Patrick Charaudeau apresenta seu novo livro: A manipulação da verdade

Desde os primórdios dos tempos, os seres humanos estão em busca da verdade. E, no entanto, não param de brincar com ela, de transformá-la e de torcê-la. Mas a verdade existe em si e não é uma questão pessoal. A verdade ou a mentira não tem razão de ser sem a relação que estabelece com os outros, um Outro que é também o meu alter ego. Isso dizer que a verdade é uma questão de responsabilidade: responsabilidade individual nas relações com nossos semelhantes e responsabilidade coletiva em nosso papel de cidadãos.

São muitas as perguntas sobre a verdade e o seu oposto, a mentira: é sempre bom dizer a verdade? A mentira não pode ser virtuosa em certas circunstâncias? No seu aspecto político e social pode-se sempre dizer a verdade? Não existem circunstâncias nas quais é preferível não dizer a verdade para proteger o povo? Esse é um velho debate de filosofia moral, mas não é nesse ponto de vista que se analisa a manipulação da verdade neste livro.

A manipulação da verdade traz uma luz especial sobre essa questão, uma importante para se realizar uma reflexão moral. É como um pré-requisito para qualquer questão moral. Trata-se de ver como a verdade é construída dentro e através da linguagem e como ela pode ser usada e tratada pelos indivíduos. Pois a verdade é uma questão de linguagem e, portanto, de responsabilidade dos sujeitos que falam. Portanto, é um fenômeno geral que atravessa todas as sociedades. Acontece que os meios modernos de comunicação, como a internet, as redes sociais, e os meios tradicionais estão entre os mais representativos na manipulação dos espíritos. A questão que se coloca é a de saber se os discursos públicos se tornaram intrinsecamente manipuladores, com a ascensão de uma opinião pública objeto de todos os desejos de apropriação, no domínio político para fins de poder, e no mundo comercial, para fins de lucro.

Mas não se deve cair na obsessão de que todo discurso é manipulativo. A análise proposta nesta obra mostra que nem todos os atos de discurso são igualmente manipulativos e que a manipulação não é o único fato dos poderosos. Não é exercida apenas de cima para baixo, mas também de baixo para cima, de forma vertical e horizontal. Se há casos de mentiras deliberadas como as fake news, há também meios mais subtis de obter o assentimento dos públicos que se encontram assim emboscados por discursos de falsos. Chega-se a encontrar o fenômeno da pós-verdade, com seus negacionismos e conspirações.

Fatos que não se pode entender sem ter em conta o comportamento das opiniões públicas e do fenômeno de credulidade que o acompanha, nem sem questionar o papel dos meios de comunicação. Portanto, neste livro começa-se por questionar a natureza da própria verdade e buscar saber quais são as diferentes figuras em que ela pode se moldar (factual, doutrinal, de sinceridade, de convicção etc.). Depois exploramos as diferentes formas de negar a verdade, passando em revista algumas de suas figuras (mentira, negação, má fé, impostura etc.). Assim, chegamos a descrever as estratégias discursivas de manipulação, do discurso publicitário ao discurso político. Mas para poder compreender como essas estratégias têm impacto sobre o público, é necessário analisar o comportamento das opiniões públicas: qual é o estado de espírito dos públicos quando recebe uma informação, como o público se deixa enganar por informações falsas, o que implica examinar como funciona o fenômeno da credulidade dos grupos sociais.

Esta obra procura explorar esses fenômenos que podem evidenciar os mecanismos da pós-verdade, o que permite, ao final dessa investigação, uma reflexão sobre as distintas crises que nossas sociedades pós-modernas atravessam: crise da comunicação, crise da verdade, crise do saber e crise da confiança.

É uma forma de compreender melhor as crises que agitam as democracias modernas e poder debater sobre elas.

Patrick Charaudeau é professor emérito da Universidade de Paris-Nord (Paris XIII) e fundador do Centre d’Analyse du Discours (CAD) dessa mesma universidade. Criador de uma teoria de análise do discurso, denominada Semiolinguística, é autor de diversas obras: A conquista da opinião pública, Discurso das mídias, Discurso e desigualdade social, Discurso político, Dicionário de análise do discurso e Linguagem e discurso e A manipulação da verdade, todos publicados pela Contexto. Na França, é autor de vários livros, capítulos de livros e revistas, dedicados aos estudos discursivos.