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Método de pesquisa em Antropologia | Lançamento

Assunto: A história da humanidade. A ciência da Antropologia lida com a história da sociedade humana. Ela difere da história no sentido mais restrito do termo, pois suas pesquisas não se limitam aos períodos para os quais os registros escritos estão disponíveis e aos povos que desenvolveram a arte da escrita. As pesquisas antropológicas se estendem por toda a humanidade, independentemente do tempo e do espaço. A pesquisa histórica se estende hesitantemente para além do domínio dos registros escritos. Restos arqueológicos e posteriores, e sobreviventes dos primeiros tempos antigos que persistem na cultura moderna, são utilizados para estender o espaço de tempo e preencher detalhes para os quais os registros escritos não estão disponíveis. Nessas buscas, os campos da Antropologia e da História estão em estreito contato.

Método de pesquisa em Antropologia | Lançamento
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Como a Antropologia trata da humanidade como um todo, o problema do surgimento do ser humano e sua ascensão das formas inferiores, a diferenciação das raças humanas e o desenvolvimento das línguas e das formas culturais estão incluídos em seu campo de pesquisa. Toda manifestação da vida humana deve ser utilizada para esclarecer a marcha dos acontecimentos históricos.

Na pesquisa antropológica relacionada aos tempos e aos povos primitivos, o indivíduo raramente aparece. Para os tempos pré-históricos não existe registro de atividade individual, e a tradição dos povos iletrados não dá nenhuma pista de valor considerável ou confiabilidade para esclarecer a influência dos indivíduos sobre os eventos históricos. Na história geral da humanidade, o indivíduo desaparece no grupo social ao qual pertence. Entre os povos sem escrita, os processos dinâmicos que moldam a história devem ser estudados principalmente por meio da observação das gerações vivas.

Métodos: Arqueologia. Pode-se perguntar se é possível reconstruir a história da humanidade quando não há registros escritos dos eventos. Os restos arqueológicos podem ser colocados em ordem cronológica por um estudo da sequência de jazidas em que são encontradas. Em condições favoráveis, como na Escandinávia, a regularidade das jazidas permite inclusive uma determinação cronológica bastante precisa de sua idade. Em outros casos, também é possível uma cronologia absoluta aproximada por meio de provas geológicas ou outra evidência.

Algumas vezes os vestígios podem ser datados por meio de associação com objetos de idade conhecida que pertencem a culturas vizinhas para as quais há registros escritos disponíveis. Assim, muitos dos restos de culturas passadas da Europa foram datados com um grau razoável de confiabilidade. Os registros escritos do Egito e da Ásia Ocidental lançam luz sobre a história dos povos europeus contemporâneos que conheciam a escrita.

A Arqueologia, no entanto, não pode fazer mais do que nos dar um registro parcial da vida do ser humano. Quanto mais antigo o tempo da jazida e quanto mais desfavorável o clima para a preservação dos objetos, mais fragmentários serão os vestígios, pois somente o material mais resistente permanecerá além da devastação do tempo. Mesmo nas condições mais favoráveis, somente os vestígios da cultura material do ser humano serão preservados. Nada relativo aos aspectos intangíveis da vida pode ser resgatado com a ajuda da pá. Assim, podemos aprender sobre os tipos de esqueletos, os implementos e utensílios utilizados, as etapas de sua fabricação; mas nenhuma informação sobre línguas, costumes e crenças está disponível. Estes são evanescentes, e não haveria maneira de recuperá-los se não deixassem vestígios na vida das gerações posteriores.

Métodos: Comparativo. A ciência da linguística mostra mais claramente como e em que medida as condições encontradas no momento atual podem ser utilizadas para reconstruir o passado. A história escrita de algumas línguas europeias transporta-nos para períodos que remontam a séculos antes de nossa era. O sânscrito é conhecido por períodos ainda mais antigos. A ciência linguística, comparando as formas atuais de fala e seu desenvolvimento conhecido, permitiu-nos reconstruir a história das palavras e das formas gramaticais e demonstrar que a maioria das línguas da Europa e muitas das línguas da Ásia Ocidental derivam de uma origem basilar comum que, com o passar do tempo, deu origem à diferenciação das línguas modernas. A língua antiga não pode ser reconstruída, mas as formas prováveis de muitas raízes e, em parte, a maneira de seu tratamento gramatical, podem ser descobertas. A comparação de formas relacionadas lança luz sobre a história de sua diferenciação. A experiência tem mostrado que estudos desse tipo, particularmente em línguas para as quais não existem registros históricos, devem ser realizados com muita cautela, porque as semelhanças acidentais que ocorrem nas formas de fala de partes remotas do mundo podem facilmente dar uma impressão errônea de relacionamento. Por essa razão, a contiguidade geográfica não deixa de ser importante na interpretação de semelhanças isoladas em vocabulário ou gramática.

Limitações do método comparativo. O estudo de formas culturais pode se valer de métodos semelhantes. A distribuição geográfica dos mesmos traços culturais ou de traços culturais decididamente semelhantes pode ser utilizada para a reconstrução da difusão e desenvolvimento cultural. Quando ocorrem apenas semelhanças culturais leves e acidentais, é necessário cautela ao assumir conexões históricas.

Um dos maiores problemas metodológicos da Antropologia é saber até que ponto a distribuição geográfica dos fenômenos culturais pode ser utilizada para a reconstrução histórica. A simples conexão histórica pode ser interpretada de diversas maneiras, pois normalmente não há provas de sequência cronológica. A difusão pode ter ocorrido em pelo menos duas direções opostas, de modo que talvez seja impossível determinar a origem dos elementos culturais. Também não se tem certeza se determinada fase da cultura não é antes o desenvolvimento local de um traço antigo amplamente difundido que floresceu do que a fonte da qual surgiu o traço mais generalizado.

Problemas semelhantes nos confrontam, embora não na mesma medida, no estudo da forma física. Quando o mesmo tipo físico ocorre entre os habitantes de países vizinhos, há poucas dúvidas quanto à sua origem comum. Quando pequenas semelhanças são encontradas em regiões distantes, é concebível que isso se deva à origem comum ou ao desenvolvimento biológico paralelo.

O estudo da distribuição geográfica das semelhanças, se utilizado com a devida cautela, é um meio de esclarecer parte da história da humanidade. Os materiais assegurados por esses métodos revelam pelo menos um retrato fragmentado de seu percurso.

Problemas das leis de desenvolvimento histórico. Quando esses dados são reunidos, surge a questão se eles apresentam um quadro ordenado, ou se a história prossegue ao acaso; em outras palavras, se um desenvolvimento ortogenético das formas humanas pode ser descoberto e se uma sequência regular de estágios de desenvolvimento histórico pode ser reconhecida. Se isso fosse verdade, poderiam ser formuladas leis definitivas que governassem as sequências históricas.

Sequências históricas. Esses problemas podem ser abordados a partir de dois pontos de vista. Podemos comparar as sequências observadas e ver se em todas as partes do mundo elas se enquadram em ordem regular ou se cada área tem seu próprio caráter peculiar que não é comparável com as sequências observadas em outros distritos.

Dinâmica de mudança. Podemos também estudar as mudanças que estão acontecendo diante de nós em vários países e observar como elas são provocadas. Se forem encontradas fontes homólogas de mudança, elas podem ser chamadas de leis de mudança social, e podemos esperar que se manifestem em todos os países e entre todos os povos. As mudanças biológicas, linguísticas e culturais podem ser estudadas sob este ângulo. Para essas pesquisas, temos que entender as interrelações entre indivíduo e sociedade: a vida do indivíduo controlada por sua experiência social, e as modificações que a sociedade sofre por meio das ações dos indivíduos. Devemos também questionar se a sociedade como um todo sofre mudanças autônomas, biológicas, linguísticas e culturais, nas quais o indivíduo desempenha um papel passivo. Podemos chamar esse assunto de dinâmica de mudança cultural.

Desafios da Antropologia. Essas considerações nos permitem definir três grandes problemas da Antropologia:

  1. A reconstrução da história humana.
  2. A determinação dos tipos de fenômenos históricos e suas sequências.
  3. A dinâmica da mudança.

Esses problemas devem ser pesquisados nos domínios dos fenômenos biológicos e sociais. Estes últimos incluem a linguagem, cujo estudo, devido às suas exigências técnicas, é melhor se separado de outras manifestações culturais.

Aspectos da cultura. Ser humano e natureza. A cultura em si é multifacetada. Ela inclui a multiplicidade de relações entre o ser humano e a natureza; a obtenção e preservação de alimentos; a garantia de abrigo; as formas pelas quais os objetos da natureza são usados como implementos e utensílios; e todas as diversas formas pelas quais o ser humano utiliza ou controla, ou é controlado por seu ambiente natural: animais, plantas, o mundo inorgânico, as estações do ano, o vento e o clima.

Humanos e humanos. Um segundo grande grupo de fenômenos culturais diz respeito à interrelação entre membros de uma única sociedade e entre aqueles que pertencem a sociedades diferentes. Nele estão incluídos os laços de família, de tribo e de uma variedade de grupos sociais, bem como a gradação de posição e influência; as relações entre os gêneros e entre velhos e jovens; e em sociedades mais complexas toda a organização política e religiosa. Aqui pertencem também as relações ou grupos sociais em guerra e paz.

Aspectos subjetivos. Um terceiro grupo consiste nas reações subjetivas do ser humano a todas as manifestações da vida contidas nos dois primeiros grupos. Estas são de natureza intelectual e emocional e podem ser expressas tanto em pensamento e sentimento como em ação. Elas incluem todas as atitudes racionais e aquelas valorações que incluímos sob os termos da ética, da estética e da religião.

Interrelações entre os vários aspectos da vida social. Em uma apresentação sistemática dos dados da Antropologia, somos compelidos a tratar esses assuntos separadamente. Não obstante, a vida biológica e cultural do ser humano é um todo, e não podemos fazer justiça a todos os problemas importantes da história humana se tratarmos a vida social como se fosse a soma desses elementos separados. É necessário compreender a vida e a cultura como uma coisa só.

Antropologia descritiva. Uma Antropologia descritiva representaria a vida de todos os povos do mundo e de todos os tempos. Certos tipos podem ser selecionados, e uma série de povos aparecerá como variedades de tais tipos. De acordo com a finalidade da apresentação, a ordem pode ser geográfica, principalmente se for destinada a elucidar a ordem dos fenômenos culturais no tempo e no espaço; ou pode ser de acordo com tipos, se o objetivo for o estudo de leis de sequência ou a investigação de relações dinâmicas.

Antropologia, História e Sociologia. Enquanto os resultados do primeiro arranjo conectam a Antropologia com a História, os do segundo a conectam com a Sociologia. Se sequências culturais regulares pudessem ser encontradas, elas representariam um ciclo histórico ordenado. Se as leis da sequência e da dinâmica social pudessem ser encontradas, essas seriam leis sociológicas. Uma das principais tarefas da Antropologia é determinar até que ponto tais sequências regulares e leis sociológicas existem.

Quando essa tarefa for realizada, o principal problema — o de compreender uma cultura como um todo — permanece. Nem a história nem as leis sociológicas ajudam a chegar a uma conclusão. A história pode nos dizer as fontes das quais foram derivadas a forma física, os costumes e as crenças, mas não traz nenhuma informação sobre a maneira como um povo se comportará devido às características transmitidas. A Sociologia pode nos ensinar a morfologia e a dinâmica geral da sociedade; ela nos dará apenas uma visão parcial da complexa interação de forças, de modo que não é possível prever o comportamento resultante dos eventos históricos que fizeram um povo sentir-se como tal. Esse problema é essencialmente um problema psicológico e cercado por todas as dificuldades inerentes à pesquisa de fenômenos mentais complexos da vida dos indivíduos.

Objetivo do livro. O objetivo deste livro é apresentar os dados que são necessários para uma abordagem intelectual dos problemas aqui delineados.


Franz Uri Boas nasceu em Minden, Alemanha, em 1858 e faleceu em Nova York em 1942. É considerado o “pai” da Antropologia americana e referência básica em Antropologia Cultural. Influenciou muitos pesquisadores, dentre eles Ruth Benedict, Ruth Bunzel, Margaret Mead, Alfred L. Kroeber, Edward Sapir, Robert Lewie e o sociólogo brasileiro Gilberto Freyre. Sua primeira formação foi em Geografia, Física e Matemática. O encanto pela Antropologia só se deu após uma expedição geográfica ao norte do Canadá, mais especificamente a ilha de Baffin, entre os anos de 1883-1884, com a finalidade de estudar os efeitos de características geográficas sobre a cultura dos esquimós. Foi nesse contato prolongado com esse povo que seu interesse por estudar culturas se intensificou. Sua tese sobre a cultura dos esquimós rendeu-lhe o título de livre-docente em Geografia. Movido pelo interesse em Antropologia Cultural, fez uma expedição etnográfica à Colúmbia Britânica, em 1886, para estudar os nativos da costa noroeste, em especial o povo kwakiutl, que, posteriormente, tornou-se alvo sistemático de suas pesquisas. Migrou para os Estados Unidos, onde, em 1887, se naturalizou norte-americano. Foi professor na Universidade de Clark, Worcester, onde também chefiou o recém-criado departamento de Antropologia, vindo a renunciar de seu posto em 1892 alegando violação da liberdade acadêmica. Foi curador do Museu Field, de Antropologia, em Chicago, e professor de Antropologia Física na Universidade de Colúmbia (1899-1942), onde permaneceu até o fim de sua carreira. Nessa última universidade, além de professor e pesquisador, criou o primeiro Doutorado em Antropologia dos EUA.

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