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Mamãe merece mais

Fonte: PINSKY, Jaime. “Mamãe merece mais”. Por que gostamos de História. Editora Contexto.

 

Milhões de mães estarão recebendo presentes neste e nos próximos dias das mães. Serão telefones celulares, lenços, bolsas, sapatos, dvds, cds (alguns piratas) e toneladas de flores. Algumas estarão ganhando livros (para quem não sabe, ou não se lembra, livro é um objeto feito de papel impresso, muita imaginação e um pouco de sabedoria).

A pergunta que não cala: por que tão poucos dão livros, tanto para as mães quanto para parentes e amigos nos aniversários ou por ocasião do Natal? Antonella di Renzo, jornalista italiana, afirma que livro é algo muito pessoal e que é muito mais fácil dar um presente impessoal, mesmo que entregue hipocritamente com a infalível expressão “ele tem a sua cara”. A cara de todas as mães deve ser muito parecida, a julgar pelos presentes que recebem. O que há de pessoal num Apple ou num Samsung, por exemplo? O fato é que as pessoas não querem errar, ou seja, não querem se expor, falar de si mesmas, ao ofertar um objeto. Um lenço é um lenço e, no máximo, fala de nossa disposição em gastar mais ou menos. Já dar um livro é falar um pouco de si mesmo.

Por outro lado, um livro tem tantas vantagens: ocupa menos espaço do que um vaso, são apenas 16 por 23 centímetros (em média) e não mais que dois ou três de profundidade, que se acomodam em qualquer lugar, seja na nobre estante de madeira de lei, seja no criado-mudo ao lado da cama, ou mesmo em algum canto do banheiro. Ao contrário do celular, que fala quando quer, o livro dialoga conosco quando nós queremos. Em vez da tv, que se atém a uma programação definida por terceiros, o livro é comandado por nós: pode ser lido na ordem e na velocidade que nós desejamos, ter trechos chatos saltados, pedaços interessantes repetidos a nosso bel-prazer.

Ele tem restrições, é claro: enquanto dá para se assistir bovinamente um programa de tv, o livro tem um dispositivo antibovino. Com ele, temos que nos manter ativos, uma vez que ele não se lê por si só, mas precisa ser lido, seus códigos decifrados, as situações e os personagens que ele descreve, imaginados. E presentear livros é, como dizia acima, tarefa de alto risco. Implica fazer escolhas, e fazer escolhas é sempre se arriscar. Claro que podemos entrar numa livraria (para quem não sabe, livrarias são locais agradáveis e calorosos em que livros são expostos e vendidos), espiar o primeiro balcão e pedir um livro “de mãe”, “de namorada”, “de amigo metido a intelectual” e deixar a arriscada missão nas mãos do vendedor. Desaconselho essa opção. Você é que conhece a pessoa a ser presenteada, e o presente vai definir uma relação entre o modo como você se percebe e o modo como percebe o presenteado. É evidente que você pode trocar uma ideia se tiver diante de si um vendedor que ama e conhece livros, mas a decisão final deve ser sempre sua. Ouse.

Claro que podemos dar um livro cujo título vimos num jornal ou na revista semanal, mas cuja resenha não tivemos tempo de ler. Aí a gente pode se enganar redondamente. Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, apesar do título, não é um livro de botânica; Cultura & elegância não ensina a se vestir; e Rumo à estação Finlândia não é obra sobre turismo na Escandinávia.

Faça um esforço, pegue o livro na mão, olhe cuidadosamente a capa, leia a contracapa e as orelhas, se houver, busque o sumário. Procure algo que possa agradar ao presenteado, mas que não deixe de lhe agradar. Não tem cabimento oferecer uma obra de Paulo Coelho, se você acha que ele é um picareta, ou de James Joyce, se você o considera um chato. O presente deve estreitar a relação entre você e o presenteado, não representar um sacrifício, seja para o leitor, seja para o ofertante. O livro é uma homenagem, uma prova de que você conhece aquele que vai recebê-lo. O tempo que você passa escolhendo o livro é um tempo em que você está pensando no amigo como leitor.

Pense na importância que alguns livros tiveram na sua vida. Pense na importância que os livros que você der possam vir a ter. Lembre-se do professor de Português que insistiu para que você lesse Machado de Assis, autor que agora você relê todos os anos. No colega que deu de aniversário um livro de Eric Hobsbawm e fez com que você desistisse de Economia e se tornasse um historiador. O Dia dos Namorados está chegando. Que tal dar a ela (ou a ele) um bom livro sobre o amor, mais barato do que um bom buquê de flores?


Jaime Pinsky – Historiador e editor. Completou sua pós-graduação na USP, onde também obteve os títulos de doutor e livre-docente. Foi professor na atual Unesp, na própria USP e na Unicamp, onde foi efetivado em concursos de professor adjunto e professor titular. Participa de congressos, profere palestras e desenvolve cursos. Atuou nos EUA, no México, em Porto Rico, em Cuba, na França, em Israel, e nas principais instituições universitárias brasileiras, do Acre ao Rio Grande do Sul. Criou e dirigiu as revistas de Ciências Sociais, Debate & Crítica e Contexto. Escreve regularmente no Correio Braziliense e, eventualmente, em outros jornais e revistas do país. Tem mais de duas dezenas de livros publicados (autoria, coautoria, e/ou organização).