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Não Vá – Jaime Pinsky

É verdade que a situação política por aqui está feia, que tem gente perdendo emprego, que o dinheiro que falta para a Educação sobra nas mordomias usufruídas por membros dos três poderes.

É verdade que a Petrobrás é a única petrolífera do mundo a dar prejuízo, por conta da má administração e da roubalheira desenfreada, enquanto os bancos privados batem recordes de lucro a cada semestre.

É verdade que ainda temos capitais sem um único metro de rede de esgoto e que o estado mais rico da federação está com falta de água e com sobra de dengue.

É verdade que o álcool continua sendo consumido descontroladamente, que motoristas irresponsáveis não param de matar e mutilar milhares de brasileiros, sem que se tome medidas sérias contra este nosso hábito de “beber socialmente” e dirigir. Também é verdade que o asfalto das ruas de nossas cidades é esburacado, que os trajetos são mal sinalizados, que um assaltante pode estar de tocaia em cada congestionamento e em cada farol fechado.

É verdade que os críticos das “elites” tomam vinho de 3000 reais (sem problemas, já que a origem do dinheiro são “consultorias” pra lá de suspeitas). É também verdade que ainda se elogia a ignorância, que se valoriza a falta de cultura, que ler e considerado chato, que alegria é quase sempre sinônimo de ruído (sem consideração pelos vizinhos).

É verdade que resquícios da escravidão estão presentes no nosso cotidiano, no preconceito nosso de cada dia, no horror que ainda temos ao trabalho físico, no amor ao bacharelismo. Está presente ainda no paternalismo típico das senzalas que, em vez de oferecer oportunidades (liberdade, boa escolaridade) prefere ser paternalista, dando peixes e não ensinando a pescar.

É verdade que remédios custam mais caro aqui do que na Suíça, camisas mais do que na Itália, brinquedos mais do que em Orlando, refeições mais do que na França, automóveis mais do que no mundo inteiro. Já a cachaça e a cerveja são baratas.

É verdade que viver na periferia (onde a maioria mora) é muito perigoso, que caminhar à noite é arriscado e que engolir o óleo diesel dos veículos provoca doenças respiratórias.

É verdade que criamos leis que não pegam, mas em compensação temos “não leis” que pegam. A pena de estupro nas prisões não existe no nosso código penal e é aplicada sistematicamente, como se tivesse sido aprovada pelo legislativo e referenciada pelo Supremo…

É verdade que nossos motoristas não sabem como dirigir: nas estradas andam pela pista do meio em baixa velocidade (brasileiro que se preze não vai pela pista da direita); nas cidades não dão seta, fazem conversões em diagonal, não sabem que pisca alerta é só quando se para o carro, não usam farol quando devem (e quando usam, ligam o farol alto), estacionam na frente de garagens e em ponto de ônibus e não respeitam faixa de pedestres.

É verdade que pais desejosos de uma boa educação para seus filhos acabam colocando-os em caríssimos guetos educacionais, onde as crianças estabelecem vínculos exclusivamente com seus supostos iguais. A escola, que deveria ser espaço democratizante, não passa de mais uma (talvez a mais importante) reprodutora de desigualdade.

Tudo isso é verdade, e há muitas outras verdades desagradáveis em nosso país. Por um lado, isto é ruim. Por outro, isto mostra que há muito para se fazer no Brasil. Por isso mesmo viver e trabalhar aqui dá uma sensação de que podemos ser uteis, temos condição de fazer algo para quem precisa. Há muito por fazer por aqui e isto nos ajuda a dar um sentido às nossas vidas. Você que está lutando por um passaporte da União Europeia ou por um Green Card americano, você tem certeza de que quer viver em um país já constituído, já formado, com sua identidade nacional já definida, para o bem e para o mal?

Nosso país ainda não está pronto. Você pode ajudar a construí-lo, colocar a sua pedra, o seu cimento, plantar a sua árvore, arrancar as ervas daninhas que proliferam por aqui.

Não vá. Fique por aqui com sua competência e sua honestidade. Melhore nosso país. Ele precisa de você.

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Por Jaime Pinsky, historiador, professor titular da Unicamp, diretor da Editora Contexto, autor de Por que gostamos de história, entre outros livros.

(Artigo publicado no jornal Correio Braziliense, em 08/06/2015)

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