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Pacto entre Hitler e Stalin marca política europeia 80 anos depois

Apesar de arqui-inimigos ideológicos, ditadores da Alemanha nazista e URSS formaram uma aliança e dividiram o Leste Europeu entre si, em agosto de 1939. O trauma ainda persiste na Polônia e nos países bálticos.

 

Josef Stalin (dir.) e representante do Império Alemão, Joachim von Ribbentrop, ao assinarem pacto em 23 de agosto de 1939

O pacto de 23 de agosto de 1939 entre os ditadores da Alemanha nazista e da União Soviética foi um cálculo cínico, e de início funcionou para ambos os lados. Adolf Hitler assegurava-se da neutralidade soviética para uma planejada invasão da Polônia. Como isso colocaria em cena as potências garantidoras do país, o Reino Unido e a França, de início o líder nazista evitava uma guerra de dois fronts.

Assim, ele queria neutralizar um possível bloqueio marítimo britânico, que na Primeira Guerra terminara com a derrota alemã. Stalin, por sua vez, acreditava que o Reich Nazista se envolveria num longo conflito com as potências ocidentais. No longo prazo, contudo, ele considerava inevitável uma guerra contra os alemães, e queria fazer uma pausa para reforçar seu arsenal. O acordo entre os ditadores também ficou conhecido como Pacto Molotov–Ribbentrop, em referência aos ministros das Relações Exteriores dos dois regimes totalitários.

Porém o ponto decisivo não constava do acordo oficial, e sim da ata suplementar secreta, que dividia, entre os dois arqui-inimigos ideológicos signatários, toda a região em zonas de influência, para o caso de “reconfigurações territorial-políticas”. Assim, por exemplo, a Estônia, Letônia, o leste da Polônia e a Bessarábia romena cabiam à URSS como “esferas de interesse”, enquanto a parte oeste da Polônia ficava para o Reich.

Em 1º de setembro de 1939, a Wehrmacht alemã atacou a Polônia. Duas semanas mais tarde, o Exército Vermelho adentrava a partir do leste, ocupando pouco a pouco os demais territórios definidos no acordo como parte da esfera de influência soviética. A divisão de todo o Leste da Europa se completou nas primeiras duas semanas da Segunda Guerra, com militares, serviços secretos e funcionários administrativos alemães e soviéticos atuando em cooperação estreita.

A Polônia desapareceu pela segunda vez do mapa. Os Estados bálticos, que haviam obtido sua independência após o fim da Primeira Guerra, em 1919, se transformaram em repúblicas soviéticas. A Bessarábia foi anexada à República Soviética da Ucrânia.

Para os habitantes de ambos os lados da linha divisória, começaram anos de sofrimento: Hitler impunha sua ideologia territorial e de raça nas zonas ocupadas, mandando matar milhões; enquanto na parte soviética vastas parcelas da população eram expulsas, numerosos membros das antigas elites assassinados ou deportados para campos de trabalhos forçados.

Manifestação das repúblicas bálticas soviéticas pela independência, no 50º aniversário do Pacto Hitler-Stalin, em 1989

O pacto entre Hitler e Stalin durou menos de dois anos. Em junho de 1941, depois de ter subjugado a metade da Europa Ocidental, o ditador nazista se sentiu bastante forte para atacar o parceiro de aliança. Foi uma autossuperestimação decisiva: já no inverno seguinte, a mesa começou a virar, do ponto de vista militar. Para os povos das “esferas de interesse”, no entanto, isso significou mais anos de conflito, com miséria, expulsões e milhões de mortes.

O acordo teve consequências para além do fim da guerra: como a USRR pertencia às forças vencedoras, os Aliados ocidentais não puderam impedir “que os territórios designados à União Soviética no pacto Hitler-Stalin permanecessem com ela após o fim da Segunda Guerra Mundial”, explica o historiador Jörg Ganzenmüller. Só no início dos anos 90 os Estados bálticos, por exemplo, recuperaram sua independência.

Por muitos anos após o fim da guerra o pacto caiu em esquecimento. No Leste, ele fora declarado tabu durante a Guerra Fria. Na República Federal da Alemanha, não representava papel muito significativo no processamento histórico do pós-guerra. Apenas após a queda do comunismo na Europa, em 1989, a lembrança do acordo Hitler-Stalin retornou ao debate público.

Contudo as feridas não estão saradas – pelo contrário. Dez anos atrás, ao serem recordados os 70 anos do pacto, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, o classificou como imoral numa “Carta aos poloneses”. Porém essa admissão há muito perdeu substância: poucos meses após a anexação da ucraniana Península da Crimeia pelos russos, Putin defendeu o acordo como um passo necessário, do ponto de vista da época.

Em 2019, o chefe do Kremlin permanece distante das celebrações dos 80 anos do começo da Segunda Guerra. Na Rússia contemporânea, Josef Stalin está basicamente reabilitado: em enquete recente, 70% dos russos consultados se manifestaram positivamente quanto ao papel do ditador para o país.

Assim, na Polônia e nos países bálticos Estônia, Letônia e Lituânia cresce o medo de novamente serem vítimas de uma política em que Alemanha e Rússia se unam à custa deles. Símbolo desse medo é a construção do gasoduto Nord Stream 2, unindo a Rússia diretamente à Alemanha através do Mar Báltico, contornando os países intermediários. Recentemente a Polônia conquistou os Estados Unidos como aliado nessa briga, pois, pelo menos nesse ponto, não se sente suficientemente levada a sério pelo país vizinho.

Para o historiador Ganzenmüller, o medo é exagerado e “não se pode traçar analogias históricas”, pois “a Polônia e os países bálticos estão muito mais próximos da Alemanha do que a Rússia” – como já prova a filiação conjunta tanto à União Europeia quanto à Otan.

“Ainda assim, a política externa alemã ocasionalmente persegue interesses externos de forma inescrupulosa demais, não considera esses medos existentes, causando, assim, mal entendidos.” Por isso o historiador aconselha que Berlim preste maior atenção a esses velhos temores.

Fonte: Deutsche Welle