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História da Sexualidade

por Peter N. Stearns, em História da Sexualidade

As atitudes referentes à sexualidade diferem de acordo com contextos sociais distintos – para citar um exemplo, algumas sociedades, em determinados períodos, desaprovam vigorosamente a masturbação, mas então, com o passar do tempo, se abrandam e adotam uma maior permissividade. A cultura sexual, os valores e as crenças aplicados à sexualidade, obviamente mudam com o tempo, e essa é uma parte importante da história mais ampla. Os comportamentos efetivos também possuem uma história. Os índices de adultério variam, dependendo do período e de condições sociais mais amplas. A idade da puberdade muda (o que significa que nem mesmo a biologia é uma constante absoluta), dependendo da nutrição e do contexto social. A média de idade para a ocorrência da menopausa também pode variar. Características básicas da sexualidade destacam-se na história dedicada ao assunto, e é isso que torna o tema interessante, relevante e, às vezes, surpreendente.

Os estudos sérios sobre a história da sexualidade são coisa recente, de apenas algumas décadas; tradicionalmente, os historiadores dedicavam-se a trabalhar sobretudo com política, diplomacia, grandes ideias e, quiçá, padrões econômicos. Mas a compreensão dos padrões de sexualidade no passado ajuda a iluminar um aspecto fundamental do comportamento humano, o que deveria ser justificativa suficiente para essa expansão do escopo da disciplina. A história da sexualidade também se relaciona a outros temas – como diferenças de classes sociais e padrões relacionados a gênero. Os governos invariavelmente buscam controlar ou regulamentar o comportamento sexual (nem sempre com muito sucesso), e o sexo certamente figura no impacto causado pelos exércitos e autoridades coloniais – o que associa diretamente a história da sexualidade a tópicos históricos convencionais. Cada vez mais constatamos o papel desempenhado pelo estupro nos conflitos civis e militares, outra vinculação, ainda que horrível. Assim, o tema está longe de ser um aparte frívolo no grande empreendimento da história da humanidade.

Sem dúvida, a história da sexualidade envolve questões que algumas pessoas, mesmo em sociedades cada vez mais permissivas, ainda preferem não discutir. Minha convicção pessoal é a de que é melhor falar sobre sexo, na verdade usando a história como um caminho para investigar questões fundamentais, do que ocultar o tema. Mas não existe aqui a intenção de ser gratuitamente chocante. Alguns livros de história da sexualidade concentraram-se em comportamentos exóticos, que não necessariamente lançam luz sobre aspectos ligados à sexualidade da maioria das pessoas, e esse não é o enfoque do meu livro. A sexualidade é um elemento importante da condição humana, e sua história pode e deve ser investigada a partir dessa perspectiva, sem a intenção deliberada de excitar ou ofender.

Há, sem sombra de dúvida, aspectos da história da sexualidade que não podem ser estudados como se gostaria, simplesmente porque não existem dados precisos. Os comportamentos que uma sociedade desaprova são particularmente resistentes às sondagens da história. Para citar um exemplo óbvio, não é fácil obter informações sobre as práticas homossexuais em alguns períodos e lugares. Ainda que os historiadores possam tratar das atitudes acerca da masturbação e discutir alguns aspectos de seu impacto, jamais teremos condições de falar sobre a variação nos índices de masturbação de um perío-do para o outro, pois essa é uma prática quase sempre mantida em segredo. Outro problema, atual, é intrigante. As estrondosas campanhas publicitárias de medicamentos que melhoram o desempenho sexual masculino – Viagra e afins – talvez suscitem a seguinte indagação: os casos de disfunção erétil estão aumentando? Novas questões de saúde, como as taxas de diabetes ou hipertensão, e suas respectivas medicações, podem causar novos problemas; e/ou o recrudescimento do desejo sexual e da busca do prazer, bem como a necessidade de demonstrar virilidade, mesmo na velhice, também poderiam ajudar a explicar o novo interesse no bom desempenho. Ou tudo pode não passar de um estratagema das empresas farmacêuticas para badalar os medicamentos. São boas perguntas, mas o fato é que não há como termos certeza: não existem dados meticulosos sobre a capacidade erétil em décadas anteriores. Em outras palavras, existem tremendas limitações com relação ao que podemos saber em termos históricos (ou até mesmo sobre os hábitos sexuais de nossa própria época). Mas os historiadores descobriam muita coisa, e é possível discutir significativas mudanças e continuidades históricas. As atitudes públicas, em si mesmas importantes, são de acesso mais fácil do que os comportamentos; porém, mesmo muitos destes últimos se prestam a importantes descrições e análises históricas. O tema é tão interessante que mesmo um tratamento histórico mais ou menos limitado vale o esforço.

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Elaborar uma história da sexualidade em termos de história mundial salienta o problema da documentação. Diferentes sociedades geram diferentes tipos e quantidades de registros relevantes. Todas as sociedades possuem valores que se aplicam à sexualidade – o tema é importante demais para não gerar leis e comentários culturais. Assim, podemos apreender as culturas sexuais, desde que haja à disposição algum tipo de material histórico significativo. Para citar dois exemplos: o primeiro código legal conhecido, o da Babilônia, dedica grande atenção à regulamentação sexual; e a arte primitiva tinha forte conteúdo sexual. Mas os materiais sobre prática sexual são bem mais variados.

Pelo menos igualmente importante, para nossos propósitos, é o fato de que os historiadores estudaram a sexualidade de algumas sociedades de maneira bem mais abrangente do que a de outras, o que significa que nem todas as comparações que talvez desejássemos empreender são possíveis. Na verdade, existem oportunidades concretas para o desenvolvimento de futuros trabalhos sobre a história da sexualidade vista como tópico comparativo e global, com forte potencial para avanços importantes e efetivos no conhecimento histórico (do mesmo tipo que já se mostrou relevante e bem-sucedido na pesquisa sobre diversas sociedades).

A comparação é essencial. Diferentes sociedades têm diferentes padrões, de modo que a comparação revela muita coisa sobre como civilizações particulares funcionavam e funcionam. Hoje em dia, a televisão brasileira, incluindo as novelas, faz referências bem mais explícitas à sexualidade do que seu congênere nos Estados Unidos. Até mesmo o conteúdo sensual da arte pode ser extremamente diferente, como revela facilmente a comparação entre as estátuas de deusas hindus e as mulheres retratadas na arte chinesa. Os contatos entre as sociedades também afetam sobremaneira a cultura e a prática sexual. Era comum que os colonizadores tivessem filhos ilegítimos com as nativas, ajudando a estabelecer uma difundida incidência de sexo fora do casamento que tem duradouros impactos na América Latina, incluindo, é claro, o Brasil. O jugo colonial britânico na Índia, no auge do puritanismo europeu no século xix, precisou abrir exceções especiais na lei para permitir o uso da arte hindu nos selos postais indianos, o que revela uma inesperada complexidade introduzida pelo contato entre duas sociedades bastante diferentes, com valores sexuais muito distintos. Por fim, tanto a cultura como a prática refletem algumas das forças mais amplas na história mundial. Os padrões do comércio global, em nossa própria época, ajudam a explicar a nova incidência de tráfico sexual em diversas partes do mundo. A difusão da agricultura, em um período bastante anterior, teve impacto dramático sobre a sexualidade. A sexualidade, o que não chega a surpreender dada a sua importância, sempre foi uma parte essencial do panorama da história mundial; observá-la com atenção ajuda a traduzir os padrões da história mundial para uma compreensão da vida cotidiana e do comportamento humano comum.

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A história da sexualidade começa com o fato de que, como muitos antropólogos apontaram, o animal humano tem algumas características distintivas. A sexualidade é, afinal de contas, uma questão de comportamento animal, embora, no caso dos seres humanos, outras coisas estejam envolvidas. Em comparação com muitas espécies de mamíferos, os humanos têm um número incomum de zonas erógenas pelo corpo, o que obviamente pode fomentar a estimulação sexual. Embora as fêmeas da espécie sejam férteis durante apenas alguns dias do mês, seus períodos férteis são mais frequentes do que os de muitos outros mamíferos, e elas podem ser estimuladas sexual-mente até mesmo em períodos não férteis, ou depois que sua fertilidade cessa, com a menopausa; assim, diferentemente de muitos outros animais, sua atividade é menos dependente de alguns momentos do ano em que estão “no cio”. Há outra distinção interessante com relação à maioria dos mamíferos (exceto os chimpanzés): os humanos desenvolvem a capacidade para e o interesse em atividade sexual antes mesmo que a maior parte das jovens mulheres comece a ovular regularmente, o que significa que podem ter relações sexuais durante alguns anos com menor probabilidade (o que não quer dizer, é bom que se avise, que a probabilidade é nula) de gravidez. As crianças humanas, por sua vez, demonstram certos tipos de consciência sexual, pelo menos com relação ao próprio corpo.

Esses aspectos, simples, mas básicos, implicam que a atividade sexual humana pode ser, e invariavelmente é, bastante frequente, e pode ter menos vinculações com o esforço reprodutivo do que se verifica em muitas outras espécies. A ideia de um hiato parcial entre o apetite sexual e a capacidade reprodutiva praticamente inclui uma possível vontade de experimentalismo da parte dos adolescentes, e certamente algumas questões sociais acerca do controle ou regulação desses impulsos de experimentação. De fato, todo o aparato biológico humano, no que diz respeito ao sexo, inevitavelmente impõe algumas necessidades de regulação da espécie, de modo a garantir que a atividade sexual não saia de controle ou se torne por demais desestabilizadora, tanto da vida dos indivíduos como das relações sociais. Isso é particularmente pertinente, porque os humanos têm maior capacidade de reprodução do que a maioria das famílias ou sociedades geralmente gostaria. Se um casal tentar maximizar seu comportamento reprodutivo, iniciando as relações sexuais logo nas primeiras etapas do desenvolvimento da fertilidade e continuar até o fim da capacidade fértil, terá em média cerca de 14 filhos. É a chamada fórmula hutterite, seita religiosa do Canadá que durante vários anos praticou esse esforço procriativo desenfreado. Ao longo da história, sempre houve alguns casais que formaram famílias igualmente numerosas. Porém, na maior parte dos períodos históricos, a fórmula hutterite gera mais filhos do que se pode criar ou sustentar com facilidade; por isso, a maioria das sociedades desenvolve alguns costumes cujo intuito é estimular uma reprodução mais moderada, o que, por sua vez, significa atividade sexual menos frequente ou alguma forma de controle sobre a atividade sexual. Aqui também a capacidade sexual humana rapidamente gera a necessidade de resposta social. A natureza exata dessa resposta pode, obviamente, variar de uma sociedade para outra, e pode se alterar. Isso faz parte da história da sexualidade. Mas certa tensão entre a capacidade biológica e as necessidades sociais é mais ou menos constante, embora suas manifestações específicas mudem tremendamente ao longo do tempo.

Os sociobiólogos acrescentariam alguns outros elementos básicos à sexualidade humana. Eles apontam que, como outros animais, existem significativas diferenças de gênero. Alguns afirmam que os machos, constantemente produzindo novas quantidades de esperma durante seus anos férteis, são “naturalmente” propensos a ter mais relações sexuais, com o maior número possível de parceiras diferentes, para espalhar sua herança genética; já as mulheres, por outro lado, com um estoque limitado de óvulos e o fardo de ter de carregar o filho antes do nascimento, acham importante limitar seus parceiros e se empenhar para assegurar a estabilidade de sua prole. De acordo com esse argumento, existe uma distinção inata, que também terá implicações sociais: homens mais ávidos, mulheres mais reticentes. Isso talvez possa também ajudar a explicar, embora não seja desculpa ou justificativa, parte do uso da sexualidade para a dominação masculina, caso, por exemplo, dos abusos contra mulheres em épocas de guerra. Os historiadores argumentariam que o papel desse imperativo biológico não deve ser exagerado, uma vez que os indivíduos e as culturas podem introduzir, em qualquer padrão básico, diversas variantes; mas vale a pena tê-lo em mente. A fertilidade do homem geralmente dura mais tempo que a das mulheres, o que introduz algumas questões interessantes para a sexualidade na velhice. Ao fim e ao cabo, o ponto é o seguinte: a biologia insere na sexualidade humana importantes complexidades, o que, por sua vez, assegura que a história das atitudes e comportamentos sexuais seja complexa.

Outras questões biológicas são dignas de nota. Algumas autoridades argumentam que 10% da população é “naturalmente” homossexual, o que, é claro, é contestado por outras, que consideram a homossexualidade uma questão de pecado ou aberração psicológica. Um número reduzido de pessoas nasce com traços sexuais incertos, o que significa que muitas sociedades se defrontam com a necessidade de decidir o que fazer em tais circunstâncias, como definir e lidar com as pessoas que atualmente são chamadas de intersexo (ou hermafroditas). Aqui, também, um fenômeno padrão, em termos biológicos, exige uma variada gama de respostas culturais, que mudam de um lugar para o outro e de uma época para a outra. A biologia, obviamente, dita o fato de que o cruzamento entre parentes próximos produz uma taxa mais alta de filhos geneticamente defeituosos do que se verifica em relações sexuais de outra ordem, e, provavelmente, as primeiras sociedades registraram esses resultados; isso explica os muitos esforços para proibir contatos sexuais entre irmãos e parentes de primeiro grau. Mais uma vez, a biologia se entrecruza de importantes maneiras com a história da sexualidade humana.

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A sexualidade humana vem mudando bastante nas últimas décadas. Novos níveis de pressão populacional – as populações globais triplicaram no século xx, uma taxa de crescimento sem precedentes – compelem novas decisões pessoais e sociais com relação ao sexo com fins reprodutivos. Novos dispositivos, como a pílula anticoncepcional, facilitam uma crescente separação entre sexo e reprodução, criando maiores oportunidades para o sexo recreativo. Novos tipos de mídia, como o cinema e a televisão, criam oportunidades para a visualização de estímulos sexuais, como nunca antes. Os contatos cada vez maiores entre as sociedades, graças à comunicação global e ao comércio, inevitavelmente criam tensões, à medida que colidem diferentes padrões sexuais. Novas ideias sobre os direitos humanos geram debates sobre o tratamento de certos tipos de minorias sexuais; esses debates são particularmente vigorosos em algumas sociedades, muitos deles adquirem ressonância global. Mudanças nos padrões de trabalho e coeducação, com mais e mais mulheres estudando e trabalhando fora de casa, graças à industrialização e à urbanização globais, criam oportunidades para interações sexualmente relevantes, mas também preocupações quanto à regulação apropriada dos comportamentos – o novo e moderno conceito de assédio é uma resposta importante. Em meio a essas e outras mudanças fundamentais, muitas sociedades e indivíduos reagem com indignação, buscando se defender contra as inovações inadequadas em uma das áreas mais íntimas, embora potencialmente sacrossantas, da vida humana. Uma das razões pelas quais a história da sexualidade adquire importância é que envolve a oportunidade de analisar padrões de mudança vigentes e as reações à mudança – usando a história recente para compreender melhor as nossas identidades globais contemporâneas.

Mas a história da sexualidade não é somente um tópico moderno, e padrões anteriores são em si mesmos interessantes, bem como propiciam panos de fundo cruciais para as preocupações contemporâneas. Diferentes reações e respostas regionais a tendências contemporâneas, por exemplo, estão diretamente relacionadas a sistemas de valores sexuais desenvolvidos quase sempre muitos séculos atrás.

Este livro começa com uma discussão das implicações sexuais da transição das economias caçadoras-coletoras para as economias agrícolas – transição que teve óbvios impactos nos comportamentos, e que, de modo ainda mais dramático, estimulou o desenvolvimento de novas normas culturais. Inevitavelmente, esse primeiro exercício envolve certo esforço para determinar se, no passado, algumas sociedades conseguiram expressar a sexualidade de maneira mais bem-sucedida, com menos dificuldades e problemas emocionais, do que lograram as sociedades mais complexas. Depois que alguns antropólogos, no início do século xx, julgaram ter encontrado ajustes sexuais superiores em algumas das sociedades mais “primitivas”, a questão tem sido alvo de debates vigorosos. Não resta dúvida, porém, de que a agricultura, a primeira grande transição da economia humana, mudou consideravelmente o conjunto de circunstâncias que afetam o comportamento sexual.

À medida que as sociedades agrícolas amadureceram, foram desenvolvendo vários padrões para a sexualidade, aqui apresentados por meio de comparações entre as sociedades clássicas detalhadas no capítulo “A sexualidade no período clássico”. As normas de gênero e as maneiras de encarar a homossexualidade estavam entre as principais variáveis, mas no âmbito das civilizações agrícolas as diferenças de classe social também devem ser levadas em conta.

A propagação das grandes religiões introduziu mudanças ainda maiores, particularmente durante o período pós-clássico, entre cerca de 500 e 1450 a.c. Explicar as causas e impactos da mudança e atualizar descobertas comparativas são maneiras de trazer a história da sexualidade para mais perto dos tempos modernos.

Entre 1500 e 1750, a grande novidade é o desenvolvimento de novos contatos e padrões de migração (incluindo a migração forçada pelo comércio de escravos no Atlântico) e os resultados disso sobre os comportamentos sexuais. As críticas às práticas sexuais de várias sociedades ficaram mais claras em meio à acelerada interação, o que pode ter tido consequências significativas.

Tendo início de maneira definitiva no século xviii, primeiro particularmente no mundo ocidental, as forças de urbanização, a industrialização incipiente e o crescente consumismo tiveram importante papel no que tange à mudança tanto dos comportamentos sexuais como das atitudes com relação ao sexo. Os historiadores começam a falar em “revoluções sexuais”, das quais o final do século xviii é um crucial primeiro passo. Ao mesmo tempo, a influência cada vez maior do Ocidente e o imperialismo propriamente dito marcam novos esforços no sentido da imposição de padrões sexuais a outras sociedades, às vezes com consequências imprevistas. O intervalo 1750-1950 foi um período complicado na história global da sexualidade –– o que é evidenciado, entre outras coisas, por frequentes abismos entre padrões professados e comportamentos efetivos. Dois capítulos discorrem, primeiramente, sobre as complexas transformações no Ocidente, e, depois, sobre padrões e reações globais.

A última parte, que trata das décadas mais recentes, tem como eixo a interação entre as novas pressões globais afetando a sexualidade, a partir dos cada vez mais intrincados contatos entre diferentes partes do mundo, e as reações regionais que vão da inovação revolucionária à resistência tradicionalista à mudança. As tendências globais incluem a influência das novas mídias, tais como a indústria cinematográfica, a popularização das práticas e dispositivos de controle da natalidade e a contínua aceleração do crescimento urbano e industrial. Incluem também novas teorias e descobertas científicas, afetando, por exemplo, a definição de homossexualidade. O feminismo também conseguiu algum alcance e projeção global; embora expressassem ideias complicadas sobre a sexualidade, as feministas lograram moldar novas atitudes com relação a questões como estupro, circuncisão feminina e prostituição, bem como legitimar novas expectativas entre as próprias mulheres. Ainda mais recentemente, os movimentos de defesa dos direitos dos homossexuais lutam por reconhecimento global. Contudo, as tendências globais não criam um modelo único de cultura sexual ou prática sexual. Importantes sociedades reagiram e responderam a forças regionais, como a onda de revoluções comunistas que varreu diversas nações, ou o impacto das guerras e dos conflitos civis; enquanto isso, vários líderes religiosos tentaram reafirmar seu papel de guias da decência sexual. A comparação continua sendo essencial, à medida que fatores globais se deparam com variadas misturas de acomodação, resistência e adesão entusiástica. Os argumentos sobre a sexualidade, no âmbito das e entre as sociedades globais, constituem uma significativa realidade global no início do século XXI.

O ponto principal e a razão-chave para o estudo da história da sexualidade envolvem saber até que medida as sociedades, incluindo a nossa, ainda estão reagindo à mudança histórica, por meio de comportamentos sexuais e valores contemporâneos, além de debates invariavelmente ferozes. Tradições mais antigas, iniciadas, por exemplo, pelas grandes religiões, continuam moldando reações. Ainda mais importante é investigar até que ponto praticamente todas as sociedades que se confrontaram com tremendas alterações nos fatores afeitos à sexualidade – incluindo o controle da natalidade e as representações da mídia – ainda estão tentando se ajustar. Não causa surpresa o fato de que o processo gera, tanto no âmbito de uma mesma sociedade como entre as sociedades, profundas divisões, dissidências e controvérsias, acerca de questões que vão do sexo pré-marital ao homossexualismo até a determinação de quantas e quais partes do corpo devem ficar à mostra na televisão ou nas praias. O tema é fundamental para a vida humana; está vivo e ativo há mais de dois séculos em quase todo lugar; dá colorido aos contatos entre as sociedades. E a melhor maneira de compreender tudo isso é por meio da disciplina que combina o estudo da mudança com comparações entre diferentes sociedades – ou seja, por meio da história. Provavelmente a história da sexualidade é interessante em si mesma, e é verdadeiramente inescapável, uma vez que lança luz sobre um complexo e polêmico conjunto de mudanças que conecta diretamente presente e passado.

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