1º de maio (1890) – Dia Mundial do Trabalho
Fonte: TERRA, Antonia. “Dia Mundial do Trabalho”. In: BITTENCOURT, Circe (org.) Dicionário de datas da História do Brasil. Editora Contexto.
O 1º de maio é oficialmente o Dia Mundial do Trabalho. Tem sido comemorado pelos trabalhadores desde 1890. Como outras datas comemorativas, está ligado à construção de memórias e identidades, especificamente da classe operária, que fixou a data como um ato deliberado para consolidação da luta proletária em escala internacional. Começou a ser comemorado na Europa e foi aos poucos difundido para outros continentes.
Desde 1883-1884, nos meios libertários anarquistas franceses se discutia a ideia de greve geral e a prática da intimidação em uma grande manifestação em um dia “sem trabalho”, ou seja, “a ausência de trabalho através da greve de um dia” como instrumento de luta. Mas, a escolha de uma data, o 1º de maio, foi estabelecida oficialmente na Segunda Internacional Operária Socialista, em Paris, em julho de 1889. A proposta da data foi de Raymond Lavigne, um militante socialista francês, na seguinte moção: “Será organizada uma grande manifestação internacional com data fixa, de modo que, em todos os países e em todas as cidades ao mesmo tempo, no mesmo dia marcado, os trabalhadores intimem os poderes públicos a reduzir legalmente a jornada de trabalho a oito horas e a aplicar as outras resoluções do Congresso Internacional de Paris.”
A data, com ênfase em um movimento internacional, justificava-se por ter sido o dia escolhido para uma manifestação de trabalhadores em 1890 nos eua, organizada pela American Federation of Labour, em seu Congresso de dezembro de 1888, em Saint-Louis. Nesse caso, a data já tinha precedente na história operária norte-americana: em 1º de maio de 1886, trabalhadores e policiais haviam se confrontado violentamente em Milwaukee e em Chicago, resultando em 15 mortos e mais 8 presos e enforcados em 1887. A violência e o processo de condenação dos trabalhadores tiveram grande repercussão nos jornais e no imaginário popular, sendo por isso o dia considerado significativo para representar a luta operária.
A data tem também outros precedentes. Na tradição norte-americana, o 1º de maio é também o Moving Day, dia em que os aluguéis e os contratos de todo tipo são renovados e, por isso, representa a ideia de “mudança”. E “mudança” era o que queriam os trabalhadores, quando lutavam, por exemplo, pela alteração da jornada de trabalho para oito horas. Já na Europa, a mesma data também tem sua tradição, corresponde à Festa da Primavera: fim oficial do inverno, retorno do sol e começo da germinação das plantas, sendo celebrada com flores em uma festa pública, vinculada aos ritos pagãos de fertilidade, do renascer da vida e de esperança em um novo tempo. Na França, especificamente, contém a ideia da renovação da casa e da mudança da vegetação, simbolicamente ligada à árvore da liberdade, símbolo de revolta e dos revolucionários de 1789.
A historiadora francesa Michelle Perrot comenta esse vínculo do 1º de maio com as tradições populares dizendo que “na verdade não seria a primeira vez que o folclore forneceria suas meadas à política. […] Aqui não há árvores nem mastros decorados, mas bandeiras, tecidos produzidos pela indústria, não pela natureza. A floresta é o Povo ‘de pé’ que desafia o Velho Mundo. Nessa primavera de 1890, não é também uma ‘transferência de sacralidade’ que se opera em proveito da classe operária, chave do futuro?”
O 1º de maio, Dia do Trabalho, foi desde o início associado a elementos simbólicos, semelhantes aos criados pelos Estados nacionais do século XIX. A bandeira operária agitada nesse dia, de âmbito internacional, era vermelha, e as flores utilizadas com mais frequência eram o cravo e a rosa, embora houvesse bastante variação de lugar para lugar. Associadas a essa data, proliferaram também imagens, veiculadas em panfletos e cartazes, que davam ênfase à luta e remetiam à esperança, à confiança e a um futuro melhor para os trabalhadores. A palavra de ordem estava ligada à imagem da jornada ideal, criada por Robert Owen desde 1817 – “oito horas de trabalho, oito horas de repouso e oito horas de prazer” – que nos cartazes era representada por figuras femininas.
A ideia das lideranças operárias europeias, ao adotar uma data específica para atos públicos, com o fechamento dos locais de trabalho e transformação do 1º de maio em um dia “desocupado” em todo mundo, era mostrar a força do proletariado e fazê-lo adquirir autoconsciência.
Em distintas localidades, no 1º de maio de 1890, os trabalhadores organizaram diferentes manifestações: greves, movimentos políticos nas ruas, reivindicações apresentadas por delegações aos poderes públicos, comícios, palestras, festas, desfiles, bandas de música e confraternizações. Segundo Michelle Perrot, na França, as atividades seguiram orientações de tendências políticas diversas. Os socialistas formaram comissões e ligas populares para exigir a redução das horas de trabalho, montando delegações para entrega de documentos às autoridades oficiais. Os anarquistas, por sua vez, recusavam-se a “submeter-se ao Estado” e envolveram-se ativamente nas chamadas ações diretas e em propagandas, na imprensa e em panfletos, incentivando manifestações, por vezes violentas, contra os patrões e as fábricas.
Depois de 1890, os trabalhadores passaram a comemorar a data integrando-a como estratégia de luta. Mas, com o tempo, em diferentes contextos e com variados propósitos, o 1º de maio foi se transformado em feriado oficial. Na Rússia de 1917, os revolucionários mudaram seu próprio calendário para comemorar o Dia do Trabalho na mesma data do restante do mundo. Na Alemanha, depois de violentos confrontos em 1929, o governo fascista de Hitler adaptou-a a seus propósitos, convertendo-a, em 1933, no “Dia Oficial do Trabalho”. Recentemente, na Polônia, com finalidade intencional de contestar as atividades oficiais realizadas pelo governo comunista anterior, o 1º de maio ganhou um nome mais neutro – Dia do Descanso.
No Brasil, desde 1892, os operários organizam manifestações e greves, mas foi no contexto político de estado de sítio do governo de Arthur Bernardes que, em 1925, a data foi oficializada como feriado nacional. Já no governo de Getúlio Vargas, as comemorações tornaram-se oficiais e ocasião para a divulgação das leis correspondentes às reivindicações dos trabalhadores. Décadas depois, com a ditadura militar, os partidos políticos e os sindicatos foram esvaziados, retomando fôlego apenas no final da década de 1970, quando, no 1º de maio de 1978, os metalúrgicos de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, fizeram uma manifestação com mais de três mil pessoas. No final da ditadura, no 1º de maio de 1980, cerca de cem mil pessoas manifestaram nas ruas seu apoio ao líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva e às reivindicações dos trabalhadores.
Bibliografia
Hobsbawm, Eric J. A produção em massa de tradições: Europa, 1879 a 1914.
In: __________. Mundo do trabalho: novos estudos sobre história operária. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
________; Ranger, Terence. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1997.
Perrot, Michelle. O Primeiro de Maio na França (1890): Nascimento de um rito operário. Os excluídos da História: operários, mulheres e prisioneiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
São Paulo (cidade). 1890 – 1990 – Cem vezes Primeiro de Maio. São Paulo: Departamento do Patrimônio Histórico/Secretaria Municipal da Cultura, 1990.
Antonia Terra – Doutora em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Professora do Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).