Publicado em O São Paulo [Semanário da Arquidiocese de São Paulo], Ano 53 • nº 2.713 • 02 de setembro de 2008, p. A2.
Não só pessoas e animais abortam espontaneamente, por diferentes causas, mas também as plantas. Num seminário realizado na semana passada em São Paulo, sobre mudanças climáticas globais, um seleto grupo de cientistas das mais qualificadas instituições de pesquisa deste Estado reuniu-se para lançar um programa de dez anos de investigações para acelerar e ampliar estudos sobre o tema. Num passado relativamente recente, os cientistas previam que só em 2100 chegaríamos aos limites propriamente perigosos do aquecimento global. Nos últimos anos, esses limites foram recuando rapidamente e de fato já estamos sobre eles.
Está comprovado que já não haverá gelo nos verões árticos, o que poderá promover a morte das fontes de alimentos dos peixes e, em consequência, dos próprios peixes daquela região. A poluição do ar provocada pelos veículos movidos a combustível fóssil no mundo inteiro, sobretudo nos países ricos, pelas queimadas de matas no Brasil ou pelo uso do carvão vegetal na indústria chinesa vem intensificando a concentração de carbono na atmosfera e a elevação da temperatura Uma das consequências é o aborto de flores, que caem antes de se tornarem frutas.
Essas mudanças, em 70 anos tornarão o Nordeste brasileiro impróprio para o cultivo da maioria das plantas comerciais que lá são cultivadas, como o algodão e a cana. A soja, afetada pelo clima, já está em declínio no Rio Grande do Sul e dele desaparecerá. Num futuro muito próximo, dentro de uns 20 anos, os gaúchos serão cultivadores de café, coisa hoje impensável. Os catarinenses podem dar adeus às frutas. São Paulo será um mar de cana, mas um deserto de alimentos. Não só a elevação da temperatura responde pelo aborto de flores que inviabiliza a frutificação. A morte ou a migração de abelhas, devido à alteração da temperatura, afetará a polinização das flores e comprometerá a fertilidade das plantas. Tudo isso será visto por muitos de nós mesmos e, certamente, por nossos filhos. Vejo isso no meu quintal. Meu limoeiro começou a florescer continuamente fora da estação e morreu. Minhas fruteiras estão dando duas safras por ano, enlouquecidas, e estão definhando: uva, café, pitanga.
A ciência pode fazer muito para produzir o conhecimento necessário à adaptação do País a essas mudanças drásticas. E já está fazendo. É urgente mobilizar toda a competência científica das universidades brasileiras e das nossas instituições de pesquisa para mitigar o desastre que já começou.
José de Souza Martins, um dos mais importantes cientistas sociais do Brasil. Professor titular aposentado de Sociologia e professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Pela Contexto, publicou os livros A sociabilidade do homem simples, Sociologia da fotografia e da imagem, Fronteira, O cativeiro da terra, A política do Brasil lúmpen e místico, A Sociologia como aventura, Uma Sociologia da vida cotidiana e Linchamentos.