O “bom doutor”, o “velho doutor”, o “herói das crianças”, o “mártir do Holocausto”, o “mestre da humanidade”, entre muitos outros títulos foram e continuam a ser concedidos ao médico, pedagogo e escritor polonês Henryk Goldsmit (1878-1942), mais conhecido na história como Janusz Korczak, seu pseudônimo. No início do século passado, ao longo do período de uma década, Korczak escreveu obras que permanecem até hoje como marcos da literatura pedagógica: Como amar uma criança (1919), Quando eu voltar a ser criança (1925) e O direito da criança ao respeito (1929). Ou ao menos obras que, a meu ver, deveriam ser assim consideradas.
Esta última, por exemplo, é constantemente mencionada como texto-base da Declaração Universal dos Direitos da Criança, proclamada em 20 de novembro de 1959 pela Organização das Nações Unidas (ONU). As duas primeiras, por sua vez, se lidas com a devida atenção, trazem um panorama sobre o universo infantil, ou os universos infantis, e até hoje se configuram como referências fundamentais para estudar a(s) infância(s) e as crianças. Seja histórica, antropológica, sociológica ou pedagogicamente falando, estas obras trazem lições atemporais sobre o que é ser criança no mundo dos adultos.
Temos autores e autoras contemporâneos/as à Korczak que podem estabelecer diálogos potenciais para repensarmos as práticas educativas escolares e as relações adulto-criança na sociedade. Nos Estados Unidos, John Dewey (1859-1952); no Brasil, Manoel Bomfim (1868-1932) e Anísio Teixeira (1900-1971); na Itália, Maria Montessori (1870-1952); no Reino Unido, Eglantyne Jebb (1876-1928) e Alexander S. Neill (1883-1973); na antiga União Soviética, na atual região da Ucrânia, Anton Makarenko (1888-1939); na Alemanha, Walter Benjamin (1892-1940); na França, Célestin Freinet (1896-1966) e Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944); entre outros nomes que poderiam ser citados.
Alguns destes são mais conhecidos nas universidades brasileiras, sobretudo no curso de Pedagogia, quando se estuda História da Educação e Didática, como John Dewey, Anísio Teixeira, Maria Montessori e Célestin Freinet. Outros, às vezes não são nem mencionados nos currículos oficiais, no currículo oculto e nas aulas. Seja para estudar a Educação no século XX, com destaque ao movimento escolanovista e seus principais expoentes, ou para estudar metodologias e epistemologias na área da Educação, carecemos de maior leitura, discussão e aprofundamento teórico acerca de autores e autoras de tanto relevo.
E Janusz Korczak está entre eles. Seu legado é vasto, ainda que tragicamente abreviado e não raramente desconhecido. Em agosto de 1942, Korczak acompanhou 200 crianças ao campo de concentração de Treblinka. Seria o fim daquele que talvez tenha sido o principal defensor das causas das crianças, alguém que não somente adquiriu conhecimento teórico para estudar e pensar essas pessoas – sim, crianças são pessoas, ainda que muitos políticos as desconsiderem por não terem poder de voto –, mas que se colocou em uma posição de igualdade perante elas e conseguiu reparar e se identificar com o que sentiam. Conheceu as crianças em profundidade e não se esqueceu da criança interior que ele mesmo carregava.
Comprometido com seu trabalho e com seus princípios, Korczak pode se tornar uma referência essencial para educadores e educadoras, para pesquisadores e pesquisadoras da(s) infância(s), para pais e mães, para representantes políticos, para a humanidade. Seu olhar foi original e inovador ao simplesmente ver e escutar as crianças, no seu tempo e no seu espaço, no contexto em que viviam e na condição em que sobreviviam. Algo que ainda me parece bastante necessário, em diversos sentidos.
Deixo, então, o convite para conhecer um pouco mais da vida e do trabalho desse educador, adquirindo o livro Por uma educação transformadora: ideias e práticas de Janusz Korczak, recém-lançado pela Editora Contexto e escrito em coautoria entre Aline Alvim, Monica Fantin e o autor que escreve este texto. Que possamos ampliar um pouco mais o alcance de nosso olhar sobre as crianças e a complexidade das infâncias, e que não tenhamos receio de mudar nossa postura, no intuito de interagirmos e nos aproximarmos com respeito e sinceridade dessas pessoas que muito têm a nos ensinar.
Neste vídeo faço uma breve apresentação do livro Por uma educação transformadora: ideias e práticas de Janusz Korczak, recém-lançado pela Editora Contexto e escrito em coautoria entre Aline Alvim, Monica Fantin e o autor que aqui escreve.
Conheça um pouco mais sobre a vida e a obra de Janusz Korczak a partir deste livro.
Boa leitura e obrigado!
José Douglas Alves dos Santos é doutor em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), mestre em Educação pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) e pedagogo. Membro do Núcleo Infância, Comunicação, Cultura e Arte (NICA/CNPq/UFSC), tem abordado no âmbito da pesquisa acadêmica a relação das infâncias em diferentes contextos, articulando a experiência estética com filmes no processo formativo (escolar e não escolar) e problematizando a leitura pedagógica de imagens.