Eis o que pontificou o místico Thomas Merton, em livro com título homônimo que pude ler nos meus tempos de seminário franciscano. Naquela época, eu era treinado para incorporar o estilo de vida conventual – inúmeros frades ocupando o mesmo espaço. Nada virtual. Nada que lembrasse uma ilha. Isolamento zero. O treinamento acontecia na prática. Nenhum futuro confrade podia perder nada do passo a passo.
Mas a pandemia não concorda com a tese de Merton. Teimosa e cheia de vontade própria, ela insiste em nos trancafiar dentro de nossas casas, pequenas ou grandes. Nesse regime de prisão domiciliar, sem direito de ir ao trabalho durante o dia e voltar correndo pra casa, entregamos nossos passaportes. Já não podemos sequer visitar aquele familiar que vive há uns poucos quilômetros de nós, às vezes na mesma cidade. Ou fazer uma comprinha no shopping que sabe tudo sobre como atender às nossas necessidades e desejos.
No papel de seres humanos, a gente se rebela contra essa condição que não escolhemos. Queremos nos socializar novamente – é da nossa natureza.
No entanto, gostando ou não, e no aspecto profissional, a verdade é que o trabalho remoto vai continuar sem grandes alterações. Os pequenos encontros no cafezinho, o almoço em grupo, no restaurante ao lado da empresa, hoje são eventos arquivados na pasta que condensa a história do nosso passado corporativo. A pandemia reclassificou a vida. Agora o desenho das nossas rotinas de 2018 cabe apenas no espaço da nostalgia, peças de um museu sem visitantes.
Cada vez mais, vamos trabalhar online, como disse. Faremos isso a partir de nossas casas. É claro que elas também continuarão sendo o espaço do convívio familiar. Mas isso, desde que a TV entenda que a sua tagarelice espontânea agora terá de dialogar com reuniões, aulas virtuais e relatórios com prazo de entrega. Além da produção de textos para as redes sociais. A sala de visitas se transforma em filial da empresa, espaço com tratamento cenográfico. Em função disso, meu escritório recebeu novo layout. Virou estúdio. Se estiver bom para os dois, está bom para todos.
Nesses novos tempos, seremos atores do distanciamento físico. Mas a atenção especial deve recair no risco de distanciamento social e afetivo. A autonomia conquistada pelo esforço de relativizar o que está lá fora pode nos levar para essa armadilha, mais do que esperta e sorrateira. Nesse cenário, a conexão com qualidade vai se mostrar mais importante do que a proximidade física ruidosa e sem presença emocional.
Outro detalhe significativo: atuando diante de câmeras e microfones, tudo leva a crer que perderemos em termos de espontaneidade. Nossa alegria, nossa tristeza, a euforia por uma nova conquista, isso tudo vai ser editado ao vivo. Seremos repórteres de TV, com tempo e espaço limitado para narrar um fato importante. Sem gaguejar. Sem falar enquanto o outro ocupa a palavra. Sem chorar. Sem palavrões, por favor, ainda que eles sejam a forma adequada de expressar a intensidade de um sentimento. No máximo, um polido “PQP, estou feliz pra caramba!”. Afinal, é preciso ser cauteloso ao produzir o que vai ficar gravado numa geringonça chamada celular, esse sujeito cheio de memória.
A lição está dada. Só nos resta aprender.
Rubens Marchioni é palestrante, produtor de conteúdo, blogueiro e escritor. Eleito Professor do Ano no curso de pós-graduação em Propaganda da Faap. Pela Contexto é autor de Escrita criativa: da ideia ao texto. https://rumarchioni.wixsite.com/segundaopcao / e-mail: [email protected]