Fechar

Por uma história global e plural da Contracultura e da Juventude, para além da “América hippie” e de “Paris 68”

Por que a ideia de juventude dos anos 1950 e 1960 ainda é discutida em livros, filmes e salas de aula, passadas tantas décadas da explosão dos movimentos que lhe deram origem? Por que, em pleno século XXI, devemos prestar atenção na juventude daquele passado e em seus movimentos culturais?

A resposta a essas perguntas passa pela constatação, praticamente consensual para todos os historiadores, de que entre as décadas de 1950 e 1970 surgiu um novo tipo de jovem e uma nova ideia de juventude que influenciaram comportamentos, movimentos e atitudes posteriores. Mudaram a forma de se vestir, de ouvir música, de protestar, de se reunir, de namorar, de produzir arte. Redefiniram, enfim, o que significava “ser jovem”. Hoje, a imagem do jovem contestador, identificado com uma “tribo”, em busca de uma expressão própria diante do “mundo adulto” parece natural, mas, na verdade, sua origem histórica remonta àquelas décadas do século XX. Conhecer o momento de explosão e afirmação de uma nova ideia de juventude ajuda a compreender os comportamentos, angústias, interesses e culturas juvenis da atualidade.

Por uma história global e plural da Contracultura e da Juventude, para além da “América hippie” e de “Paris 68”

Além disso, esses movimentos, muitas vezes politicamente radicais (agressivos ou até extremistas) e contrários aos valores vigentes, foram fundamentais para lançar pautas inovadoras, cada vez mais importantes para políticas públicas ligadas à questão ecológica, aos direitos das mulheres e das minorias raciais, à diversidade de gênero e de orientações sexuais. Vários deles ainda propuseram e inspiraram novos ideais de vida comunitária e alternativa. Naquelas três décadas – com movimentos, lutas e interesses voltados para um novo futuro a ser construído –, a história parece ter se acelerado.

Na historiografia, é recorrente a narrativa que começa no rock’n roll, como expressão de uma rebeldia adolescente – e, de certo modo, inconsequente –, e desemboca no reconhecimento de uma contestação mais profunda, consciente e radical que surge nos anos 1960 e 1970, auge histórico do que se convencionou chamar de Contracultura nos Estados Unidos e no mundo Ocidental. O termo “Contracultura”, conforme utilizado neste livro, refere-se a um conjunto de atitudes, comportamentos, sociabilidades, produções culturais e movimentos de contestação política criados e vividos pela juventude dos anos 1960 e 1970. Manifestada na Contracultura, a perspectiva crítica se voltou contra os padrões estéticos, comportamentais e políticos vigentes, herdados da tradição, do passado e dos modos de vida impostos pela burguesia e pelas classes médias estadunidenses e europeias entre meados do século XIX e meados do século XX. Foram, então, contestados e denunciados como opressivos e excludentes padrões normativos que se traduziam em famílias patriarcais, submissão das mulheres, hierarquias etárias, de classe e de “raça” (com o predomínio da chamada “cultura branca”), consumismo e individualismo exacerbado.

A Contracultura serviu de base na luta contra quatro opressões que marcavam as sociedades até meados do século XX: a opressão do corpo e do comportamento desviante; a opressão política sobre sociedades inteiras (imperialismo, neofascismo, conservadorismo); a opressão econômica (desigualdades nos países mais ricos do “Primeiro Mundo” e miséria nos países do chamado “Terceiro Mundo” subdesenvolvido); e a opressão cultural caracterizada pelo convencionalismo estético que ditava o que era o “belo” e o “feio” na cultura e nas artes. O combate se expressou em formas de rebeldia individual e coletiva, anticonvencionalismo estético e comportamental, antiautoritarismo e busca da igualdade social. O que antes era considerado parte da esfera “pessoal” e “privada”, ou era naturalizado pelos comportamentos padronizados – o corpo biológico individual, o prazer sexual, as identidades de gênero, a aparência, a linguagem –, passou a ser considerado um tema “político” que deveria ser debatido no espaço público. “O pessoal é político” tornou-se um slogan e uma palavra de ordem.

Este livro apresenta as linhas gerais de uma Contracultura global e plural. Global, pois a Contracultura foi muito além dos jovens hippies norte-americanos e dos jovens europeus rebeldes. Plural, pois teve várias faces, raças, gêneros, estilos. Mas este livro também não foge das contradições que marcaram todos estes movimentos juvenis, nos quais rebeldia e consumo interagiram para criar um mundo novo, baseado em uma utopia radical de liberdade política e existencial que não esteve livre de desilusões, fracassos e imposturas. Apesar disso, também nos legaram muitas conquistas e novas perspectivas para a vida em sociedade. 

Os jovens, de ontem e de hoje, são os principais personagens dessa história.


Marcos Napolitano é professor titular de História do Brasil na Universidade de São Paulo (USP). É autor dos livros Como usar o cinema na sala de aula, Como usar a televisão na sala de aula, Cultura brasileira: utopia e massificação, 1964: História do regime militar brasileiro, História do Brasil República e História Contemporânea 2, além de ser coautor de História  na sala de aula, Fontes históricas, Novos temas nas aulas de História e Novos combates pela História (todos pela Contexto).

Deixe uma resposta

Your email address will not be published.