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Imprensa, Educação, Comunicação de massa

Pode-se dizer que a origem da modernização do Brasil começa a ser definida a partir da criação das universidades, dos centros educacionais e também da imprensa – devidamente controlada pelos portugueses. Naquela época, o interesse em investir na educação era quase exclusivamente focado na instrução de funcionários para ocupar alguns cargos burocráticos na sociedade colonizada. A primeira escola foi construída por padres jesuítas em Salvador, na Bahia, em 1549 – em 1554 eles abriram a segunda escola, em São Paulo, mesma data de fundação da cidade. Em 1792, foi criada a Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho, que, com o tempo, agregou outras especialidades e acabou se tornando a Escola Politécnica do Rio de Janeiro.

Já a imprensa desembarcou oficialmente em território nacional no ano de 1808, com a transferência da Coroa portuguesa para o Rio de Janeiro, quando o rei D. João VI trouxe os primeiros livros e uma máquina tipográfica para a impressão de documentos e textos. Lançada a 10 de setembro de 1808, a Gazeta do Rio de Janeiro foi o primeiro jornal brasileiro, além de ser o órgão oficial de comunicação do governo português.

Imprensa, Educação, Comunicação de massa, jornalismo

No mesmo ano da chegada da família real ao Brasil, Hipólito José da Costa editou o primeiro jornal de oposição ao domínio português, o Correio Braziliense, impresso na Inglaterra – não lhe foi permitido fazer isso aqui porque havia censura. Aplicava-se a primeira Lei de Imprensa Portuguesa, de 12 de julho de 1821, executada na Bahia. A lei tinha por objetivo conter “os excessos da imprensa na livre manifestação de pensamento e de opinião”. O periódico independente circulou por 14 anos, em edições mensais, e Hipólito era o único repórter, editor e também redator – em 2000, ele foi declarado Patrono da Imprensa Brasileira por decreto presidencial. Na década de 1840, surgiria no país a imprensa social de caráter político com o jornal O Socialista da Província do Rio de Janeiro, editado de 1845 a 1847, em Niterói.

Até 1900, eram então publicados 64 tipos de periódicos no Brasil e, em meados do século XIX, o jornalismo já era uma prática comum em toda a América Latina, dando início à imprensa produzida de maneira industrial. As pequenas tipografias de produção artesanal cedem espaço às grandes empresas jornalísticas, estruturadas com equipamentos gráficos modernos que permitiam uma produção diária em grande volume, além de mecanismos organizados de vendas e distribuição. Nesse período, o jornal como empreendimento individual desaparece das grandes cidades, ficando relegado ao contexto alternativo, de produção imigrante ou sindical.

E, desde que os primeiros jornais começaram a circular periodicamente, a comunicação de massa tem sido pensada e produzida por e para as parcelas mais abastadas da população – gente alfabetizada, com acesso intelectual e material aos produtos impressos. Mas quem lia essas publicações nas nações colonizadas, com a maioria dos cidadãos analfabeta e/ou escravizada? Qual era o conteúdo dessas reportagens? Elas atuavam a serviço de quais interesses? Certamente não era uma imprensa acessível a muita gente – sem saber ler, nem escrever, era difícil ver a utilidade da imprensa e dos livros.

Entretanto, com o crescimento dos países latinos e dos movimentos de independência, era preciso mudar essa realidade, até para garantir a mão de obra necessária para abastecer as florescentes sociedades burguesas do final do século XIX. No México e no Brasil, a implementação das primeiras políticas educacionais e culturais se tornou necessária em princípios do século XX, com o objetivo de integrar esses países em uma nova ordem das relações internacionais, com a ampliação do comércio de bens. A partir dos anos 1930, o recém-criado Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública do Brasil começou a empreender políticas articuladas de fomento educacional, propondo um sistema escolar público, gratuito e obrigatório.

Um sistema educacional uniformizado colaborava para integrar a população em uma dinâmica que ia ao encontro da crescente indústria cultural, representada pelas empresas de jornais e revistas e expandida com o rádio e o cinema. De acordo com o colombiano Jesús Martín-Barbero (1937-2021), pesquisador da comunicação e cultura na América Latina, o trajeto de consolidação das nações junto aos meios de comunicação de massas ocorreu ao longo do século XX. Para ele, os veículos de comunicação de largo alcance, como o rádio, tornaram-se porta-vozes de um Estado que devia alcançar as multidões, sem a necessidade da alfabetização ou grandes investimentos em educação.

Naquela época, o sentimento nacional de pertença, de identidade, era completamente pulverizado entre os diferentes povos e países latinos, que não tinham uma tradição cultural uniformizada. Além disso, as elites dominantes, de origem europeia, desprezavam as tradições dos povos originários e apropriavam-se de ideias culturais e costumes sociais importados da Europa. O rádio, então, teve esse papel de “cola”, oferecendo uma primeira vivência cotidiana de nação para pessoas que viviam em regiões e províncias distantes das capitais, levando informação e entretenimento, especialmente a música.

Como jornais e revistas ainda eram restritos a uma parcela da população letrada, coube ao rádio a função de prover uma modalidade de representação para as massas desde a primeira transmissão radiofônica no Brasil, por ocasião do centenário da Independência, em 1922. Essa experiência foi reproduzida pela televisão e, posteriormente, pela internet, tendo os grupos tradicionais de comunicação frequentemente dominando as mídias. A prática sempre causou um afunilamento das visões compartilhadas pela grande imprensa, reduzindo, assim, a gama de informações obtidas pela população sobre a sua comunidade, seus interesses, problemas e o ambiente ao seu redor. O espelho para todos sempre foi o das classes dominantes.

Esse ciclo provavelmente se repetiria num looping infinito se não fossem as várias propostas da comunicação comunitária, que levaram – e ainda levam informação, educação, cultura e transformação social para comunidades e pessoas fora do circuito da mídia hegemônica usando as técnicas do jornalismo e os mesmos tipos de veículos da imprensa convencional: impresso, rádio, TV e internet, em suas inúmeras possibilidades.

Os veículos de comunicação tradicionais podem ter um apelo popular, levar popular no nome, ou ser chamado de “comunitário”, “voltado para a comunidade”, mas de fato não o são. A comunicação comunitária, em qualquer uma de suas vertentes, se utiliza de linguagens para levar conhecimento e informação que atendam aos interesses de comunidades, cujas pautas, na maioria das vezes, costumam ficar invisíveis para a grande imprensa. Além disso, na mídia convencional não há participação da comunidade na produção das notícias – normalmente essas pessoas entram nas reportagens apenas como personagens, não como parte da produção da notícia. A grande diferença é que na comunicação comunitária as pessoas têm suas histórias, sua cultura, seus problemas e seus valores representados por meio de produtos comunicacionais feitos por elas e para elas. Como esse caminho vem se desenvolvendo no Brasil e em outros países da América Latina é o que veremos neste livro.


Alexandra Gonsalez é jornalista, com grande vivência em reportagens e edição de guias e revistas na Editora Abril, em títulos como Guia Quatro Rodas, Viagem e Turismo, Superinteressante, Exame, Você S/A, AnaMaria e Recreio; e na Editora Globo, em Época e Época Negócios. Autora de livros com temáticas sobre imigrantes, turismo e religião. É professora doutora e leciona Jornalismo desde 2011 na Universidade Metodista de São Paulo, onde atua em projetos acadêmicos voltados ao ensino da Comunicação Comunitária.

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