Preciso mudar. Por algum tempo, preciso mudar. Sair do lugar viciado onde estou. Ir para um terreno onde se respire a liberdade de deixar a Arca e pisar em terra firme, vendo aquela pomba e seu ramo verde conquistando o horizonte, agora um lugar seguro. Quero a Terra Prometida, porque sinto que o deserto há muito me sufoca e rouba-me as últimas energias. Quero ressurreição, vida em abundância. Quero Pentecostes.
Meu texto deseja uma trégua para respirar. As palavras já se sentem desconfortáveis com a tarefa de se reunirem periodicamente para falar de vírus e de presidente irresponsável. Diante da minha convocação, elas fogem e se escondem nos cantos mais insondáveis. Sabem que não se trata de consulta e, por isso, lançam mão do direito constitucional de se manterem caladas. Uma rebelião silenciosa se desenha sob meus olhos cansados.
Por um momento sinto que uma força me leva a aderir a esse movimento, e por pouco não me coloco entre elas, com faixas, cartazes e megafone. Também eu sinto vontade de ignorar a tarefa de produzir textos nessas condições insalubres. Ao menos por um momento, preciso falar de flor de laranjeira e de riachos. De colibris e de sorriso de criança. De rosto lambuzado de chocolate. De declaração de amor e de beijo roubado. De pôr do sol, estrelas e luar. De vinho e queijo, enquanto a chuva lá fora sugere bênção celeste e vida renovada. Se o escritor argentino Jorge Luis Borges não estiver enganado ao dizer “Acho que o escritor deve escrever para a alegria do leitor”, tudo isso integra o equilibrado portfólio de serviços que devemos entregar a quem, generosamente, dispende tempo na leitura da nossa produção literária.
Seja como for, tenho a sagrada missão de escrever. Escritor é antena do mundo, dizem. Vai buscar realidades escondidas no universo e as dispõe, uma a uma, sobre a mesa daqueles a quem serve. Acima de tudo, arte é serviço. Portanto, não posso me furtar, porque estaria praticando uma omissão injustificada. O direito ao desabafo me foi reservado, isso é claro. Mas a minha categoria não pode fazer greve, se amotinar. Mesmo quando o desabafo do cronista Otto Lara Resende, na frase “Escrevemos, escrevemos, escrevemos. Clamamos no deserto. O clube do poder tem as portas lacradas e calafetadas”, é justificado por alguma razão.
Escrever é um serviço essencial? Se for, permaneço a postos. Afinal, uma vocação nunca está a serviço de quem a possui. Ela deve contribuir de alguma forma para a evolução da humanidade. Ou corre o risco de perder seu brilho e razão de existir.
Rubens Marchioni é palestrante, produtor de conteúdo, blogueiro e escritor. Eleito Professor do Ano no curso de pós-graduação em Propaganda da Faap. Pela Contexto é autor de Escrita criativa: da ideia ao texto. https://rumarchioni.wixsite.com/segundaopcao / e-mail: [email protected]