A marca Brasil está mal das pernas. Neste cenário, sou o agricultor que olha para o céu esperando pela chuva que vai molhar a terra e fazer a semente germinar. Pudera, nossa lavoura está secando. A persistirem os sintomas, é possível que muito do que já conquistamos, desde a redemocratização, se transforme em poeira. Dentro e fora do país, nossa imagem vai de mal a pior. E a gente precisa dar um jeito nisso, rejuvenescê-la. Ainda bem que até mesmo uma semente ressecada pode brotar – seria o caso de esperar pelo terceiro dia?
Trabalhando em agências de propaganda, vivi de perto os programas de construção de imagem de produtos e serviços. O empenho acontece, primeiro, na criação e, depois, na consolidação dessa imagem. A ideia obedece a duas etapas: tirar o avião do solo, provocando sua decolagem; mantê-lo em pleno voo, sem sobressaltos, até atingir o seu destino.
Posicionamento é o trabalho desenvolvido para fazer com que a marca seja vista pelo cliente de um jeito que interesse ao seu fabricante. Reposicionamento, por sua vez, é o que acontece quando o fabricante espera que ela passe a ser vista de outra maneira. Um exemplo disso é o que aconteceu com as sandálias Havaianas. De chinelo ideal para lavar a calçada, vendido em feira livre, por um preço baixo, ela foi alçada à condição de ícone. Agora, a sandália é comercializada em lojas próprias, instaladas em shoppings badalados ou em ruas cobertas de glamour. E quem não se lembra do tempo em que a camiseta Hering era um produto popular?
A propaganda faz isso muito bem. É sua tarefa. Mas não é o caso de pensar que a mídia, produtora e disseminadora de informação jornalística, acorda todo dia com o propósito de alterar negativamente a imagem de um governo. Ainda que no Brasil tenhamos uma figura icônica dessa crença, o presidente da República. Para ele, “A imprensa mundial é de esquerda”. É como se, não tendo mais nada para fazer, ela tivesse assumido essa identidade apenas como forma de destruir a reputação do chefe do Executivo.
Verdade é que, por razões pra lá de justificadas, elas batem forte no presidente. Na Europa, o jornal inglês Financial Times, de tendência liberal, publicou um texto em que faz uma crítica aberta ao dizer que “O populismo de Jair Bolsonaro está levando o Brasil ao desastre”. E o francês Le Monde adverte para o fato de que havia “algo podre no reino do Brasil”. Nesse mesmo sentido, na América do Norte, a revista The Economist não economiza críticas à atuação do presidente durante a pandemia. A publicação afirma que Bolsonaro subestimava o vírus. É claro que isso mostra uma imagem ruim do Brasil no exterior. Mas engana-se quem acredita que se trata de uma armação contra a figura do presidente. Na verdade, o que se percebe é apenas uma relação de causa e consequência. Ele colhe com abundância o que planta sem medida. Normal.
Tudo isso revela que hoje o Brasil vive um sério problema de posicionamento. No terreno mercadológico, o assunto é muito bem tratado por Al Reis e Jack Trout, autores de Posicionamento: a batalha por sua mente. A obra deveria ser estudada por Brasília, num programa de imersão total. Isso, antes de organizar passeatas ou fazer falsas reuniões ministeriais.
Pena que, apesar de todas as evidências, uma parte da população ainda insista em se manter fiel a esse governante sem escrúpulos nem condições de permanecer no cargo. No entanto, anestesia tem prazo de validade. E espero que esse efeito não dure tanto tempo. Afinal, uma população incapaz de reagir acaba sendo devorada viva pelas hienas famintas, travestidas de ministros, sempre com desejo de sangue.
O chamado Mito, no qual muita gente ainda acredita, é uma obra feita de barro. Não resiste a um “como” e um “por que” formulado por uma criança. Isso fica muito claro na truculência das suas abordagens – ameaça é, antes de tudo, um sinal evidente de medo. A propósito, quando ensino a escrever, lembro que, embora aparentemente inofensivo, o ponto de exclamação é o símbolo materializado do grito. Mas ninguém convence utilizando esse recurso – que o diga o para-choque de caminhão sábio ao afirmar que “Se grito resolvesse, porco não morria”. O que muda comportamentos é o raciocínio criativo, inteligente, consistente e adequado.
A elegância de quem sabe falar baixo, usando as palavras certas, isso sim, tem poder de convencimento. Leva multidões a alterar a maneira de pensar e agir de uma forma que ninguém esperaria ver redimensionados. Bolsonaro grita, polui sua fala com múltiplas exclamações. Mais do que elevar o tom da voz, esbanja grosserias. Age assim porque não sabe usar o substantivo, isto é, a palavra exata, e investe pesado no adjetivo chulo e vulgar. Além de governar como se participasse de um churrasco, no fundo do próprio quintal, depois de misturar muita caipirinha e cerveja, enquanto assiste à derrota do seu time. Então eu pergunto: com um presidente que domina com perfeição a arte de queimar o nosso filme, como esperar que o mundo nos veja com outros olhos?
No entanto, nem tudo precisa ser assim. Nem tudo precisa ser sempre assim. Quando existe um problema, embutido nele estão os elementos necessários para a sua solução, como sugeriu o filósofo, escritor e educador indiano Jiddu Krishnamurti. Tudo, portanto, é uma questão de olharmos um pouco mais fundo e, num exercício de tradução, encontrar aí a chave para a resposta.
Um dia ainda vamos rir de tudo isso. Pelas minhas contas, se passarmos ilesos por todas essas provas, a festa de formatura será algo grandioso. Quem viver verá.
Rubens Marchioni é palestrante, produtor de conteúdo, blogueiro e escritor. Eleito Professor do Ano no curso de pós-graduação em Propaganda da Faap. Pela Contexto é autor de Escrita criativa: da ideia ao texto. https://rumarchioni.wixsite.com/segundaopcao / e-mail: [email protected]