Famoso cientista francês, que completaria 200 anos nesta terça, trocou dezenas de cartas com o então imperador Dom Pedro 2º no fim do século 19. Uma provável visita ao país foi mencionada em sete dessas correspondências.
Um dos mais importantes cientistas de todos os tempos, o francês Louis Pasteur (1822-1895) nasceu no mesmo ano em que o Brasil se tornou independente de Portugal – seu bicentenário foi celebrado em 27 de dezembro. Mas essa coincidência não é a única ligação dele com o país.
De 1880 a 1890, Louis Pasteur trocou dezenas de correspondências com o imperador brasileiro, Dom Pedro 2º (1825-1891) – na última dessas missivas, o nobre brasileiro já estava em Cannes, no exílio que lhe foi imposto após a Proclamação da República.
Mais do que diletância, a aproximação do monarca junto ao cientista tinha seus motivos. “Na época em que Pasteur estava em busca de descobrir a cura da raiva, Dom Pedro queria que ele desenvolvesse uma vacina contra a febre amarela”, comenta o pesquisador Paulo Rezzutti, autor da biografia D. Pedro II: A história não contada. “Para persuadi-lo, ele insistia que a febre amarela matava mais gente no Rio de Janeiro do que a raiva no mundo todo.”
Convite e negativas
Ao longo da década de troca de cartas, foram pelo menos sete menções a uma possível visita de Pasteur ao Brasil, para estudar a febre amarela. “É de grande interesse para o meu país, que poderá dever-vos a vida de elevado número dos seus habitantes, se vierdes ao Rio dar a vossa opinião sobre estudos feitos aqui sobre a febre amarela”, escreveu o monarca, em 14 de outubro de 1884. “Ainda que não venhamos a dever-vos a descoberta da vacina contra essa moléstia, a vossa visita constituiria motivo de grande influência para o desenvolvimento científico no Brasil. A estima que me inspirais já é assaz conhecida e sabeis qual o meu interesse pela ciência. Será para mim, bem como para o país, grande júbilo acolher-vos na medida de vosso merecimento.”
Não era trivial o interesse do monarca brasileiro. Conforme conta o historiador Luiz Antonio Teixeira, da Casa de Oswaldo Cruz – unidade de memória, patrimônio e divulgação científica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) –, “a doença era o principal problema de saúde pública” brasileiro na época. “Abalava até mesmo a economia em virtude de afastar os imigrantes e dificultar o comércio”, ressalta ele.
Mesmo com incansável insistência por parte do brasileiro, Pasteur sempre negou-se à empreitada, alegando idade avançada. “Depois de muito refletir, de muita hesitação […] lamento profundamente não poder aceitar vosso generoso convite”, escreveu o francês em 23 de fevereiro de 1885. “Em primeiro porque na minha idade – 62 anos – seria imprudente expor minha saúde em tão longa viagem e num clima ao qual não estou habituado.”
Mas se a viagem não ocorreu, a amizade entre os dois não ficaria estremecida. Segundo Rezzutti, em 1887, em nova viagem à Europa, Pedro 2º recebeu Pasteur no hotel onde estava hospedado e foram juntos à ópera. Além disso, lembra o biógrafo, o Instituto Pasteur, inaugurado em Paris em 1888, contou com uma doação inicial de 100 mil francos por parte do imperador brasileiro. “O reconhecimento foi eternizado, tanto que há um busto em homenagem a Pedro 2º no Museu Pasteur”, destaca.
Intercâmbio científico
Há uma histórica relação científica entre o instituto parisiense e organizações de pesquisa brasileiras. Então professor de química na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Augusto Ferreira dos Santos passou uma temporada na França em 1886, estudando com o grupo de Pasteur. Quando voltou ao Brasil, Santos acabou criando e dirigindo o Instituto Pasteur do Rio de Janeiro. “O instituto passou a fazer parte da Santa Casa de Misericórdia [do Rio] e funcionava no bairro de Laranjeiras”, situa o historiador Teixeira.
O médico Oswaldo Cruz, por sua vez, foi o primeiro brasileiro a pesquisar no Instituto Pasteur de Paris. O que se via ali era um gigante salto científico. “Os conhecimentos produzidos por Pasteur fizeram uma verdadeira revolução em diversos aspectos da vida cotidiana, em especial no campo da higiene”, pontua Teixeira. “Suas descobertas hoje fazem parte de nossa vida, sem que mesmo nos atentemos para elas: leite pasteurizados, cervejas e vinhos fermentados de forma controlada, práticas de assepsia e higiene, concepção de doenças com base na especificidade do agente causador… Tudo isso é fruto do desenvolvimento de estudos sobre os micróbios que tiveram por base os trabalhos de Pasteur.”
A parceria com o Brasil continua. Em programa iniciado no início dos anos 2000, a Fiocruz é instituição colaboradora do Instituto Pasteur de Paris. “Há várias iniciativas, como uma rede para estudo de leishmaniose, que já vem sendo implementada. Além disso, nesse momento existem projetos no âmbito de HIV e covid-19“, conta o pesquisador Wilson Savino, assessor especial da presidência da Fiocruz para cooperação com instituições francesas.
“Para a Fiocruz, a parceria com o Pasteur é estratégica, tanto do ponto de vista histórico quanto numa questão programática de internacionalização da parte de educação, ciência, tecnologia e inovação”, completa ele.
Legado de Pasteur
Outras instituições brasileiras criadas no século 19 e no início do século 20 receberam o nome Pasteur, apesar de não terem vínculo oficial com a original francesa. Além da versão carioca, foi criado um Instituto Pasteur em Recife, em 1889, em Juiz de Fora, em 1910, e em Florianópolis, em 1912.
Fundado em 1903, o Instituto Pasteur de São Paulo é o único a conservar o nome original. “Hoje existem 32 Institutos Pasteur independentes em 28 países, em cinco continentes”, enumera Claudio Celso Monteiro Júnior, analista sociocultural do Pasteur de São Paulo. “Embora não haja vínculos, todos eles consistem em instituições científicas voltadas à pesquisa aplicada em microbiologia e virologia, ciências que constituem o legado de Louis Pasteur.”
Fonte: DWBrasil por Edison Veiga