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Letramento acadêmico – Você na Universidade

Quem chega na universidade entra em um mundo cheio de novidades e possibilidades. Até o ensino médio, os alunos estudam várias disciplinas que servem de base à sua formação e que podem ajudá-los a escolher a área profissional que vão seguir. Além disso, há uma preocupação em passar no processo seletivo para entrar na universidade.

Uma vez na universidade, a dinâmica de aprendizado se transforma. Nessa etapa, os alunos, que agora se preparam para a vida profissional, vão estudar disciplinas de fundamentação teórica e disciplinas práticas e terão a chance de participar de projetos de pesquisa, de ensino e de extensão, envolvendo-se diretamente na produção do conhecimento. Para participar de todas essas atividades e aproveitar bastante esse universo novo, é preciso conhecer a sua cultura, ou seja, as rotinas, os processos, as formas de expressão e de comunicação recorrentes nele.

A universidade é um espaço de produção, compartilhamento e divulgação do conhecimento. Uma das maneiras de divulgar esse conhecimento é por meio de textos acadêmicos que apresentam as pesquisas realizadas, seus fundamentos teóricos, as metodologias adotadas e os resultados obtidos. Esses textos podem assumir diferentes gêneros, como resenhas, resumos, artigos científicos, projetos de pesquisa, relatórios, apresentações em congressos, monografias, livros técnicos, trabalhos de conclusão de curso, dissertações, teses, entre outros.

Letramento acadêmico - Você na Universidade

Os gêneros textuais acadêmicos têm particularidades que garantem a padronização e a credibilidade da pesquisa. Esses elementos refletem o uso rigoroso das normas acadêmicas, que organizam o trabalho científico e asseguram o respeito à produção intelectual de outros pesquisadores. Um exemplo disso é o uso de citações, que referenciam estudos anteriores e garantem que a pesquisa em desenvolvimento seja devidamente fundamentada em trabalhos já publicados.

Para se adaptar melhor à universidade, é necessário desenvolver um conjunto de habilidades conhecidas como letramento acadêmico. Magda Soares (2021, p. 27) explica que o letramento corresponde às “capacidades de uso da escrita para inserir-se nas práticas sociais e pessoais que envolvem a língua escrita, o que implica habilidades várias, tais como: capacidades de ler ou escrever para atingir diferentes objetivos”. No contexto universitário, o letramento acadêmico envolve práticas como saber ler, compreender, escrever e proferir textos que circulam nesse ambiente. Além disso, inclui a aplicação adequada das normas de citação, que deve ocorrer tanto nas produções escritas quanto nas apresentações orais.

A noção de letramento compreende, também, o conhecimento do uso de diversas tecnologias da escrita, desde suportes tradicionais, como livros e canetas, até ferramentas digitais, como computadores e teclados. No contexto do letramento acadêmico, esse conhecimento se expande, sendo necessária a habilidade de acessar, selecionar e utilizar fontes confiáveis de informação. Dessa forma, o letramento acadêmico abrange o uso de plataformas especializadas, como portais de periódicos, revistas científicas e bases de dados, indispensáveis à prática acadêmica.

Além da escrita e da pesquisa, a organização textual também desempenha um papel fundamental na comunicação do conhecimento acadêmico. Esses textos costumam fazer uso de recursos visuais, como imagens, gráficos e tabelas, que auxiliam na ilustração dos dados e na acessibilidade das informações. Como a pesquisa deve ser baseada em evidências, é comum que os textos acadêmicos apresentem dados que sustentem os resultados discutidos. A construção textual segue uma lógica argumentativa rigorosa, de modo a garantir a credibilidade do conhecimento produzido.

Reforçamos que, até o ensino médio, os alunos de forma geral se dedicam a apreender o conhecimento das matérias lecionadas, trabalhado nas atividades de ensino-aprendizagem de que participam. Mas, na universidade, além disso, os estudantes também se envolvem na produção do conhecimento científico. Essas instituições têm um papel muito importante na pesquisa acadêmica e fundamentam o ensino em sua prática. Dessa forma, professores e estudantes universitários dedicam grande parte do seu tempo ao trabalho fora da sala de aula, em atividades ligadas à pesquisa. Pesquisamos para entender melhor o mundo e para dominar assuntos, fenômenos e ideias. Ana Müller, no seu texto “A investigação da língua portuguesa: o amor à pesquisa” (2009, p. 115), define a ciência como “a busca organizada de um maior conhecimento sobre nós mesmos e sobre o mundo”.

Apesar de o conhecimento científico, abordado neste livro, ser apenas um dos tipos existentes, ele é o escolhido como basilar nas instituições de ensino superior, gerado e ensinado nas universidades mundo afora. Mas por quê? A ciência parte de um questionamento constante sobre o conhecimento disponível no momento e não aceita verdades absolutas e imutáveis. Isso significa que ela está aberta à crítica e à evolução, o que faz com que novas descobertas sejam possíveis e que o conhecimento seja dinâmico, acompanhando as mudanças do tempo. Além disso, a construção desse conhecimento se baseia em métodos objetivos, por meio dos quais os pesquisadores devem seguir uma série de etapas para garantir a confiabilidade dos seus resultados. Esses métodos precisam ser coerentes, baseados em evidências, e são, em geral, compartilhados por um grupo de cientistas que atuam na mesma área, ou seja, não podem ser fruto do “achismo”. Ademais, precisam ser testáveis; isso significa que outros pesquisadores devem ser capazes de reproduzir a pesquisa usando a mesma metodologia, para verificar a consistência dos resultados encontrados. Outra etapa importante, cuja finalidade é também garantir a confiabilidade do conhecimento científico, se chama peer review (“avaliação por pares”): nela os textos resultantes das pesquisas passam por uma avaliação prévia antes da sua divulgação e disseminação.

Quando conseguimos, por fim, gerar algum conhecimento sobre um determinado fenômeno do mundo ou sobre nós mesmos, devemos torná-lo público. Para isso, usamos os diferentes gêneros textuais que circulam no domínio acadêmico. Em outras palavras, na universidade encontramos vários tipos de textos que têm a função de construir, formalizar e propagar o conhecimento gerado por pesquisas acadêmicas. Além do ambiente universitário, há também formas de divulgar esse conhecimento a um público mais amplo. Os artigos de divulgação científica, publicados em jornais e revistas, desempenham um papel importante nesse processo, assim como a divulgação científica nas redes sociais, que vem se tornado cada vez mais comum.

Letramento acadêmico - Você na Universidade

Todos os gêneros acadêmicos, apesar de terem funções e objetivos específicos que fazem com que se diferenciem, têm um mesmo objetivo comunicativo: falar sobre pesquisa e conhecimento científico. E esse propósito em comum faz com que compartilhem características gerais entre si. Normalmente, qualquer texto acadêmico expõe o tema da pesquisa, o fenômeno investigado, o questionamento levantado sobre esse fenômeno, hipóteses possíveis para responder a esse questionamento, uma justificativa para a realização da pesquisa, os objetivos, a metodologia empregada (a forma como a pesquisa será ou foi realizada), outros estudos sobre o mesmo tema e o que já se sabe sobre ele até então, a abordagem teórica adotada e, por fim, os resultados e as conclusões, caso a pesquisa tenha sido finalizada.

A estrutura do texto, a linguagem usada, o formato de página escolhido, a seleção da formatação etc. são determinadas pela função do texto. Portanto, qual forma atende bem a finalidade dos gêneros acadêmicos? Como vimos, esses textos tratam da pesquisa realizada, mostrando suas etapas. Por isso, observa-se neles uma divisão clara em seções ou capítulos e também a referência a outros estudos sobre o mesmo tema. Assim, nesses textos há muita intertextualidade e uma grande preocupação com a forma adequada de fazer citações a outros autores, sempre atribuindo de maneira clara a autoria de ideias e trechos utilizados.

A pesquisa científica brasileira é desenvolvida majoritariamente dentro das universidades, não se restringindo à atuação dos professores. Esse trabalho é realizado coletivamente por grupos de pesquisa compostos por docentes e estudantes, tanto de pós-graduação quanto de graduação – todos pesquisadores, todos cientistas. Sem essa atuação diversificada, não teríamos atingido os atuais níveis de produção científica. Assim, mesmo na graduação, você terá a experiência de fazer pesquisa na universidade. Por isso, aprender sobre pesquisa e gêneros acadêmicos é muito importante para qualquer estudante que ingressa no ensino superior.

Este livro é uma introdução ao universo e à cultura acadêmica que os universitários vão encontrar nos cursos de graduação e pós-graduação. Com ele você vai descobrir o caminho das pedras, ou seja, vai conhecer os gêneros textuais mais usados na academia e aprender como e quando colocá-los em prática, conhecendo suas particularidades e métodos de elaboração.

A abordagem que adotamos neste livro baseia-se na perspectiva dos letramentos, destacando a importância do trabalho com gêneros, partindo da sua função para a sua forma. Especificamente, propomos o desenvolvimento do seu letramento acadêmico a partir da leitura e da produção de gêneros acadêmicos conectados aos seus usos em práticas sociais. Nosso objetivo é oferecer a você uma oportunidade de experienciar a pesquisa de maneira acessível e confortável para iniciantes. Ao longo destas páginas, você aprenderá na prática como os textos funcionam em diferentes contextos de produção, circulação e recepção. Para isso, apresentamos um percurso de atividades práticas em que você vai ler e produzir textos relativos a algumas etapas da pesquisa acadêmica, tais como o projeto, o relatório e, por fim, o artigo. E, ainda, tendo em vista os desafios da atualidade, orientaremos sobre questões éticas na pesquisa, para evitar o plágio, e sobre os cuidados no uso das inteligências artificiais (IAs).

O livro está organizado em quatro partes: são três capítulos centrais e a bibliografia comentada. O primeiro capítulo – “Conhecendo pesquisas” – traz formas de busca de fontes de informação confiáveis e atividades e estratégias de leitura contextualizada de gêneros importantes no meio acadêmico, como a resenha acadêmica, o artigo científico e o livro técnico-científico. O segundo capítulo – “Planejando e fazendo uma pesquisa” – propõe uma pesquisa a ser realizada na prática, acompanhada pela produção de textos de diferentes gêneros, cada um relacionado a uma etapa da pesquisa: o projeto, feito no início do planejamento da pesquisa; a resenha, feita no momento de revisão de literatura; e o relatório final, feito quando vamos apresentar os resultados obtidos. Nesse capítulo, também discutimos alguns aspectos da ética em pesquisa, com foco na busca de informações confiáveis e nas formas de citação, abordando a questão do plágio e do uso de ferramentas de inteligência artificial. O terceiro capítulo – “Divulgando a pesquisa” – apresenta diferentes gêneros usados para divulgar resultados de pesquisa, tanto dentro da universidade quanto fora dela. Nesse capítulo, você será motivado a produzir vários gêneros diferentes, como o artigo, a apresentação em congressos e o texto de divulgação científica. Além disso, você terá a oportunidade de refletir sobre o seu lugar nesse contexto e elaborar o seu perfil acadêmico fazendo o seu currículo na plataforma Lattes.

O livro, então, propõe o seguinte trajeto:

Letramento acadêmico - Você na Universidade

Ao final do livro, incluímos uma bibliografia comentada com títulos de referência sobre produção textual e pesquisa acadêmica, que servirão de leituras adicionais e complementares para você se aprofundar e aprender ainda mais.

Considerando a proposta apresentada, convidamos você a participar ativamente das etapas de formação descritas neste livro, desenvolvido para apoiar seu processo de letramento acadêmico, em complementaridade às aulas universitárias.


Autoras:

Luana Lopes Amaral é professora da Faculdade de Letras da UFMG, mestre e doutora em Estudos Linguísticos pela mesma instituição e com pós-doutorado pelo Departamento de Linguística da Universidade do Novo México. Atua no ensino e pesquisa sobre Letramento Acadêmico, tendo sido coordenadora do projeto ‘Oficina de Língua Portuguesa: Leitura e Produção de Textos’. É líder do Grupo de Pesquisa Gramática da Língua em Uso e atua nos Programas de Pós-graduação em Estudos Linguísticos (FALE/UFMG) e em Gestão e Organização do Conhecimento (ECI/UFMG).

Daniervelin Pereira é professora da Faculdade de Letras da UFMG, mestre em Estudos Linguísticos pela mesma instituição, doutora em Semiótica e Linguística Geral pela USP, com período-sanduíche na Université Paris 8, na França, com pós-doutorado pela Université de Liège, na Bélgica, e pela UFF. Atua no ensino e pesquisa sobre Letramento Acadêmico, tendo sido coordenadora do projeto ‘Oficina de Língua Portuguesa: Leitura e Produção de Textos’ e de diversos projetos de extensão. Atua no Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos e no PROFLETRAS, ambos da UFMG. É editora-chefe da revista Texto Livre: Linguagem e Tecnologia.

Raquel Abreu-Aoki é professora da Faculdade de Letras da UFMG, mestre e doutora em Estudos Linguísticos pela mesma instituição, com pós-doutorado pela Escola de Comunicação e Artes da USP. Atua no ensino e pesquisa sobre Letramento Acadêmico, tendo sido coordenadora do projeto ‘Oficina de Língua Portuguesa: Leitura e Produção de Textos’ e atuando em diferentes projetos de ensino e extensão. É vice-líder do Grupo de Pesquisa Narrar-se – Estudos sobre narrativas de si e coordenadora do Projeto Redigir da FALE/UFMG.

Carla Viana Coscarelli é professora titular da Faculdade de Letras da UFMG, mestre e doutora em Estudos Linguísticos pela mesma instituição, com pós-doutorado em Ciências Cognitivas pela University of California, San Diego, em Educação pela University of Rhode Island e em Engenharia Computacional pela Universidad de Santiago de Chile. Atua no ensino e pesquisa sobre Letramento Acadêmico, tendo sido criadora e coordenadora do projeto ‘Oficina de Língua Portuguesa: Leitura e Produção de Textos’ e do Projeto Redigir. Atua no Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos da UFMG. É diretora da Editora da UFMG.

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