Em 2017, a Contexto deu-me a honra de acolher os textos do primeiro ano de trabalho para o jornal O Estado de S. Paulo. O livro chamou-se Diálogo de culturas e reuniu 54 crônicas. Na verdade havia um pouco mais, porque as colunas que se estenderam por duas edições do jornal formaram um único capítulo na obra.
A experiência da crônica duas vezes por semana é uma divisória tensa entre a alegria de escrever e a pressão de prazos e temas. Ser acessado por milhões de pessoas em papel e pela internet piora a angústia e a responsabilidade. Organizar ideias e dar-lhes forma é, como já foi dito por pessoas mais hábeis do que eu, a arte de cortar mais do que a arte de escrever.
Criei uma divisão que, de alguma forma, constitui o leque básico sobre o qual discorro. Foram sete campos fruto dos meus interesses e dos limites e possibilidades da minha formação. Sete setores que podem agrupar em ilhas distintas o arquipélago do meu mundo e como minha visão dialoga com outras ilhas. Sim, sempre há algo de aleatório na organização posterior de linhas conceituais ou vetores de sentido, ainda que existam no meu projeto.
Chego ao segundo ano agradecido aos leitores, aos quais dediquei o volume de Diálogo de culturas. O leitor é um bom julgador quando se alegra e quando se irrita. Ele existe como conceito e como comunicação real. Tenho quem me ame por princípio e, claro, desenvolvi os haters sistemáticos. A rigor, ambos me procuram e analisam. Um dos aprendizados da grande mídia é que a responsabilidade do autor sobre o texto é vaga. Solto ao ar, como pluma de cinco mil toques, desperta tudo ao sabor de um vento subjetivo. O mais interessante, quase sistemático, é que a mesma crônica recebe uma reação indignada por eu ser um comunista fanático e militante de esquerda, e, da mesma forma, idênticas letras levam alguém a me achar reacionário e um aristocrata de direita. É um gesto de humildade do autor não querer dominar ou dirigir a hermenêutica do leitor. Ela pertence ao imponderável e ao subjetivo. Não preciso recorrer à autoridade de Roland Barthes ou de Umberto Eco, também a seu tempo escritores de grande mídia. Mais grave: se eles que eram definidores gigantes de cultura tiveram o problema, muito mais eu deveria sofrer o caráter aberto de todo signo. E há que se considerar que talvez os que me apontam militância de esquerda ou reacionarismo estejam corretos, pois notam tanto minha vontade de combater desigualdade e racismo como percebem meu afeto pela cultura clássica e por arte. Gosto de supor que isso me torna mais humano do que contraditório. Como a GH de Clarice Lispector, estou tentando entender. Mais uma vez recorro ao meu estimado leitor e à minha querida leitora: discordem, concluam, concordem ou lamentem, mas sempre leiam e formem sua própria peça multifacetada da aventura do saber. A magia do conhecimento é maior do que todos nós.
Agradeço à Editora Contexto, que foi pioneira em ver algum valor em mim. Agradeço ao jornal o Estado de S. Paulo, que reconhece ampla, absoluta e respeitosa liberdade de temas e enfoques. Editoras e jornais livres e independentes tornam o trabalho de pensar mais fácil. Ambos colaboram muito para construir a complexa e claudicante democracia brasileira.
Um agradecimento especial a três pessoas fundamentais em minha vida. Com elas troquei ideias, pedi sugestões e delas recebi revisões sempre necessárias. Luiz Estevam de Oliveira Fernandes, Rose Karnal e Valderez Carneiro da Silva (que assina o prefácio) ajudam-me imensamente na tarefa de lapidar textos. Muito obrigado aos três. Imprensa livre, como eu disse, garante que exista espaço para se dizer algo. Amigos garantem que haja um sentido em comunicar. Aos três, minha gratidão afetiva como amigo e aprendiz.
Leandro Karnal é professor, historiador, graduado em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e doutor pela Universidade de São Paulo (usp). Leciona há 30 anos, tendo passado por ensino fundamental, médio, escolas públicas e privadas, cursinhos pré-vestibulares, universidades variadas e hoje leciona na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Trabalha há muitos anos com capacitações para professores da rede pública e publicação de material didático e de apoio para os professores. Pela Contexto publicou como autor, coautor ou organizador Estados Unidos, História da cidadania, As religiões que o mundo esqueceu, O historiador e suas fontes, História na sala de aula, História dos Estados Unidos, Conversas com um jovem professor, O Brasil no Contexto – 1987 – 2017 e Diálogo de Culturas. Viaja bastante e observa professores e alunos em meios como comunidades indígenas no México, escolas da França, aulas no Norte da Índia, Vietnã e China. Sua meta de vida é ser lembrado como alguém que tentou ser um bom professor.