Peter Stearns, Ph.D. em História pela Universidade de Harvard e autor do livro História da sexualidade
Pollianna Milan para Gazeta do Povo
Engana-se quem pensa que o Ocidente sempre foi mais avançado em questões sexuais do que o Oriente. Pelo menos até o século passado, as sociedades cristãs-ocidentais eram oficialmente mais pudicas em relação ao sexo do que a maioria das sociedades asiáticas. Ainda há um século e meio, os códigos morais “vitorianos” na Europa Ocidental e nas Américas tentavam reprimir a masturbação, a expressão sexual feminina e a relação sexual antes do casamento muito mais do que sociedades muçulmanas, hindus ou confucionistas. “O Islã sempre chamou a atenção, por exemplo, para o prazer sexual da mulher no casamento. A questão é que existem sociedades e indivíduos mulçumanos diferentes”, explica o historiador Peter Stearns, que teve traduzido para o português o livro Sexuality in World History (2009) – no Brasil, o lançamento da obra é recente e recebeu o título História da sexualidade, pela Editora Contexto.
Se ainda existem regiões mulçumanas que apregoam o apedrejamento público para mulheres que praticam o adultério, Stearns lembra que são locais tidos hoje como exceção. Por outro lado, ele diz que há cada vez mais uma preocupação quanto às influências ocidentais no Oriente, o que talvez explique o que levou algumas sociedades a adotar uma postura mais rígida.
O livro de Stearns mostra diferentes condutas sexuais no mundo dentro do contexto histórico. O tema do homossexualismo, por exemplo, é abordado na obra de maneira cronológica e por regiões. “Nas cavernas o bissexualismo era comum e aceito socialmente. Os mulçumanos não encaravam homossexuais como aberrações, como muitos hoje o fazem, e a China também não condenava, porém mudou de postura com a chegada do comunismo”, diz.
À esquerda, Banho turco, do pintor Jean Auguste Dominique Ingres, 1862. A sexualidade oriental que fascinava artistas europeus era idealizada: o autor da obra nunca saiu da Europa. O espetáculo Vaudeville (dir.) continha alusões sexuais, o que não fazia parte do mundo vitoriano
“Há muito tempo e de forma recorrente os governos empreendem tentativas de regulação sexual.”
Stearns lembra do posicionamento dos protestantes em relação às questões sexuais: foram contra o catolicismo e defenderam que a castidade não havia alçado as pessoas a um nível espiritual mais elevado do que o indivíduo que era casado. Dentro desse contexto, em 1684, um manual direto e explícito de nome A obra-prima de Aristóteles chamou a atenção na Inglaterra. Ele trazia informações sobre como obter o prazer sexual partindo do pressuposto que o casal deveria buscar esse objetivo. Ainda no livro, o historiador fala das bases do vitorianismo e os esforços para frear a sexualidade – a atividade sexual deveria ser limitada ao casamento e os jovens deveriam ser contidos. Não por menos, o historiador lembra de pinturas que ilustraram, entre os séculos 18 e 19, a desonra que se abatia em uma família por causa de uma filha que engravidara sem estar casada.
Na Era Vitoriana (meados do século 19), a masturbação foi tida como algo de extremo risco, pois poderia causar dificuldades mentais, envelhecimento precoce, esterilidade e até cegueira. Em entrevista, por e-mail à Gazeta do Povo, Stearns fala mais da repressão sexual no Oriente e de outros temas abordados no livro.
As leis iranianas são muito rígidas para nós brasileiros. É uma herança do islamismo?
As leis no Irã e em outras sociedades muçulmanas são muito rigorosas quanto a alguns aspectos da sexualidade. Isso reflete a lei islâmica tradicional, que tentava restringir a sexualidade ao âmbito do casamento e durante muito tempo prescreveu punições potencialmente severas para comportamentos como o adultério. Mas na maior parte da tradição islâmica, em situações como o adultério, costumava-se preferir a reconciliação, não a punição. O novo impulso, em algumas sociedades, na direção de uma maior rigidez é resultado não só de uma interpretação seletiva da tradição, mas de séria preocupação com influências estrangeiras e hábitos “modernos” que, para algumas autoridades, soam como um novo perigo.
Houve interpretações diferentes para outros temas também?
Muitas sociedades muçulmanas agora adotam uma postura mais dura contra a homossexualidade, algo que não está na tradição islâmica. Na verdade refletem, inicialmente, um desejo de imitar o Ocidente, lá atrás, no final do século 19, quando as autoridades ocidentais criticavam o Islã por sua liberalidade em questões de sexo. Portanto, há um conjunto de fatores em curso aí.
Quais países do mundo islâmico não são tão rígidos assim?
Há regimes seculares no mundo islâmico (a Síria ou a Turquia, por exemplo) nos quais as normas mais rígidas do islamismo não são aplicadas. E há tradições mais antigas, como o das danças sensualmente expressivas, que persistem em muitas regiões também. E quero insistir, mais uma vez, que o Islã, tradicionalmente e ainda hoje, incentiva a expressão sexual e o prazer dentro do casamento.
Como o senhor aborda o tema da prostituição?
A prostituição há muito tempo é comum nas cidades do mundo islâmico, como tem sido em concentrações urbanas de qualquer sociedade. A maioria das sociedades não tentou eliminá-la, ainda que, durante o século passado, tenha havido esforços recorrentes para incentivar maior higiene nessa prática. Há indícios de prostituição já nas primeiras cidades da Antiguidade, por isso a noção de que essa é uma das mais antigas profissões do mundo não chega a ser inverossímil. Vários governos tentaram proibi-la, regulamentá-la – por exemplo, no final do século 19, tentando limitar a atividade aos distritos da “luz vermelha” nas Américas, ou, mais recentemente, ao impor inspeções de higiene –, ou mesmo organizá-la de modo a que rendesse algum dinheiro ao Estado. Há muitas diferenças de uma sociedade para outra e ao longo do tempo.
Como se dava a intervenção dos governos no controle e nas recomendações sobre o comportamento sexual?
Há muito tempo e de forma recorrente os governos empreendem tentativas de regulação sexual. Nem sempre se saíram muito bem. Mas os esforços para fazer cumprir as leis contra o adultério, a prostituição ou os “desvios” têm sido constantes desde o Código de Hamurabi. O governo dos Estados Unidos, não faz muito tempo, atuou no sentido de limitar o acesso dos adolescentes a alguns meios de controle de natalidade, promovendo campanhas de abstinência sexual, para ficar num exemplo atual apenas. Obviamente, os defensores de doutrinas, religiosas ou não, que preconizam determinado comportamento sexual como adequado procuram, por vezes, a chancela do governo para fazer valer suas ideias.
Esse livro deve ser muito bom.