Gabrielle foi visitar seu avô de 97 anos, que está se recuperando de uma queda recente. André nasceu em 1924, ano da invenção da vacina contra o tétano. Como perdeu o pai em razão de uma falência respiratória, sequela da gripe espanhola de 1918, André foi criado principalmente pela mãe e uma tia. Graças aos cuidados dessas duas mulheres, sua infância e adolescência foram muito seguras. Teve uma pneumonia aos 29 anos, facilmente tratada com antibióticos. Ao contrário de seu pai, não teve nenhuma sequela.
André pôde levar uma vida normal. Casou-se e teve três filhos; entre eles, a mãe de Gabrielle, que nasceu em 1959. Ele fez carreira numa empresa do setor energético e gozou de sua existência sem se com a saúde. Na década de 1970, a mortalidade cardiovascular estava regredindo. Nem mesmo um câncer de próstata aos 70 anos o angustiou, e o tratamento não alterou muito sua qualidade de vida. Em compensação, quando a mãe de Gabrielle teve um câncer de mama alguns anos antes, ele ficou bem mais preocupado. Embora fosse um tumor pequeno, ela estava na casa dos 30 anos e ainda não tinha filhos. A família temia que pudesse ficar estéril com o tratamento ou que uma gravidez futura provocasse uma recidiva. Gabrielle nasceu em 1995 e cresceu com boa saúde. Em sua ficha médica, só consta uma asma alérgica persistente.
Ao visitar o avô, Gabrielle lhe conta que os seres humanos ganham um trimestre de vida por ano. Se hoje ela perguntasse aos demógrafos a idade estatisticamente provável de sua morte, alguns deles considerariam prolongar essa tendência a uma longevidade superior a 90 anos. E se fizesse a mesma pergunta aos chamados transumanistas, a resposta dispensada sobre essa expansão linear seria ainda mais otimista, certamente superior a 100 anos.
No entanto, talvez seja honesto dizer a Gabrielle que o mundo se tornou complexo demais para possibilitar qualquer previsão em um prazo tão longo. São tantas as incertezas que não é sensato equacionar a saúde mundial em um século. Acontece que é plausível que Gabrielle não viva tanto quanto o avô. Talvez nem chegue perto da idade dele.
A história da saúde não é a história da Medicina, pois apenas de 10% a 20% da saúde são determinados pela Medicina. Essa porcentagem era ainda menor nos séculos anteriores. Os outros três determinantes da saúde são o comportamento, o ambiente e a biologia – idade, sexo e genética. As histórias da Medicina centradas no atendimento à saúde não permitem uma compreensão global da melhoria da saúde humana. A história dessa melhoria é uma história de superação. Antes dos primeiros progressos, a saúde humana estava totalmente estagnada. Da Revolução Neolítica, há 12 mil anos, até meados do século XVIII, a expectativa de vida dos seres humanos ocidentais, aqueles do “mundo conhecido”, não evoluíra de modo significativo. Estava paralisada na faixa dos 25-30 anos. Foi somente a partir de 1750 que o equilíbrio histórico se modificou positivamente. Vários elementos alteraram esse contexto, provocando um aumento praticamente contínuo da longevidade. Há 200 anos, as suecas detinham o recorde mundial com uma longevidade de 46 anos. Em 2019, eram as japonesas que ocupavam o primeiro lugar, com uma duração média de vida estimada em 88 anos.
Mesmo sem alcançar esse recorde, as populações dos países industrializados podem esperar viver atualmente ao menos 80 anos, e os quase centenários como André não são mais raridade. A saúde e a excelente longevidade do avô de Gabrielle se fundamentam num acúmulo de progressos que vêm de longe. Desde 1750, cada geração vive um pouco mais do que a anterior e prepara a seguinte para viver ainda mais tempo. É desses progressos que este livro trata.
O livro aborda apenas a melhora da saúde. Ele não se debruça, portanto, por toda a história que precede ao século XVIII, na qual a expectativa de vida humana estagnara globalmente. Além disso, ele se concentra bastante no Ocidente, onde os dados vitais estão mais disponíveis.
Jean-David Zeitoun é doutor em Medicina e em Epidemiologia Clínica e graduado pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po). É autor de mais de uma centena de artigos científicos.