A polêmica quase interminável que envolve o ensino de teoria e análise gramatical no Brasil parece estar tomando um rumo em direção aos novos conhecimentos científicos proporcionados pela moderna Linguística brasileira, e devemos ficar felizes por isso. Nos últimos anos, as teorias de análise funcional da linguagem têm assumido forte protagonismo no mercado editorial nacional. Muito mais adequadas para o ensino em sala de aula, entre outras razões, porque levam em consideração a língua dos falantes e usam textos reais do português brasileiro como objeto de estudo, essas teorias permitem um ensino muito mais prazeroso e produtivo na educação básica se comparado ao que as gramáticas tradicionais proporcionam com suas intermináveis listas e regras para memorização.
Nesse campo das novas produções que orientam professores de educação básica a como trabalhar com crianças e adolescentes, o prof. Ferrarezi, a despeito de ser um pesquisador semanticista de carreira, tem certo destaque com uma respeitável coleção de obras que apontam para uma nova forma de ensinar. Especificamente no campo do ensino de gramática, sua produção dedicada aos professores da educação básica começa com Qual é o problema das gramáticas normativas?, que explica a necessidade de se alterar a base de referência no ensino, avança com Semântica para a Educação Básica, oferecendo os alicerces do conhecimento semântico para a educação básica pela primeira vez no país, e segue com a apresentação da teoria gramatical de natureza funcional com as obras Sintaxe para a educação básica, O estudo dos verbos na educação básica, Guia de acentuação e pontuação em português brasileiro e, agora, fechando o ciclo de obras sobre gramática, com o lançamento de Morfologia para a educação básica, estes quatro últimos pela Editora Contexto. Como podemos ver com essas obras, o professor de educação básica pode contar com material que abrange toda a formação gramatical de seus alunos, de maneira que não há mais necessidade de recorrer a gramáticas tradicionais se assim o professor não desejar.
Em seu mais recente lançamento, o prof. Ferrarezi mostra que a estrutura gramatical do português brasileiro é, funcionalmente falando, muito diferente daquela que as gramáticas de cunho normativo apresentam. Por exemplo, para as pretensas dez classes de palavras que se diz haver na língua, o livro demonstra que há, na verdade, apenas cinco classes funcionais, o que facilita enormemente o ensino aos alunos menores. Quando se pensa em listas de palavras, o livro demonstra que tais recursos são inúteis, uma vez que as palavras mudam de categoria lexical o tempo todo. Enfim, o livro traz uma abordagem moderna e muito mais eficiente da estrutura linguística do português que falamos e usamos para escrever, sempre fazendo uma ponte com seu “livro-irmão” Sintaxe para a educação básica.
O percurso de conteúdo do livro é intuitivo e é o mesmo que o autor recomenda que seja seguido para o ensino em sala. Começando pelo estudo das formas e dos morfemas que aquelas contêm, o livro avança pela morfologia interna explicando como as palavras são construídas em português, como entender sua estrutura e formação, mas isso de uma maneira leve e repleta de dicas práticas de análise. Aliás, como em todos os livros dedicados aos professores de educação básica, o autor – que foi professor de educação básica por vários anos – sempre apresenta um valioso conjunto de dicas, sugestões de atividades e de avaliações que, por si só, já valeriam um livro de cunho pedagógico para o ensino de língua materna. Mas, isso tudo vem relacionado, parte a parte, com o conteúdo sobre gramática, o que torna o livro uma referência obrigatória para professores de nível básico.
O livro avança, depois, para as formas de conceber as chamadas “classes de palavras”, demonstrando que as formas enciclopedistas usuais são muitas vezes falseadas pela adoção de critérios errados, o que acaba gerando excessiva subdivisão em subclasses inúteis e uma terminologia complicada e inadequada para crianças e adolescentes. Mas, não se trata apenas de desconstruir, senão de apresentar alternativas para esse tratamento do objeto estudado. Assim, o professor tem uma relação permanente entre a teoria tradicional e suas incoerências e a forma funcional de apresentação do conteúdo gramatical na escola.
Fruto de anos de pesquisas e experimentação, Morfologia para a educação básica termina com um capítulo em que se explica como as propriedades funcionais das palavras permitem certos tipos de ligações sintáticas e não permitem outros, o que constrói a ponte perfeita para um segundo livro, já aqui citado, que é Sintaxe para a educação básica. Ademais, em toda a obra, o tratamento sempre aponta para os limites necessários ao ensino da morfologia no nível básico de ensino, uma vez que se trata de oferecer bases coerentes para a análise linguística e não de criar “linguistas-mirins” nos anos finais do ensino fundamental.
Como se pode ver, essa nova obra do prof. Ferrarezi oferece aos professores do ensino básico brasileiro a complementação de que eles precisavam para poderem adotar uma forma mais moderna e eficiente de ensino, qual seja a metodologia funcionalista de ensinar gramática e análise gramatical. Com essas bases, o professor da educação básica poderá se sentir muito mais seguro em seu trabalho e, certamente, seus alunos se sentirão muito mais satisfeitos por compreender como sua língua funciona sem ter que passar a noite decorando listas de prefixos gregos e latinos para a prova do dia seguinte. Vale mesmo a pena conferir!
Celso Ferrarezi Junior é professor titular de Semântica do Instituto de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal de Alfenas. Também é responsável pelas disciplinas de Morfologia e Sintaxe no curso de Licenciatura em Letras – Português. É autor de vários livros dirigidos aos professores de língua portuguesa na educação básica, entre os quais podem ser citados Sintaxe para a educação básica, O estudo dos verbos na educação básica e Guia de acentuação e pontuação em português brasileiro, os três publicados pela Editora Contexto.