Magda Soares tinha algumas convicções, como todos nós. Mas, para Magda, as verdades eram fruto de muito estudo, e suas convicções, decorrentes de longa e intensa experiência, de arregaçar as mangas e testar se e como a teoria resistia à prática. Magda não tinha o perfil da intelectual que delimita um pequeno campo de trabalho, finca nele suas bandeiras e não deixa ninguém chegar perto, nem se situava no outro extremo, daquele que despreza o conhecimento acumulado, esgrima com seu trabalho cotidiano e se recusa a aceitar o saber sedimentado e publicado nos livros durante séculos. Não! Para ela, como poderá conferir o leitor nas páginas deste pequeno grande livro, o saber e a aplicação do saber se completam, se fundem. Teoria e prática são faces da mesma moeda. Um não deve viver sem o outro. Quem a conhecia na academia, lendo em várias línguas, sempre atualizada, poderia não imaginar que essa mulher valente se deslocava fisicamente para ver se e como suas ideias e teorias (particularmente as relativas a alfabetização e letramento) estavam funcionando no dia a dia. Quem a conhecia apenas orientando suas professoras no valente labor cotidiano dificilmente poderia supor o enorme cabedal de teorias que foram matéria-prima dessa mulher que, para mim, foi a maior educadora que este país teve. Incluindo todas e todos.

Tive a felicidade de conhecê-la em Brasília, quando fizemos parte de uma comissão criada pelo Ministério da Educação para concretizar um projeto destinado a montar uma pequena biblioteca para os professores das disciplinas escolares básicas. Era um grupo variado, com autores, educadores, historiadores etc. Vindos de lugares e formações distintos, tínhamos em comum a vontade de melhorar a nossa escola, formar alunos mais capazes e, principalmente, alfabetizá-los bem. Era um grupo responsável e qualificado, que fez um bom trabalho. Para mim, que estava começando a Editora Contexto (depois de uma feliz carreira universitária como historiador), conhecer Magda e suas ideias me mudou bastante e criou uma amizade tão profunda que foi passada para meus filhos. Ficamos tão próximos que ela confessou, brincando, estar “virando uma Pinsky”. Publicar seus livros mais importantes foi, para nós, não um ato corriqueiro ou obrigatório, mas uma alegria, pois estávamos dando espaço e voz a uma mulher e educadora única, culta, responsável, consciente de seu papel – e, não posso deixar de revelar, extremamente carinhosa. Como ficou evidente em sua relação com meu filho Daniel e, especialmente, com minha filha Luciana, com quem acertou todos os detalhes da publicação de Alfaletrar. Foi um processo invejável e lindo de se ver a construção de uma obra única que justifica uma vida e a vida de uma editora.

O Jabuti de melhor livro do ano em todas as áreas de não ficção que ela ganhou nos deixou, a todos, muito felizes, mas não surpresos. Não poderia haver pessoa mais adequada para o prêmio.
Jaime Pinsky é historiador e editor. Completou sua pós-graduação na USP, onde também obteve os títulos de doutor e livre-docente. Foi professor na Unesp, na própria USP e na Unicamp, onde foi efetivado como professor adjunto e professor titular. Participa de congressos, profere palestras e desenvolve cursos. Atuou nos EUA, no México, em Porto Rico, em Cuba, na França, em Israel, e nas principais instituições universitárias brasileiras, do Acre ao Rio Grande do Sul. Criou e dirigiu as revistas de Ciências Sociais, Debate & Crítica e Contexto. Escreve regularmente no Correio Braziliense e, eventualmente, em outros jornais e revistas.