Do Guia da Folha
Avaliação: ótimo
Em suas aulas e em sua obra, José de Souza Martins sempre fez jus à lição de seu mestre Florestan Fernandes: os “fundamentos empíricos da explicação sociológica”, ou seja, uma ciência do social que, não obstante o engajamento pessoal do pesquisador nas lutas políticas de seu tempo, deve ser exercida sem cabrestos ideológicos, sem esquemas mentais preguiçosamente impostos de fora à concretude, singularidade e contradições da história.
E tal orientação metodológica está muito patente no clássico “O Cativeiro da Terra“, relançado em versão substancialmente revista e ampliada. Tomando por referência específica a agricultura cafeeira de São Paulo do século 19, o professor de sociologia da USP estuda as raízes do moderno capitalismo brasileiro, em suas significativas diferenças em comparação com Europa e Estados Unidos.
Ao invés de uma mudança linear do escravismo ao regime assalariado, aqui a passagem se deu, segundo o autor, de forma “recuada”, com a criação pelo capital de formas sociais retrógradas de transição, de modo a atenuar o assalariamento e aumentar a taxa de exploração do trabalho; configurou-se entre nós uma simultaneidade de tempos históricos contraditórios, com consequências importantes para a “lentidão histórica”, o conformismo e a despolitização da sociedade brasileira.
Nos anos 70, os problemas enfrentados por este livro se revestiam de um potencial intelectual explosivo, até porque entender o nascimento do nosso capitalismo, e suas anomalias ante a teoria clássica, era uma exigência do debate sobre seu possível ultrapassamento na revolução.
Mas “O Cativeiro da Terra”, como investigação da gênese do Brasil moderno, em bases diversas do ensaísmo sociológico clássico, sobrevive ao esfriamento de suas circunstâncias imediatas, e um de seus aspectos mais atuais é a forma como resgata o método dialético de Marx das distorções e superstições teóricas do “marxismo vulgar”, sobretudo o mecanicismo althusseriano.
CAIO LIUDVIK