da vivência à teoria, e não o contrário, como habitualmente se acha na maioria de obras similares.

O próprio estudo da subjetividade de bebês não é comum em tais obras. Em geral, os livros de Psicologia Educacional ou da Educação se alinham à Psicologia Escolar. E, como num passado recente bebês eram raramente escolarizados, na maioria desses livros, a análise da constituição subjetiva de bebês está ausente, relegada apenas às obras sobre o tema do desenvolvimento. Mas, tendo em vista a educação massiva de bebês em instituições de ensino infantil de hoje, o livro da Contexto preenche essa lacuna apresentando um capítulo específico para o tema.

Considerou-se ainda um estudo sobre a subjetividade do professor e da professora, tendo em vista serem eles atores ímpares na relação pedagógica e no processo de educabilidade dos pequenos. Raramente, e apenas de maneira indireta, um estudo como esse compõe outros livros do campo. Ao contrário, Maria de Fátima e Marcelo Ricardo julgaram ser a reflexão sobre a subjetividade de professores tão importante quanto à subjetividade de bebês, crianças e adolescentes que se encontram em nossos ambientes educacionais.

Então, no capítulo “Bebês”, os autores introduziram estudos sobre o desenvolvimento infantil de sujeitos de 0 a 18 meses, analisando as relações biológico-culturais para compreender a constituição psíquica infantil cotejada com a Psicologia Histórico-cultural. No capítulo “Crianças pequenas”, estudaram-se sujeitos com idade de 18 a 36 meses no que concerne ao seu desenvolvimento e constituição, tendo em vistas aportes de Wallon e Vigotski. O capítulo “Crianças maiores” continua a experiência investigativa de sujeitos de 3 a 11 anos, refletindo sobre seus processos de desenvolvimento, bem como a conquista da afetividade simbólica e da categorial. O capítulo “Adolescentes” examina a história da adolescência, que é recente, para entender porque nossa sociedade atual tem rapidamente se juvenilizado e as consequências disso para os modos de subjetivação de adolescentes numa cultura cada vez mais narcisista, performática e digital. Contou-se para isso com aportes de Freud, Piaget e Vigotski.

Já no capítulo “Professores”, os autores interrogam como ser docente de crianças e adolescentes do século XXI. Em tempos de digitalização da vida, interesses difusos, banalização da violência e precarização das condições de trabalho, o livro aborda o mal-estar subjetivo de professores, o sofrimento laboral e as múltiplas demandas que recaem sobre eles. Numa sociedade pós-moderna, há que se considerar como a atitude de interessar-se pelo aluno, acolher suas diferenças e propiciar o desejo de saber podem recuperar a força moral de docentes para atuar em situações de incerteza e complexidade.

O livro conclui seus estudos apresentado no capítulo “Psicologia Educacional: definição, história e problematizações gerais” os diferentes entendimentos de psicólogos em relação ao que concerne à psicologia no meio educacional e escolar. Debate as diversas nomeações para o campo a fim de entender seus alinhamentos e diferenças, bem como sua própria identidade em nossos tempos.

Eis, portanto, o que a Contexto apresenta a profissionais e estudantes das áreas da educação e da psicologia, bem como ao grande público interessado em temas do campo. A editora e seus autores consideram ser uma fértil oportunidade de discussão da Psicologia Educacional de nosso tempo e lugar, pois a dinâmica célere do mundo atual requer verdadeiramente que se faça isso. Bons estudos!


Maria de Fátima C. Gomes é psicóloga e doutora em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com estágio doutoral na University of California, Santa Barbara. Realizou pós-doutorado no Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (IEL/Unicamp). É bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq e professora titular da Faculdade de Educação da UFMG. É líder do Grupo de Estudos e Pesquisa em Psicologia Histórico-Cultural na Sala de Aula (GEPSA) e membro do Grupo de Estudos em Cultura, Educação e Infância (EnLaCEI). Realiza pesquisas na perspectiva da Psicologia Histórico-Cultural e da Etnografia em Educação sobre bebês e crianças pequenas, formação superior de professores, formação continuada de professores da educação básica, dificuldades do processo de escolarização, sucesso e fracasso escolar, interação, etnografia da sala de aula, afeto-cognição social situada-culturas-linguagens em uso, tendo publicado diversos livros no seu campo de atuação.

Marcelo Ricardo Pereira é psicólogo pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), psicanalista pela Escola Brasileira de Psicanálise (EBP) e Estados Gerais da Psicanálise (EGP) e doutor em Psicologia e Educação pela Universidade de São Paulo (USP), com estágio doutoral na Université Paris 13. Realizou pós-doutorado em Psicologia Escolar, Psicopatologia Clínica e Psicanálise pela USP e Aix-Marseille Université, e em Teoria Psicanalítica e Educação Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Universitat Oberta de Catalunya (UOC). É bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq, pesquisador mineiro da Fapemig e professor titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Possui diversos livros publicados sobre seus temas de estudo: psicanálise, educação e política para o mal-estar docente, a adolescência e a socioeducação. 

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