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Poliana Okimoto e o peso de uma medalha olímpica | Daniel Takata Gomes

O que a cantora americana Taylor Swift pode possivelmente ter a ver com a nadadora brasileira Poliana Okimoto? Resposta: a capacidade de influenciar novas gerações e disseminar a prática (no caso de Swift, da música; no caso de Poliana, da natação) entre as mulheres. E o exemplo de Swift pode muito bem ser aplicado ao de Poliana.

Em 2016, uma grande academia de ensino de guitarra e violão nos Estados Unidos, a McKnight Music Academy, apresentou um levantamento interessante. Do ano de sua fundação, em 2005, até 2009, o percentual de alunas mulheres ficava entre 4% e 8% do total de matriculados. A partir de então, a quantidade de garotas interessadas em aprender a tocar guitarra e violão passou a crescer exponencialmente. Em 2016, o percentual de alunas mulheres na referida academia ultrapassava os 60% do total. Em uma enquete com as alunas, cerca de 80% responderam que se matricularam porque foram influenciadas por Taylor Swift, que, cantando e empunhando um violão, alcançou imensa popularidade nos últimos anos.

Pode ser que seja um fenômeno passageiro. Que nos próximos anos os números voltem a ser como no início do século. Ou não. O importante é notar como uma inspiração pode mudar o panorama. E é isso que esperamos que aconteça na natação feminina do Brasil após o fenômeno Poliana Okimoto.

A conquista da primeira medalha olímpica obtida por uma mulher brasileira em esportes aquáticos, obtida na prova de 10 km em águas abertas na Olimpíada do Rio de Janeiro, em 2016, fala por si só. Mas suas conquistas pioneiras são infindáveis: primeira nadadora brasileira medalhista em um Mundial, primeira a conquistar uma Copa do Mundo, primeira a conquistar uma medalha em Jogos Pan-Americanos na maratona aquática… Feitos colossais, principalmente se compararmos com o nível das conquistas internacionais obtidas por nadadoras do país anteriormente. Antes de Poliana, jamais uma brasileira havia subido ao pódio em Mundiais – a primeira medalha da nadadora na competição veio em 2006. Por outro lado, 13 homens haviam obtido o feito até então.

E é aí que adentramos o ciclo exemplificado por Taylor Swift. A natação masculina teve sua conquista olímpica pioneira em 1952, com Tetsuo Okamoto. Outros homens, inspirados por ele, apareceram e também chegaram ao pódio olímpico: Manoel dos Santos, Ricardo Prado, Gustavo Borges, Fernando Scherer, Cesar Cielo, Thiago Pereira e equipes de revezamento. A natação masculina crescia e impulsionava o aparecimento de novos talentos. E a feminina esperava por uma atleta fenomenal que fizesse as vias de Tetsuo Okamoto. Mas ela não aparecia. No final de 2015, dos cerca de dez mil nadadores registrados na Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA), apenas 39% eram mulheres. Uma diferença notável com países tradicionais como Estados Unidos e Austrália, nos quais a proporção de nadadoras supera os 50%.

Da quantidade sai a qualidade. E aí forma-se um ciclo vicioso: com poucas referências, são poucas mulheres que encontram motivação e inspiração para ingressar na natação. O que se observa é que potenciais nadadoras com aptidão física tendem na infância a escolher esportes nos quais existam ídolos – leia-se medalhistas olímpicas – em quem possam se espelhar, como vôlei, judô e atletismo.

Poliana já era uma vencedora quando subiu ao pódio olímpico no Rio de Janeiro no dia 15 de agosto de 2016. Mas uma medalha olímpica muda tudo. A projeção e o alcance do seu nome atingiram patamares nunca antes experimentados. Assim como a capacidade de inspirar as novas gerações.

Naquele dia, a jovem gaúcha Viviane Jungblut assistiu pela televisão o drama de Poliana, que terminou a prova na quarta posição e teve sua medalha confirmada minutos depois com a desclassificação da nadadora francesa Aurélie Muller, que terminara na segunda colocação. Viviane, nadadora do Grêmio Náutico União, já começava a incomodar as principais nadadoras do país em provas de longa distância. Mas ver Poliana subir ao pódio olímpico acendeu nela a centelha que faltava. Afinal, sempre nadava ao lado de Poliana nas mais diversas competições. E via que a heroína era de carne e osso. “Se ela pode, eu também posso”, pensou. Resultado: em maio de 2017, na etapa de Foz do Iguaçu do circuito brasileiro de águas abertas, Viviane deixou Poliana para trás na distância de 10 km. A prova era seletiva para o Campeonato Mundial de Budapeste. O resultado fez com que Viviane obtivesse a classificação, deixando Poliana sem o direito de disputar a principal competição internacional do ano. A discípula superava sua heroína.

Depois daquilo, Viviane se firmou no cenário internacional. Neste ano, conquistou duas medalhas no circuito da Copa do Mundo. Até então, apenas Poliana e Ana Marcela Cunha, também na elite das águas abertas há anos, haviam sido as brasileiras que haviam subido ao pódio na história da competição.

O exemplo de Viviane mostra que os frutos deixados pela medalha de Poliana já começam a ser colhidos pela nova geração. E Poliana pretende fazer ainda mais por onde. Através de palestras e clínicas, planeja levar seu nome, suas conquistas e seu exemplo para quem quiser segui-la nos próximos anos.

Se Poliana Okimoto será para a natação brasileira feminina o que Taylor Swift tem representado para jovens musicistas americanas, só o tempo dirá. Mas, a julgar por sua trajetória de superação, pioneirismo e vitórias, ela deve servir de referência não só para novas gerações de nadadoras, mas para todo esportista brasileiro que almeja voos mais altos.


Daniel Takata Gomes atua na área de jornalismo esportivo especializado em natação competitiva desde 2000. Atuou como colaborador dos sites Swim It Up! e Best Swimming, das revistas Natação Hammerhead, Aqua Sports e Tri Sport e da Rádio Bradesco Esportes FM. Desde 2010, está na revista Swim Channel e cobriu in loco, entre outros eventos, os Jogos Olímpicos de 2012 e 2016, o Campeonato Mundial de Esportes Aquáticos de 2013 e o Prêmio Laureus de 2013. É comentarista do canal SporTV desde 2012. Venceu por três anos (2011, 2012 e 2013) o concurso de textos da Federação Internacional de Natação (Fina). É estatístico com mestrado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e doutorando pela Universidade de São Paulo (USP).