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O que é Sintaxe Gerativa?

por Eduardo Kenedy em Sintaxe, Sintaxes: uma introdução, publicado pela Editora Contexto

A Sintaxe Gerativa é uma das mais influentes abordagens a respeito da gramática das línguas humanas. Formulada por Noam Chomsky em meados do século XX, a maneira gerativista de observar, descrever e explicar fenômenos sintáticos transformou-se ao longo dos anos numa teoria linguística complexa e diversificada que, até os dias atuais, permanece produtiva e bem-sucedida (cf. Chomsky, 2013). Com efeito, grande parte da história dos estudos em sintaxe no curso das últimas quatro décadas define-se a partir da Sintaxe Gerativa, seja, por um lado, para desenvolvê-la em modelos gerativistas mais específicos e pontuais (como o minimalismo, a otimidade, a sintaxe experimental ou a HSPG), seja, por outro lado, para criticá-la e, fazendo-lhe oposição, fundar novos paradigmas (como o funcionalismo ou o construcionismo). Em pleno século XXI , parte considerável dos sintaticistas do mundo é formada por gerativistas, e mesmo aqueles que não se veem como tal reconhecem a relevância da abordagem chomskiana e seu legado para a Linguística contemporânea.


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Em suas origens (Chomsky, 1957, 1965), a Sintaxe Gerativa estabeleceu-se como parte de um novo paradigma na Linguística que se opunha ao então dominante estruturalismo. Os mais influentes estruturalistas, como o europeu Ferdinand de Saussure e o norte-americano Leonard Bloomfield, assumiam a premissa de que as ciências da linguagem tinham a função precípua de descrever as relações entre os elementos básicos de um sistema linguístico – os seus signos (morfemas, palavras) e as suas unidades distintivas (fonemas). Chomsky reconhecia a importância do descritivismo estruturalista, mas, para ele, a Linguística deveria assumir uma tarefa mais básica e fundamental: explicar o caráter gerativo das línguas naturais.

Para Chomsky, o caráter gerativo da linguagem caracteriza-se pelo fato de que, em todas as línguas humanas, é possível criar um número infinito de expressões linguísticas utilizando-se, para tanto, uma quantidade finita de elementos constitutivos. Dizendo de outra forma, Chomsky notou que não existem limites para o número de frases que um falante de uma língua particular, seja ela qual for, pode produzir e compreender. Em qualquer língua humana, é possível gerar uma quantidade infinita de frases, que são formadas com base em um conjunto limitado de fonemas, de morfemas, de palavras e de regras computacionais. Segundo a nova linguística chomskiana, a capacidade gerativa das línguas consistiria justamente em fazer uso infinito dos recursos finitos existentes em seu léxico e em sua gramática. Essa capacidade seria, para Chomsky, o traço mais fundamental da linguagem humana e é sobre ele que a linguística deveria debruçar-se.

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De fato, como se vê na tabela 1, o número de fonemas, morfemas e palavras que existem numa língua pode ser muito grande. Contudo, por mais extenso que seja, esse número é sempre limitado. Já a quantidade de frases que podemos produzir e compreender em qualquer língua é ilimitada. A todo momento, os falantes das línguas humanas criam e ouvem frases novas, inéditas, nunca produzidas antes na história de sua língua. Ora, a originalidade da abordagem chomskiana caracterizava-se por indagar: como os humanos são capazes de gerar infinitas frases com base nos recursos finitos das línguas? O que há por trás dessa capacidade gerativa? Buscar respostas científicas para essas indagações foi a agenda de trabalho trazida à Linguística por Chomsky.

SINTAXE SINTAXES_CAPA.inddNo empreendimento proposto pela Linguística Gerativa, a Sintaxe sempre ocupou um lugar central. Isso acontece porque o caráter gerativo das línguas revela-se exatamente no componente sintático da gramática. Entenderemos isso se considerarmos que, para o gerativismo, a linguagem humana possui dois componentes fundamentais: o léxico e as regras computacionais. É no léxico que são depositadas as unidades mínimas da língua (fonemas, morfemas, palavras, idiomatismos, expressões fixas), que, por se tratar de itens finitos, devem ser memorizadas pelos falantes de uma língua específica. Já as regras computacionais são também finitas, mas, quando aplicadas sobre os itens presentes no léxico, criam unidades infinitas como sintagmas e frases. Essas unidades são geradas composicionalmente, isto é, vêm à luz no momento em que são engendradas pela sintaxe, e assim não podem ser memorizadas pelos falantes. De acordo com os sintaticistas de orientação gerativista, as regras computacionais da linguagem pertencem ao domínio da sintaxe e cabe à Sintaxe Gerativa descrevê-las e explicá-las.

Como podemos entender, a proposta original chomskiana estabelece que a infinitude discreta é a propriedade basilar das línguas humanas, e tal propriedade emerge do componente sintático da gramática. Esse caráter central atribuído à sintaxe faz com que, algumas vezes, estudiosos não gerativistas interpretem linguística gerativa e Sintaxe Gerativa como termos sinônimos. Entretanto, devemos ter em conta que a Linguística Gerativa dedica-se também ao estudo dos demais componentes de uma língua – a fonologia, a morfologia, o léxico, a semântica, a pragmática e o discurso –, tomados isoladamente ou em interação, inclusive com a Sintaxe. A Sintaxe Gerativa é, portanto, apenas uma fração do gerativismo. Além disso, não podemos nos esquecer de que a Linguística Gerativa é também uma teoria geral, abrangente e multifacetada a respeito da faculdade da linguagem humana, de sua natureza, evolução, aquisição e uso – e não apenas sobre a sintaxe das línguas (cf., entre outros, Chomsky, 1995; Hauser, Chomsky e Fitch, 2002; Pinker e Jackendoff, 2005). De fato, o gerativismo consolidou-se na história do conhecimento como uma das disciplinas das ciências da cognição responsáveis pela revolução cognitiva dos anos 50 e 60 do século XX. Sua inserção entre as ciências cognitivas faz com que a Linguística Gerativa possua uma grande rede de conceitos relativos à natureza da linguagem na cognição da espécie humana, os quais nem sempre estão explicitamente em análise quando fazemos Sintaxe Gerativa a respeito de um fenômeno morfossintático particular. Isso quer dizer que noções como inatismo, modularidade, pobreza de estímulos, gramática universal, faculdade da linguagem em sentido amplo e restrito etc. podem não ter uma relação imediata e explícita com o fazer mais pontual da Sintaxe Gerativa. A respeito desse aspecto cognitivista e epistemológico do gerativismo, o mínimo que é preciso saber, para os propósitos do presente capítulo, é que, segundo os gerativistas, tanto os itens atômicos do léxico quanto as regras computacionais da Sintaxe têm lugar na mente humana e compõem o conhecimento linguístico tácito (a competência linguística) que cada indivíduo possui quando se torna capaz de produzir e compreender um número infinito de frases em sua língua.


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