Não tenho prazer em reconhecer, mas me conformei com a ideia de que nós, brasileiros, somos maníaco-depressivos: passamos com facilidade da alegria máxima, da euforia até, para a tristeza, o desânimo total. Estabilidade, moderação e equilíbrio soam para nós como defeitos de caráter, não como virtudes oriundas de uma percepção madura de mundo. Esse bipolarismo nacional pode ser até medido em pesquisas sobre otimismo e pessimismo, satisfação e insatisfação com relação a diferentes assuntos.
Agora mesmo, nesse período pós Copa do Mundo da Rússia, enquanto alguns apenas revelam sintomas compreensíveis de Síndrome de abstinência (é duro trocar o encanto de uma Copa pelo Campeonato Brasileiro), outros se ocupam em ridicularizar e odiar um único jogador, Neymar. Agora ele é o inimigo número um, o fingidor, o enganador, o cai-cai, o falso, o blefe. Esse mesmo Neymar, que apenas um mês atrás era visto por muitos como o melhor do mundo, o salvador da Pátria, superior e mais criativo do que Cristiano Ronaldo e Messi juntos. Levianamente, o comparavam a Maradona e até a Pelé… Confesso que me causa certo asco ouvir comentaristas esportivos lembrarem só agora de seus defeitos, eles que ainda há pouco se davam conta apenas das virtudes do jogador. Pois esses oportunistas (e/ou bipolares) têm grande parte da responsabilidade pelo fracasso de Neymar na Copa. Mas não só eles. Também temos nossa parcela de culpa.
Somos muito condescendentes para com nossos iguais. Rígidos somos para com os diferentes. Separamos, facilmente, os bons dos maus (estes devem ser caçados, apodrecer na cadeia, trucidados… tem gente que é a favor de liberdade de porte de armas “para os bons”. Quem define? Sacerdotes? O Papa? Deus, em pessoa? Quem sabe essa será mais uma atribuição do nosso Supremo Tribunal Federal). Em compensação, passamos a mão na cabeça de nossos filhos, mesmo quando eles cometem deslizes sociais sérios (beber e dirigir? “É da idade”. Experimentar drogas? “Faz parte da educação sentimental”. Abusar de alguma menina indefesa? “Todo garoto tem que passar por isso, mas que seja com camisinha”. Atropelar alguém? “Coitado do rapaz, experiência horrível”.). Fracassos escolares são vistos como algo natural. Ficar até os 30 anos morando na casa dos pais e ter suas cuecas lavadas pela mamãe nos parece perfeitamente razoável.
O resultado é óbvio. Agora mesmo, nossos mimados jovens heróis foram fazer o exame do Pisa, uma avaliação mundial realizada para comparar o grau de conhecimento das disciplinas, assim como sua competência socioemocional. Notas? Desastrosas. Em Ciências, por exemplo, os brasileiros chegaram em 65º lugar, num total de 70 países. Mas o pior, enquanto apenas 6% dos finlandeses e 18% dos colombianos deixaram de responder todas as questões (ou seja, desistiram de fazê-lo, ou não souberam distribuir adequadamente o tempo), 61% dos brasileiros desistiram do exame antes de terminá-lo. “Estava difícil, mamãe”. “Cansei, papai”. “Não brinco mais, técnico Tite, tem gente querendo me pegar”. “Tudo bem, querido, seus dois cabeleireiros resolvem seu problema”.
Estudiosos da educação usam a palavra da moda, resiliência, para definir o que falta aos nossos jovens que nós mimamos e estragamos. O fato é que estamos correndo rapidamente para o abismo se não conseguimos sequer preparar adequadamente as novas gerações para o mundo competitivo que está aí, queiramos ou não, e que se tornará cada vez mais competitivo. Preparar os jovens para o mundo real não é educá-los sem amor. Pelo contrário. Amá-los implica em dotá-los de instrumentos adequados para viver a vida, para que não fujam do embate fingindo que foram agredidos e derrubados. Os juízes do mundo real possuem numerosas câmeras de vídeo que acabam mostrando a verdade, como no futebol de hoje. Ao não concluírem suas provas, seis em cada dez jovens brasileiros demonstraram não estarem preparados não apenas para vencer, mas para competir.
Nenhuma nação alcançou sucesso sem ter feito uma revolução educacional. Países de diferentes regimes políticos, em diferentes épocas da História, superaram seus limites aparentes a partir de um investimento maciço em educação. Coreia, Japão, Israel, por exemplo, países com território pequeno, sem grandes recursos naturais, tornaram-se polos tecnológicos de primeira grandeza.
Até quando nos jogaremos no chão esperando que os juízes roubem a nosso favor?
Por Jaime Pinsky: Historiador, professor titular da Unicamp, autor ou coautor de 30 livros, diretor editorial da Editora Contexto.