Primeira parte: Novas gerações, velhas mentalidades e os rumos da política externa brasileira
Segunda parte: Um grande paradoxo para os formuladores de política externa
Terceira parte: O caso brasileiro: por uma política externa mais transparente
Durante a Copa do Mundo de 1970, os brasileiros criaram um hino que dizia: “90 milhões em ação, para frente Brasil, salve a seleção”, referindo-se a seus 90 milhões de nacionais. 44 anos depois, enquanto o País organizava a Copa do Mundo de 2014, sua população já passava de 200 milhões.
O exponencial aumento da população mundial, associado a novos avanços tecnológicos, resultou na multiplicação da riqueza como nunca antes visto, mas também implicou graves problemas ambientais e energéticos, grande desigualdade de distribuição de renda e de acesso a oportunidades, crises migratórias e renovadas ameaças de destruição por meio de armas nucleares e atentados terroristas.
Em poucas décadas, acontecimentos locais passaram a influenciar eventos distantes e a ser por eles modelados, gerando desafios até então desconhecidos. Na ausência de um substantivo corpo de normas e princípios de direito internacional que pudessem regular as demandas emergentes, houve significativa proliferação de acordos bilaterais e multilaterais entre Estados, ao mesmo passo que as práticas de agências internacionais, empresas, organizações não-governamentais e mesmo indivíduos passaram a estabelecer valores globais e vincular decisões nos mais diversos setores, da economia aos direitos humanos.
É nesse inédito e complexo contexto que se insere a necessidade de redefinição do escopo e dos propósitos da política externa e da diplomacia brasileira. Para contornar a atual sensação de apatia, desanimo e até mesmo resignação em nosso país, será inicialmente imprescindível contar com maior envolvimento de novas gerações, mentalidades e atores nos debates sobre nossa inserção internacional.
Efetivamente, as gerações que continuam ditando os rumos do país já se mostraram incapazes de ajustar-se à realidade emergente e, mais do que isso, falta de disposição em ceder espaços. Sem a participação dos “filhos da democracia brasileira e da nova era digital”, as discussões continuarão pouco transparentes e dificilmente refletirão autênticos interesses de nossa sociedade, o diálogo continuará polarizado e a população seguirá desinformada, com opiniões baseadas em analises superficiais ou sensacionalistas.
Nossa política externa continua sendo pensada e implementada por fração diminuta da sociedade e orientada por referências normativos ultrapassados, que dificultam a democratização do debate. Ainda é limitado o envolvimento entre diplomatas, professores, estudantes, jornalistas, ONGs e setor privado, enquanto velhos “caciques” seguem em defesa de interesses ultrapassados ou, pior, confundindo a agenda externa do país com suas agendas pessoais.
A aproximação com novos atores sociais deverá, assim, ser instrumentalizada e serviço da elaboração de um planejamento estratégico de longo prazo para a inserção internacional brasileira. Nesse sentido, é indispensável definir que tipo de desenvolvimento queremos, como queremos nos afirmar na arena global e que benefícios esperamos trazer para nossa sociedade.
Não é mais possível continuar sem diretrizes claras para a América do Sul ou para a Ásia, que nossa cooperação internacional seja desestruturada a cada novo planejamento orçamentário ou que nossos diplomatas lotados nos EUA continuem sem saber qual estratégia adotar nas relações com o país. A construção de parcerias e a afirmação no cenário internacional não são construídas de uma hora para outra. Ao contrário, exigem tempo e grandes esforços, que só poderão ser definidos com base em estratégias duradouras, definidas em conjunto com toda a sociedade e calcadas em princípios modernos de accountability.
O último, e não menos complexo, desafio que merece destaque reside na necessidade de reestruturação da própria estrutura de governança de política externa brasileira, a começar pela reforma do Ministério das Relações Exteriores. Os contextos favoráveis do início dos anos 2000 permitiram adiar este debate por mais de uma década, mas conforme as novas dinâmicas das relações internacionais e da política interna colocaram em xeque o próprio papel e as funções essenciais do Itamaraty, tornou-se inevitável a retomada de discussões para a modernização de seus arcaicos procedimentos, sistemas de gestão e estruturas organizacionais.
Feitas essas considerações, nos resta concluir que os sistemas político e cultural do Brasil continuam centrados em interesses pessoais e de curto prazo, compatíveis apenas com um ultrapassado sistema de política externa e diplomacia tradicional, cabendo às gerações presentes e futuras o desafio de promover os esforços necessários para atender às novas, e cada vez mais rápidas, demandas globais de cooperação e integração. O desafio está lançado. Resta saber se a mentalidade velha, paternalista e corrupta de nossas instituições permitirá esses avanços. Sem nos resignar, é chegada a hora de transformar o país do futuro no país do presente.
Gustavo Westmann é diplomata desde 2007, bacharel em Direito (USP) e em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestre em Diplomacia (IRBr) e em Política Internacional (Luiss). Especialista em Direito Internacional Público pela UC Berkeley e pela The Hague Academy of International Law. Atuou como consultor jurídico na área de direito ambiental e nas áreas cultural, ambiental e comercial do Itamaraty. Foi chefe do setor comercial da embaixada do Brasil na Itália. Atualmente é chefe do setor econômico e comercial da embaixada do Brasil na Indonésia.