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Imigrantes para substituir escravos na cafeicultura

A abolição da escravidão foi o acontecimento de maior impacto e transformação mais profunda no Brasil do século XIX. Em 1888, o trabalho escravo tornou-se ilegal depois de séculos de uma economia e sociedade construídos com base na violência do trabalho forçado. Foi um longo e conflituoso processo que se prolongou durante toda a monarquia. O tráfico negreiro, organizado inicialmente pelos portugueses e, depois, praticado também por luso-americanos e brasileiros, transportava milhares de pessoas da África para serem vendidas como escravas no Brasil. Durante séculos, raras foram as vozes, entre os homens livres, que criticaram ou contestaram a escravidão. A situação só começaria a mudar, lentamente, no decorrer do século XIX.


Antes mesmo que fosse aprovada, em 1850, a lei que extinguia o tráfico negreiro, cafeicultores de São Paulo, cientes de que isso acabaria acontecendo, tomaram a iniciativa de encontrar um substituto para o escravo. Optaram pela utilização de imigrantes de outros países. Naquele momento, a aposta nos imigrantes lhes parecia a melhor alternativa por duas razões. Em primeiro lugar, não abriam mão dos escravos que possuíam, de modo que tinham que encontrar em novos grupos sociais a fonte para ampliação de fornecimento de mão de obra. Como a cafeicultura do Oeste Paulista estava em expansão, o recurso ao tráfico interprovincial era insuficiente. Em segundo lugar, estava a dificuldade em garantir que os homens livres pobres brasileiros se dispusessem a trabalhar de forma sistemática nas fazendas, ao lado dos escravos. Na sociedade escravista, o trabalho manual feito para um patrão era considerado extremamente humilhante, porque aquele que assim vivesse se equiparava aos escravos. Os homens livres pobres preferiam buscar outras alternativas de sobrevivência. A economia e a sociedade operavam com uma lógica que não era a do trabalho assalariado.

As primeiras tentativas para trazer imigrantes para as fazendas de café foram iniciativas de um importante cafeicultor e político, Nicolau de Campos Vergueiro. Para suas fazendas no Oeste Paulista contratou alemães e suíços. Não se tratava, contudo, de trabalho assalariado. As condições da época impunham outra forma de contrato.

De um lado, havia a necessidade de criar condições atraentes para que cidadãos de outros países se dispusessem a migrar para o Brasil. Crises econômicas e políticas levaram a que habitantes de vários países da Europa se dispusessem a migrar para a América. Mas sua preferência eram os Estados Unidos, que gozavam da fama de ser uma terra de oportunidades para todos que lá chegassem. Era preciso convencer os potenciais migrantes a virem para o Brasil ao invés de irem para os Estados Unidos. Além disso, havia outra questão a ser resolvida. Uma vez que de início o número de imigrantes seria restrito, frente às necessidades da cafeicultura, era vantajoso encontrar meios para estimular sua produtividade.
Para responder a essas condições, a fórmula adotada por Vergueiro tinha por base justamente criar esses estímulos. Em vez de um salário, Vergueiro oferecia um contrato de parceria. O imigrante receberia 50% dos lucros obtidos com a venda do café produzido por ele, empréstimo para pagar a passagem para o Brasil e para os gastos enquanto não recebesse o primeiro pagamento.

A partir de 1847, Vergueiro trouxe alemães e suíços para suas fazendas com contratos de parceria. A experiência foi inicialmente exitosa, a ponto de outros cafeicultores se interessarem por adotar o mesmo modelo em suas fazendas. Em poucos anos, no início da década de 1850, várias fazendas contavam com trabalhos de imigrantes europeus, com contratos de parceria.

Poucos anos depois, a experiência de contratos de parceria começou a sofrer uma série de problemas. Os colonos frustravam-se com o não atendimento de suas expectativas iniciais. Depois de chegarem às fazendas, demorava muito tempo, entre a produção e a comercialização do café, para que recebessem o primeiro pagamento. Com isso, a dívida com o fazendeiro se avolumava. Quando recebiam o rendimento obtido com o café cultivado, praticamente nada lhes restava depois de quitar a dívida. Eram então obrigados a se endividar outra vez. Desiludidos, dedicavam-se cada vez menos ao trabalho no cafezal. Desconfiavam de que eram enganados pelos fazendeiros, que lhes remunerava com menos do que deveriam receber. Se houve casos de burla pelos fazendeiros, essa não foi a regra. A eles interessava que os imigrantes fossem estimulados a produzir, por isso não valia a pena roubar-lhes o rendimento devido. Os fazendeiros identificavam na dívida o obstáculo para a eficácia daquele modelo de contratação.

Ao final da década de 1850, os contratos de parceria foram abandonados pelos cafeicultores. O fracasso da experiência foi para eles um importante aprendizado. Para que fosse possível substituir os escravos por meio da imigração, os estímulos precisavam funcionar. E, para tanto, era necessário que os imigrantes não ficassem sujeitos a dívidas que não conseguiam saldar. A solução seria o financiamento da imigração pelo governo. Impossível para os fazendeiros, o governo poderia utilizar recursos públicos para pagar as passagens para o Brasil, o sustento inicial dos imigrantes, sem que eles tivessem que devolver o dinheiro.

Na década de 1880, o governo de São Paulo assumiu os custos para trazer imigrantes para a cafeicultura. Atendeu ao anseio dos fazendeiros, destinando parte do orçamento provincial para financiar a vinda de imigrantes em larga escala. Milhares de imigrantes vieram para São Paulo, atraídos pelas novas condições oferecidas. A grande maioria era composta de italianos que fugiam da crise econômica na Itália. Sem o peso de uma dívida inicial e graças ao grande contingente que o governo era capaz de financiar, essa nova fórmula deu os resultados esperados.


Miriam Dolhnikoff é professora do departamento de História da FFLCH-USP e pesquisadora do Cebrap. É mestre e doutora em História Econômica pela USP. Ensina e pesquisa o Brasil Império. Atualmente estuda o governo representativo, sob a forma de monarquia constitucional, no Brasil, com foco no debate político em torno das eleições. É autora do livro “História do Brasil Império“.


Fonte: DOLHNIKOFF, Miriam. “Imigrantes para substituir escravos na cafeicultura”. História do Brasil Império. Editora Contexto.