Conhecer os vizinhos é essencial para a diplomacia
Por Maria Ligia Prado para Folha de S.Paulo
O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, reformulou o currículo do Instituto Rio Branco, escola de formação dos diplomatas do Itamaraty, determinando mudanças controversas.
Dentre elas, a mais questionável é a exclusão da disciplina História da América Latina, que foi eliminada, de acordo com a justificativa do Itamaraty, porque seu conteúdo já é “amplamente exigido” no concurso de admissão ao curso.
Esse argumento, contudo, não se sustenta. Basta fazer uma rápida consulta às provas de ingresso ao Rio Branco para se verificar que são poucas as questões sobre América Latina. Enquanto essa disciplina vem ganhando cada vez mais espaço na academia, em consonância com o maior interesse da sociedade, ela segue sub-representada no histórico de questões do concurso.
Mas ultrapassado esse argumento inicial, o fundamental é compreender que, no campo das relações diplomáticas, a extinção da disciplina América Latina acarretará lacunas de grandes proporções na formação dos diplomatas brasileiros.
É preciso frisar que o estudo da história da América Latina, região geográfica onde o Brasil se insere, não é uma opção ideológica, mas sim necessária, pois é um imperativo universal das relações exteriores conhecer, antes de tudo, a história dos países limítrofes.
No caso do Brasil, essa regra tem sido uma constante. Menciono a seguir dois exemplos relacionados a períodos históricos bastante distintos. Refiro-me à atuação do Barão do Rio Branco como ministro das Relações Exteriores no começo do século 20 e à política externa do marechal Castelo Branco nos anos iniciais da ditadura.
Luís Cláudio Villafañe, em seu excelente livro sobre o Barão do Rio Branco, demonstra que o conhecimento da história da América Latina foi chave para o cerne da obra político-diplomática do barão. Seus estudos, inclusive sobre a geografia da região, se mostraram essenciais para a resolução das tensas disputas de fronteiras do Brasil com o Peru e com a Bolívia.
Em relação ao segundo exemplo, a política exterior brasileira, durante o governo do marechal Castelo Branco, definiu prioridades a partir de um critério geográfico, o dos círculos concêntricos. De acordo com a inovadora pesquisa de André Luiz Reis da Silva, os países latino-americanos seriam, para o Brasil, o principal e mais importante círculo. Quanto mais distante o país, menos relevância teria. O projeto de construção do “Brasil potência” supunha um processo de integração latino-americana, liderado pelo Brasil.
Em suma, nos diferentes regimes políticos citados e, ainda, em governos recentes de ideologias diversas, a história foi uma ferramenta imprescindível para a atuação diplomática brasileira.
Vale ressaltar, por fim, que problemas comuns afligem a todos nós latino-americanos, como migrações, refugiados, narcotráfico e contrabando. Cabe mencionar, ainda, a complexidade e a gravidade da crise que afeta a Venezuela, em que os conflitos têm se intensificado fortemente. Para que haja a compreensão das tensões e contendas do presente, o conhecimento histórico se impõe. Todas essas questões só poderão chegar a bom termo se tratadas a partir de políticas bem informadas e embasadas na história do nosso continente.
Fonte: Jornal Folha de S.Paulo
Para saber mais leia o livro História da América Latina, das autoras Gabriela Pellegrino, Maria Ligia Prado