Por Matías M. Molina | Para o Valor Econômico, de São Paulo.
Durante a Segunda Guerra, quando os jornais informavam sobre o avanço das tropas do Afrika Korps do marechal alemão Rommel rumo ao Canal de Suez, um correspondente inglês, que ficara no bar do hotel, em lugar de ir ao campo de batalha, recebeu mensagem do seu editor: “Why no news?”. Em tradução muito livre: “Por que não manda notícias?”. Ele: “No news is good news” (“Falta de notícias é boa notícia”). Decisão final: “No news no money” (“Sem notícias não há dinheiro”). O jornalista perdeu o emprego. Essa história, certamente apócrifa, que circulou na Fleet Street, antiga rua da imprensa de Londres, não estaria fora de lugar no romance “Scoop” (“Furo! Uma História de Jornalistas” na edição brasileira), de Evelyn Waugh, sátira sobre correspondentes na guerra civil de país fictício da África.
Mas não reflete a figura do correspondente de guerra do imaginário popular, construída pelo cinema e pela própria imprensa, que o projetam como um corajoso jornalista disposto a enfrentar perigos e superar obstáculos para informar corretamente. Essas imagens estereotipadas dos correspondentes, como personagens de comédia burlesca ou como heróis da notícia, não se mantiveram quando os holofotes caíram sobre eles.
Talvez o melhor retrato do correspondente de guerra seja “The First Casualty” (“A Primeira Vítima”), de Philip Knightley. Ele confirma o conhecido ditado de que, numa guerra, a primeira vítima é a verdade; ou, como escreveu Rubem Braga, ele mesmo correspondente com a FEB na Itália, “em tempo de guerra, já é muito não mentir; dizer qualquer verdade é impensável”. Mas Knightley teve o cuidado de mostrar que, se houve correspondentes venais, outros correram riscos para informar o que achavam ser a verdade.
No Brasil, são poucas as obras que tratam do correspondente internacional, de guerra ou não, ou mesmo do jornalismo internacional. Num passado relativamente recente foram publicadas as reminiscências pessoais de alguns correspondentes. Entre elas: José Hamilton Ribeiro, “O Gosto da Guerra”; Sérgio Dávila e Juca Varella, “Diário de Bagdá”; Reali Jr., “Às Margens do Sena”; Fritz Utzeri, “Do Outro Lado do Mundo”. Neste ano saiu “Correspondente de Guerra“, de Diogo Schelp e André Liohn. Metade da obra é uma curta autobiografia de André Liohn, fotógrafo de guerra brasileiro que trabalhou para “Veja”, “Le Monde”, “Der Spiegel”, “Time”, “Newsweek” e a Cruz Vermelha, e recebeu o prestigioso prêmio Robert Capa Gold Medal, de fotojornalismo internacional.
É uma história pessoal que coloca com surpreendente franqueza sua luta com os problemas e dúvidas pessoais, a procura de um emprego ou de uma profissão e a descoberta da fotografia, que o levou a diversos países do Oriente Médio, Norte da África e da América. Fala dos perigos, dos amigos que fez e perdeu nas guerras, da adrenalina, dos riscos inúteis que correm voluntariamente alguns correspondentes, do comportamento irresponsável ou pouco ético de outros. Diz que nunca viu um jornalista armado cobrindo um conflito, mas viu estrangeiros fanáticos por guerras que usam a fachada de “jornalista”. O livro inclui fotografias, a maioria sobre as vítimas da guerra, que Liohn fez no Haiti, na Líbia e Somália.
Schelp, editor-executivo de “Veja”, resume a história da correspondência de guerra, principalmente nas guerras da Crimeia, da Secessão americana, Primeira e Segunda Guerras Mundiais, a Guerra Civil Espanhola, assim como as mais recentes no Vietnã e no Oriente Médio, que receberam atenção maior. A divulgação desses eventos, raramente mencionados nas faculdades de comunicação ou nos trabalhos sobre a imprensa, é bem-vinda.
Algumas afirmações, porém, são pouco precisas. Diz que é atribuído a “The Times” de Londres o pioneirismo na cobertura profissional de guerra; menciona, como prova, que em 1792 o jornal abriu vaga para alguém que falasse francês e se dispusesse a documentar a Revolução Francesa, mas que se tratava de um caso isolado. “The Times”, realmente, procurou em setembro desse ano um cavalheiro capaz de traduzir a língua francesa e com conhecimentos da política europeia. Ofereceu emprego permanente e um bom salário. Mas para trabalhar na redação em Londres, não no exterior. Poucos meses antes, o jornal tinha nomeado novos correspondentes em Bruxelas e Paris.
O livro lembra, corretamente, que a “Gazeta de Lisboa” não foi capaz de noticiar de maneira condizente o terremoto de 1755 em seu país e acrescenta: “Fazê-lo em conflitos em outras partes da Europa, portanto, era inimaginável”. Na verdade, o jornal informava melhor sobre os eventos da Europa que sobre os de Portugal. As notícias do reino eram evitadas ou escritas com extrema precaução.
A cobertura do terremoto foi sintomática. Quase toda Lisboa foi destruída e milhares de pessoas morreram. A “Gazeta” disse, em escassas linhas, que terremotos e incêndios arruinaram grande parte da cidade, “mas tem havido a felicidade de se acharem na ruína os cofres da fazenda real e da maior parte dos particulares”. Na edição da semana seguinte mencionou “os horrorosos efeitos do terramoto” em Lisboa, mas dedicou seis páginas a seus efeitos nas cidades espanholas de Córdoba, Sevilha e Cádiz.
Schelp enfatiza que os correspondentes de guerra correm maiores perigos hoje do que no passado, pois são percebidos como agentes de propaganda de seus governos. A cada ano dezenas de jornalistas morrem ou são sequestrados; alguns libertados mediante resgate, outros mortos depois de anos de cativeiro. A Guerra Civil da Síria, diz, inaugurou uma nova onda de raptos e assassinatos de jornalistas.
Constata o autor que os correspondentes de guerra são raridade no jornalismo brasileiro, uma vez que o país está distante das regiões conflagradas. Menciona sua presença em conflitos internos. Registra a publicação de “O Povo”, jornal oficial da Revolução Farroupilha (1835-45); a Guerra do Paraguai (1875-70) na qual oficiais do Exército enviavam relatos ao “Jornal do Commercio”. Da Guerra de Canudos (1896-97), ele assinala a correspondência de Euclides da Cunha para “O Estado de S. Paulo” e a excelente cobertura de Manuel Benício para o “Jornal do Commercio”. As limitações do livro 204 páginas de pequeno tamanho podem ter desencorajado uma pesquisa mais ampla.
Afirma que o gaúcho José Cândido Gomes, que cobriu a Guerra do Paraguai para o “Jornal do Commercio”, é considerado o primeiro correspondente de guerra brasileiro. Mas talvez seja possível incluir João Soares Lisboa nessa categoria. Ele publicava o “Correio do Rio de Janeiro” quando foi desterrado por D. Pedro I. O navio que o levava ao exílio fez escala no Recife quando ocorria a revolta da Confederação do Equador. Ele desembarcou, aderiu ao movimento, publicou quatro números do jornal o “Dezengano aos Brazileiros” e morreu numa emboscada em Couro d’Anta em novembro de 1824. E é normalmente esquecido que o “Jornal do Commercio” manteve um correspondente em Montevidéu, Alfredo Bastos, que informou sobre as guerras na região do Prata, e teve cobertura própria da Guerra de Secessão dos EUA, da Guerra FrancoPrussiana e das crises no Oriente Médio. O autor constata que os correspondentes de guerra são raridade no jornalismo brasileiro, pois o país está distante das regiões conflagradas.
Na Segunda Guerra houve jornalistas brasileiros nas frentes de batalha, especialmente na Itália com a Força Expedicionária Brasileira (FEB); Barreto Leite Filho acompanhou o avanço das tropas aliadas no Norte da África. Mas não é mencionada a participação de Paulo Duarte. Ele disse que, “quando fui expulso (do Brasil), pela primeira vez, fui nomeado correspondente do Estado no estrangeiro. Depois, veio a Guerra. Eu já estava expulso pela segunda vez, e fui nomeado correspondente do Estado de Guerra. Tanto que estive na Linha Maginot (na França) durante a Guerra”.
Louis Wiznitzer, do “Diário de Notícias do Rio”, jornal já desaparecido, tentou ir a Sierra Maestra, em Cuba, para entrevistar Fidel Castro, mas foi preso pela polícia de Fulgencio Batista num hotel de Havana. Ele só falaria com Fidel, anos depois, num hotel de Nova York.
Schelp assinala que, nas últimas décadas, a imprensa brasileira esteve presente e cobriu os principais centros de conflito: Guerra dos Sete Dias, Vietnã, Golfo Pérsico, Balcãs, Iraque, Líbia, Síria, e destaca as atividades de correspondentes. Dorrit Harazim esteve no Camboja para a revista “Veja”. José Hamilton Ribeiro, no Vietnã pela revista “Realidade”, perdeu uma perna ao pisar numa mina terrestre. Luiz Edgard de Andrade foi freelancer no Vietnã de várias publicações. Faltou mencionar que Antonio Callado, do “Jornal do Brasil”, conseguiu chegar a Hanói e foi o único jornalista sulamericano a informar a partir do Vietnã do Norte.
O autor traça breve perfil de vários correspondentes de guerra brasileiros contemporâneos e relata suas experiências, problemas de segurança e as situações de risco que enfrentaram no Oriente Médio e Norte da África. A publicação deste livro serve para lembrar como a bibliografia brasileira sobre a informação internacional na imprensa é chocantemente escassa. Obras que vão além da experiência pessoal dos jornalistas e mostram um panorama mais amplo podem ser contadas com os dedos de uma mão.
A mais específica é “A Primeira Guerra Mundial e a Imprensa Brasileira”, do antigo correspondente Sidney Garambone, pequeno livro de 112 páginas, adaptado de sua dissertação de mestrado. Registra como o Brasil reagiu ante esse conflito e como foi coberto pelo “Jornal do Commercio” e o “Correio da Manhã”. É um dos poucos trabalhos dessa natureza talvez o único publicado no país.
Cabe uma observação. O autor diz que nenhum correspondente brasileiro informou sobre a guerra, afirmação repetida e atribuída a ele pelos outros três livros aqui resenhados. Mas Azevedo do Amaral escreveu de Londres para o “Correio da Manhã” e foi expulso, e “O Estado de S. Paulo” manteve um escritório em Roma a cargo de Nicolau Ancona Lopez que, segundo Paulo Duarte, melhorou sensivelmente o serviço de informações europeias do jornal.
Obra mais genérica é “Jornalismo Internacional”, de João Batista Natali. Talvez a mais elaborada e detalhada seja “Correspondente Internacional”, de Carlos Eduardo Lins da Silva. Os dois foram correspondentes. Ambos mostram como trabalham os correspondentes da imprensa europeia e americana. Suas observações e comentários ainda hoje, anos depois de publicados, continuam sendo uma leitura atraente. Lins da Silva, por exemplo, relata a experiência de dois jornalistas, John Reed, famoso pela cobertura das Revoluções Mexicana e Russa, e William L. Schirer, sobre a Alemanha de Hitler.
Natali e Lins da Silva dão atenção aos correspondentes brasileiros dos últimos tempos, mas sem idealizar a função. Onde esses livros ficam aquém da expectativa é nas informações sobre a evolução do jornalismo internacional brasileiro. Repetem os mesmos equívocos das fontes em que se baseiam. Seguem alguns exemplos.
Uma das obras afirma que os jornais das primeiras décadas da imprensa brasileira se concentravam na política interna e que o noticiário exterior esteve ausente ou pouquíssimo frequente. No entanto, uma consulta às hemerotecas mostra uma contínua presença da informação internacional. Diz também que no dia 1º de agosto de 1874, o “Jornal do Commercio” trazia as duas primeiras notícias internacionais que o Brasil publicava simultaneamente com os jornais europeus e que em 1877 a agência Reuter Havas abria uma sucursal no Rio. Na verdade, o “Jornal” já vinha publicando informação telegráfica do exterior desde o dia 25 de junho de 1874 e o “Jornal de Recife” desde 30 de junho; a agência Havas Reuter tinha escritório no Rio desde julho desse mesmo ano.
É, portanto, surpreendente a informação de que o primeiro jornal brasileiro a usar o serviço telegráfico foi “A Notícia”, em 1895, sobre a Guerra da Independência de Cuba.
Quem foi o primeiro correspondente internacional brasileiro? Um dos livros afirma que provavelmente o primeiro com trabalho remunerado e estável foi João do Rio, pseudônimo de Paulo Barreto, enviado em 1918 pelo diário “O Paiz” para cobrir o armistício de Versalhes, que pôs fim à Primeira Guerra. Meses mais tarde, o “Correio da Manhã” mandou Assis Chateaubriand para escrever sobre o pós-guerra na Alemanha. Alberto Dines diz que Ruy Barbosa foi um precursor do correspondente internacional quando, exilado em Londres, escrevia para o “Jornal do Brasil”.
No entanto, antes deles, em 1890, Olavo Bilac foi enviado a Paris como correspondente da “Cidade do Rio”, de José do Patrocínio. Conta ele que vivia “modestamente mas com conforto” com o ordenado pago pelo jornal, que lhe permitia comprar alimentação, hospedagem, teatro e carro de aluguel. Escreveu a coluna “Jornal da Europa” e voltou ao Brasil no ano seguinte.
O “Jornal do Commercio” disse que em 1833-34 instalou um serviço regular de correspondentes. De Paris escreveram o barão de Sant’Anna Nery, Roberto de Mesquita e José da Gama e Castro, que também foi correspondente em Berlim. Joaquim Nabuco escreveu de Londres. Eça de Queiroz foi correspondente na Inglaterra e na França da “Gazeta de Notícias”.
Eles não se dedicavam ao jornal com exclusividade. Mas eram contratados para escrever determinado número de matérias por mês e recebiam pagamento fixo. Somente na segunda metade do século XX é que a imprensa brasileira manteve respeitável contingente de correspondentes exclusivos no exterior. Como foi mencionado, há grande escassez de trabalhos sobre correspondentes, jornalismo e informação internacional no Brasil.
O tema é relevante para o país. As notícias internacionais, sua procedência, tratamento, análise e eventuais distorções modelaram a percepção que o Brasil teve do exterior. Com o telégrafo submarino, o fornecimento dessas informações foi, durante décadas, o monopólio virtual da agência francesa Havas, cuja orientação política era dada pelo Ministério das Relações Exteriores. Posteriormente, a maioria das notícias veio de agências americanas ou inglesas.
Isto é, o Brasil viu o mundo externo guerras, tratados, temas econômicos, convulsões sociais e mudanças políticas por meio de olhos estrangeiros. A perspectiva brasileira foi dada somente por alguns raros correspondentes.
Fundamental como é, para estabelecer a posição do Brasil em relação ao mundo exterior, o assunto despertou pouco interesse entre os estudiosos das relações internacionais e nas faculdades de comunicação. A escassa bibliografia existente é obra de jornalistas.