Por Jacqueline Trescott para The Washington Post – O Estado de S.Paulo
Mathew Brady, que registrou os combates durante a Guerra Civil e iniciou sua carreira reproduzindo a imagem de Abraham Lincoln, acabou morrendo como um indigente.
Em 1860, Mathew Brady era um dos fotógrafos mais conhecidos no mundo. Seu livro, Galeria de Americanos Ilustres, publicado dez anos antes, lhe trouxe fama. Entre aqueles que, no seu estúdio, sentaram-se e olharam de frente para sua grande caixa sobre o tripé de madeira, estão Daniel Webster, Edgar Allan Poe e Henry Clay.
Assim, quando os republicanos quiseram uma imagem perfeita do candidato à presidência Abraham Lincoln, o levaram ao estúdio de Mathew Brady, na Broadway, em Nova York. O fotógrafo olhou para aquele homem alto, desalinhado, com o rosto barbeado, ar austero. Levantou o colarinho da sua camisa para o pescoço não parecer tão longo. Penteou seu cabelo e colocou sua mão sobre o livro. Mais tarde, quando revelou a foto, Brady retocou-a de modo que as linhas do rosto de Lincoln não parecessem tão rudes.
Mathew Brady produziu, então, uma foto extraordinária. Nessa época, muitos americanos não tinham uma imagem de Lincoln e seus oponentes o retratavam como um selvagem homem das fronteiras. Mas ali estava ele: extremamente alto, ereto, um cavalheiro imponente numa longa sobrecasaca.
A fotografia foi usada em gravuras e publicada em grandes revistas da época, como Harper”s Weekly e Illustrated Newspaper, de Frank Leslie. E também nos buttons de campanha.
No mesmo dia em que foi fotografado por Brady – 27 de fevereiro de 1860 – Lincoln deu um de seus mais importantes discursos, sobre a Cooper Union. Proferiu sete mil palavras para uma plateia de empresários, ministros, estudiosos e jornalistas. O discurso foi reproduzido nas capas dos jornais do dia seguinte. Numa entrevista anos depois, muito consciente do seu papel na História, o fotógrafo repetiu que Lincoln por várias vezes falou sobre a confluência: “Brady e o Instituto Cooper fizeram-me presidente.
“Mathew Brady nasceu no Condado de Warren, no Estado de Nova York, em 1823. Na cidade de Nova York, ainda jovem, ele estudou fotografia com Samuel Morse (além de ter inventado o código Morse, Samuel teria também trazido o processo do daguerreótipo da França para os Estados Unidos).
Estúdio. Quando Brady conheceu os daguerreótipos nos anos 1840, a fotografia ainda era uma forma de arte nova e uma atividade extremamente incerta, numa época em que muitos jornais dependiam de desenhos. No entanto, abriu seu estúdio de fotografia em 1844. E no ano seguinte ganhou um concurso nacional pelo melhores daguerreótipos coloridos e os melhores planos.
Ele operava seu estúdio como um ateliê de pintor, atribuindo várias tarefas a colegas e aprendizes. O pessoal do estúdio operava as câmeras depois que Brady fazia as fotos, prática que ele adotou por causa de um problema de vista que o atormentava desde a infância.
Eles ficaram especialistas em conferir personalidade às imagens das fotos, muito à maneira dos pintores de retratos. A arte de Brady ficou ainda mais conhecida graças ao modo como promoveu seu trabalho. Como era costume na época, as fotografias feitas em estúdio eram reimpressas em cartões, os chamados “cartões de visita”, tornando seu trabalho bastante acessível.
“Mathew Brady criou reputação por causa da sua qualidade e suas habilidades de marketing”, disse Ann Shumard, curadora da seção de fotografias da National Portrait Galery. “Foi um ótimo promotor do seu trabalho e suas fotos podiam ser reproduzidas. Ele as adaptava aos novos tempos.
“Edward McCarter, que supervisiona o arquivo de imagens e fotos do Arquivo Nacional, concorda. “Mathew Brady foi o mais conhecido empreendedor da época”, declarou. “Você pode discutir se ele era o melhor fotógrafo.”
Washington. Em 1858, o fotógrafo abriu um segundo estúdio na Pennsylvania Avenue, em Washington, próximo da atual localização do Arquivo Nacional. Ele chegou à cidade querendo se aproximar ao máximo dos detentores do poder na época. E fotografou personalidades como John Quincy Adams, Dolley Madison, Washington Irving, James Fenimore Cooper, Jenny Lind, Sojourner Truth, Thomas J. “Stonewall” Jackson, William Cullen Bryant, Jefferson Davis, Ulysses S. Grant e Robert E. Lee. Chegou até a fotografar o ator Edwin Booth e o irmão dele John Wilkes Booth.
O interesse de Brady em documentar os notáveis da época ofuscou a arte de pintar retratos de personalidades.
“Desde o início, encarei como obrigação para com o meu país preservar os rostos de mães e homens históricos”, disse ele numa entrevista em 1891 ao New York World.
Os historiadores acham que a entrevista, uma das raras concedidas por Brady, foi bastante exagerada. Ela inclui uma descrição do fotógrafo idoso: “O sr. Brady é uma figura esbelta, enxuta, ombros quadrados, com um sorriso iluminado.
“Quando a Guerra Civil Americana teve início, em 1861, ele decidiu trabalhar fora do estúdio. Como foi o primeiro fotógrafo a ir para o campo de batalha e documentar o que encontrou ali, é considerado o pai do fotojornalismo moderno. Mais tarde, atribuiu sua decisão ao destino.
Ao retornar da primeira batalha de Bull Run, Brady relembrou: “Minha mulher e meus amigos mais conservadores não gostaram do meu abandono da atividade comercial para me tornar um correspondente fotográfico da guerra e só posso dizer que o destino é que me venceu e, como Euphorion, senti que devia ir.”
Brady quis estabelecer seu legado desde o início, em alguns casos inserindo-se nas fotos de guerra, no estúdio. “Ele é um soldado capturado em Gettysburg”, contou Carol Johnson, curador do departamento de fotografias que são parte da coleção de fotos da Guerra Civil Americana da Biblioteca do Congresso. Carol disse que seus funcionários de vez em quando encontram o fotógrafo nas imagens, particularmente quando elas são digitalizadas.
História. Brady percebeu cedo que as fotos não eram somente lembranças, mas notas de rodapé para a História.
Em 1862, exibiu na sua galeria em Nova York horríveis registros de batalha fotografados por seus colegas Alexander Gardner e James Gibson. As imagens de cadáveres após a Batalha de Antietam horrorizaram os espectadores e galvanizaram o movimento contra o conflito.
Após a guerra, a demanda pelo trabalho do fotógrafo diminuiu. A fotografia estava mudando rapidamente, novas técnicas e equipamentos surgiram e o público não estava mais interessado em imagens da Guerra Civil, pelas quais ele era mais conhecido. Promotor hábil, mas empresário incapaz, Brady investiu grande parte de seu capital na cobertura da guerra. No final, viu-se financeiramente arruinado.
Nos últimos meses de 1864 , ele passou a vender seus ativos, incluindo sua participação na galeria em Washington. Processou seu sócio quando ele pediu falência em 1868, depois a adquiriu novamente num leilão. Mas seus negócios continuaram numa espiral de queda.
Falência. Os tribunais americanos o declararam falido em 1873 e em 1875 seus estúdios em Nova York foram fechados. Brady encaminhou uma petição ao Congresso, pedindo para que a Casa comprasse sua coleção, o que foi feito pelo valor de US$ 25 mil, ainda em 1875.
Apesar de seus contatos políticos, o fotógrafo não conseguiu realizar a galeria dos grandes americanos – usando seu trabalho como fonte importante – que havia iniciado.
Seu último endereço em Washington foi no 484 da Maryland Avenue.
Brady morreu como indigente em Nova York, em 15 de janeiro de 1896. Seu funeral foi pago por amigos e uma associação de veteranos da guerra. Foi enterrado no cemitério do Congresso, em Washington.
Legado. Hoje, a capital americana é o epicentro de todo o conhecimento fotográfico de Brady. O Arquivo Nacional, a Biblioteca do Congresso e a National Portrait Gallery – onde seus trabalhos estão em exposição permanente – abrigam milhares de fotografias que sobreviveram por mais de 150 anos. No conjunto, fornecem um vislumbre obsessivo da cidade e seus campos de batalha vizinhos durante a Guerra Civil e uma história instrutiva do início da fotografia.
A sessão profética com Abraham Lincoln continua o ponto de partida capital para o estudo de Brady e a Guerra Civil. Mesmo naquela época, cópias da foto eram escassas e se tornaram artigos de coleção.
Numa carta escrita em 7 de abril de 1860 para uma pessoa solicitando a imagem, Lincoln afirmou: “Não tenho uma única foto no momento; mas acho que você poderia conseguir uma facilmente em Nova York. Quando estiver lá, fui levado a um dos lugares onde eles fazem essas coisas e acho que eles pegaram a minha sombra. Atenciosamente. A. Lincoln.”/ TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO