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Guerra na Ucrânia | Alessandro Visacro

Após um ano de intensos combates no Leste Europeu, quais lições estão sendo ignoradas?

Um povo é definido pela singularidade de suas experiências históricas. Embora traços culturais possam ser compartilhados, a formação da identidade nacional requer unicidade. Características próprias determinam não apenas a autoimagem que cada sociedade faz de si mesma, como também fundamentam a construção do pensamento estratégico, moldam a percepção dos líderes nacionais, afetam o julgamento dos decisores políticos e orientam o comportamento da opinião pública. Por conseguinte, estadistas e militares lançam mão de modelos interpretativos autóctones para enquadrar e aplicar preceitos doutrinários universalmente aceitos. Ou seja, a memorável obra de Clausewitz, por exemplo, está sujeita a interpretações distintas se estudada em Washington ou Moscou.

Logo, não causa surpresa que a guerra travada no Leste Europeu esteja muito longe de ser igualmente compreendida por russos, ucranianos, alemães e norte-americanos. Além de interesses divergentes, o pensamento estratégico, as motivações políticas, as pretensões governamentais e a psique de cada população são discrepantes. Assim como um cidadão holandês considera absolutamente infundadas as alegações de que a eventual presença de tropas da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) em território ucraniano possa representar uma ameaça existencial para a Rússia, um moscovita possivelmente não vê coerência alguma em austríacos e belgas o rotularem como risco à segurança da Europa. As idiossincrasias são parte relevante do problema. Portanto, abordagens impregnadas de viesses e resíduos etnocêntricos, invariavelmente, produzem deduções imperfeitas e interpretações maniqueístas, passíveis de serem contaminadas pela voraz propaganda de guerra, obstruindo, ainda mais, as chances de uma saída negociada para o conflito.

Desde o seu início, no dia 24 de fevereiro de 2022, a invasão da Ucrânia tem sido objeto de análises consistentes, realizadas por dedicados profissionais e instituições de reconhecida relevância e credibilidade. Naturalmente, ao completar um ano, avolumaram-se os estudos a seu respeito. Farto material, incluindo conteúdo publicitário mascarado de informação, pode ser encontrado em plataformas digitais, acessíveis a qualquer indivíduo.

Guerra na Ucrânia | Alessandro Visacro

Além de descreverem os principais eventos e formularem prognósticos geopolíticos, pesquisadores civis e militares buscam identificar características e tendências que definirão as próximas guerras. Contudo, cabe ressaltar que outros conflitos, como a Guerra da Crimeia (1853-1856), a Guerra Civil Espanhola (1936-1939), a Guerra Russo-Finlandesa (1939-1940) ou a Guerra do Yom Kippur (1973), por exemplo, prestaram-se para o mesmo fim analítico. Apesar de oferecerem elementos importantes para a prospecção de futuros engajamentos de forças, as lutas que as sucederam não foram, apenas, uma mera reprodução das predisposições observadas no campo de batalha. Ao contrário, extrapolaram e, por vezes, refutaram ensinamentos previamente colhidos.

Nos debates em torno da guerra na Ucrânia, algumas ideias tornaram-se lugares-comuns, dentre as quais se destacam: (1) argumentos que corroboraram preceitos táticos e estratégicos já consagrados ao longo da história militar; (2) o impacto de novas tecnologias, sobretudo nos níveis operacional e tático; e (3) a necessidade de ampliação dos orçamentos de defesa. Decerto, nenhum Estado pode prescindir de poderio bélico convencional, crível e robusto, compatível com a salvaguarda dos interesses nacionais. As forças armadas devem dispor de quadros treinados segundo uma doutrina moderna, além de incorporar novas tecnologias com criatividade e rapidez. No entanto, limitar a conclusão de análises apenas a essas questões triviais, talvez, denote certa atrofia do pensamento estratégico. Poucos analistas parecem dispostos a abordar o cerne do problema, qual seja: a efetividade do instrumento militar na consecução de metas políticas.

Embora Clausewitz seja citado de forma recorrente, são raros os estadistas que evidenciam acurada compreensão do caráter político da guerra. Devido a seus enormes efeitos destrutivos, a batalha e a campanha militar (eventos circunscritos aos níveis tático e estratégico, respectivamente) acabam subtraindo, de forma indevida, a importância da guerra como fenômeno determinante no nível político. Os militares, em particular, exibem a mesma tendência. Afinal, são eles os responsáveis diretos pela aplicação das capacidades coercitivas disponíveis nas forças armadas. De acordo com um dos principais pensadores da estratégia nuclear, Bernard Brodie, “os soldados normalmente dedicam-se com afinco ao estudo da tática; mas, em poucas ocasiões, comprometem-se com o estudo da estratégia e, quase nunca, com o da guerra”.

Além da tragédia humanitária que se abateu sobre a população ucraniana, as relações entre Moscou e as potências ocidentais deterioraram-se de forma muito abrupta, adquirindo contornos perigosos e imprevisíveis. Até mesmo a hipótese de emprego de armas atômicas não pode mais ser descartada. Como os líderes mundiais permitiram que suas políticas chegassem a esse ponto? A fim de compreendermos os combates no Leste Europeu e seus possíveis desdobramentos, devemos, inicialmente, nos perguntar em que tipo de guerra os três principais atores (Rússia, Ucrânia e Estados Unidos) estão empenhados, neste momento.

Rússia
As lutas religiosas travadas, na primeira metade do século XVII entre católicos e protestantes foram responsáveis pelo advento do Estado moderno. Quando a Guerra dos Trinta Anos chegou ao seu fim, em 1648, o mapa da Europa caracterizava-se, sobretudo, pela atomização política do continente. Assim sendo, o equilíbrio de poder tornou-se a pedra angular da nova ordem internacional, gerada pelos tratados de Münster e Osnabrück.

Entretanto, a Rússia ortodoxa, que por razões óbvias mantivera-se à margem do conflito, figuraria como antítese do Estado vestfaliano. Afinal, a dinastia Romanov era dona de um império multiétnico e multinacional, dotado de enorme extensão territorial, sem equivalente na Europa absolutista. Por conseguinte, a linha mestre de sua política externa não se apoiava no tão propalado equilíbrio de poder. Ao contrário, o fator determinante era o contínuo alargamento de sua esfera de influência, produzindo um dilema de segurança aparentemente insolúvel: “quanto mais o país estende seus limites territoriais, mais instável se tornam suas fronteiras; a fim de proteger seus interesses, recorre-se à intervenção militar, que resulta em novas conquistas e mais instabilidade, alimentando um insaciável impulso expansionista”. Percebe-se, portanto, que guerras de anexação são inerentes à concepção estratégica russa. Logo, ao se sentir de alguma forma ameaçado, o Kremlin tradicionalmente opta pela ofensiva militar.

Para assegurar a constante incorporação de novos espaços e a sujeição de novos povos em um território tão vasto, foram necessários rearranjos demográficos. A realocação compulsória de migrantes, por meio do assentamento de colonos russos e deportação de contingentes populacionais nativos, fez com que as fronteiras étnicas deixassem de corresponder às fronteiras políticas. Mapas com traçados indefinidos e regiões administrativas com limites passíveis de alterações, com o decorrer do tempo, deram origem a inúmeras áreas de litígio com forte presença de russos étnicos – como a bacia do rio Donets e a estratégica península da Crimeia.

A superextensão territorial levou a confrontações no oriente com a China e o Japão; na Ásia Central com o Império Britânico; nas regiões do Cáucaso e do Mar Negro com a Turquia; a oeste com as potências ocidentais; e na região do Mar Báltico, ao norte, com a Prússia, Suécia e Finlândia. Em três ocasiões, os russos testemunharam as chamas consumirem sua capital: no ano de 1230, em decorrência da invasão mongol; em 1611, durante a guerra contra a Polônia; e, em 1812, eles próprios atearam fogo em Moscou, com o intuito de impedir que o exército napoleônico tivesse acesso aos recursos locais.

O histórico de hostilidades com o Ocidente não pode ser ignorado, em especial: a invasão francesa na primeira metade do século XIX; o envolvimento anglo-francês em proveito da Turquia durante a Guerra da Crimeia; a disputa com a Áustria-Hungria por influência nos Bálcãs, que resultou na eclosão da Grande Guerra em agosto de 1914; a brutal invasão alemã em junho de 1941; e a sórdida disputa política e ideológica que caracterizou a Guerra Fria.

Governos ocidentais também intervieram na Guerra Civil Russa. Em 1919, farta quantidade de material bélico foi enviada para suprir forças contrarrevolucionárias. Ademais, um contingente de cerca de trinta mil soldados (tchecos, norte-americanos, ingleses, franceses e alemães) posicionou-se à retaguarda das tropas do almirante Kolchak, a fim de prover segurança à ferrovia transiberiana.

Portanto, no imaginário russo, a “ameaça ocidental” não é uma mera abstração, como pode parecer a um incauto e distante espectador. O próprio presidente Vladimir Putin traz consigo as marcas dessa rivalidade. Seu pai foi ferido durante a Grande Guerra Patriótica e sua mãe sobreviveu aos horrores do cerco de Leningrado, entre setembro de 1941 e janeiro de 1944. Durante um encontro com veteranos de guerra, ocorrido em 2012, Putin alegou o falecimento de um irmão, de apenas dois anos, nas ruínas da cidade sitiada.

Entre 1989 e 1991, as duas grandes reformas idealizadas pelo presidente Mikhail Gorbachev (Perestroika e Glasnost) precipitaram o fim do combalido império soviético. Os russos identificaram no término da Guerra Fria uma oportunidade de reconciliação com o Ocidente. Entretanto, os Estados Unidos, alçados à condição de potência hegemônica, interpretaram o evento, tão somente, como a derrota definitiva de Moscou, dispensando à extinta União Soviética um tratamento bem próximo daquele concedido ao Império Turco-Otomano após a Primeira Guerra Mundial.

O ano de 1991, também, marcou a dissolução do Pacto de Varsóvia, criado em 1955 com o objetivo de se contrapor à Otan. Para profunda consternação das autoridades no Kremlin, a aliança militar ocidental não se desfez, não obstante o esvaziamento de seu propósito. Ao contrário, entre 1997 e 1999, expandiu-se para o Leste Europeu, incorporando ex-satélites soviéticos – Polônia, Hungria e República Tcheca.

Embora os Estados Unidos tenham exortado a Rússia à comunhão da ordem liberal democrática, o país, além de não possuir nenhuma tradição antiautoritária, jamais conhecera a economia de mercado. Foi um chamado em vão. Pois tanto o Estado quanto a sociedade, obviamente, não estavam preparados para tamanha transformação. Ademais, não houve aporte financeiro significativo, fazendo com que o discurso de Washington ensejasse uma espécie de “Plano Marshall sem ajuda econômica”, como observou o almirante Antônio Ruy de Almeida Silva.

Em 1999, a Otan bombardeou a Sérvia, tradicional aliada da Rússia. A ausência de tratativas prévias com Moscou causou descontentamento à liderança do Kremlin, que viu na iniciativa das potências ocidentais a presunção de relegá-la à condição de ator marginal na ordem internacional. Em agosto do ano seguinte, o submarino nuclear Kursk, baseado no porto de Murmansk no Mar de Barents, naufragou em decorrência de explosões internas. A trágica perda da belonave, considerada uma das mais modernas da frota russa, tornou-se símbolo da decadência nacional.

Revoluções coloridas, também, varreram as ex-repúblicas soviéticas: Revolução Rosa na Geórgia (2003), Revolução Laranja na Ucrânia (2004) e Revolução Tulipa no Quirquistão (2005). A visão míope dos dirigentes russos impediu-os de reconhecer a espontaneidade e genuinidade das reivindicações que deram origem às manifestações populares. Eles atribuíram as causas da onda de distúrbios civis tão somente a esforços subversivos do Ocidente que, por meio da mobilização do potencial de protesto das massas, penetrava sub-repticiamente na tradicional esfera de influência russa. Sob tal perspectiva, a Revolução Laranja constitui o evento que deu início à guerra na Ucrânia.

Entre 2004 e 2009, a Otan promoveu uma segunda expansão, avançando na região dos Bálcãs e no Leste Europeu. Nove países aderiram à aliança militar, incluindo os três Estados bálticos – Lituânia, Letônia e Estônia. Em 2006, os governos da Ucrânia e da Geórgia tornaram pública a intenção de estreitarem relações com o Ocidente, nos campos político, econômico e militar. As autoridades no Kremlin manifestaram abertamente sua insatisfação e inconformismo. Washington, no entanto, além de tratar de forma negligente os representantes de Moscou, ignorou as advertências de destacados cientistas políticos, como George Keenan, Henry Kissinger, Samuel Huntington e John Mearsheimer, os quais (em algum momento) alertaram sobre os riscos inerentes à violação da tradicional esfera de influência russa. Em 2008, sob o pretexto de proteger movimentos nacionalistas no norte do Cáucaso, o presidente Dmitry Medvedev ordenou que seus tanques avançassem sobre as regiões da Abcássia e Ossétia do Sul, cujo controle é reivindicado pela Geórgia.

Em 2014, uma nova onda de manifestações pró-ocidentais irrompeu em Kiev, Odessa e outras cidades da Ucrânia. A resposta do Kremlin à “primavera ucraniana”, ou Euromaidan, foi imediata. Valendo-se de um artifício conhecido como “little green men”, isto é, soldados travestidos de insurgentes separatistas, tropas russas adentraram na Crimeia pelo estreito de Kerch. Seguiu-se um referendo popular de legitimidade questionável, a fim de justificar a anexação da península. Paralelamente, Moscou apostou no patrocínio à sublevação do Donbass. Desde então, os combates não cessaram por completo na bacia do rio Donets. Nem mesmo os Acordos de Minsk, mediados por França e Alemanha, puseram um fim às hostilidades.

Em 2017, a administração do presidente Donald Trump autorizou o governo de Kiev a adquirir armas na indústria bélica norte-americana. Em 2021, o presidente “Joe” Biden firmou um convênio de cooperação de segurança e assistência militar com a Ucrânia. Naquele mesmo ano, o contratorpedeiro inglês HMS Defender desafiou as autoridades russas, aproximando-se a poucos quilômetros do litoral da Crimeia.

Ao longo de toda sua história, a Rússia sempre esteve sob o governo de um regime autocrático. Até chegar ao presidente Vladimir Putin, a lista de déspotas é imensa: Ivan, o Terrível; Pedro, o Grande; Catarina, a Grande; Nicolau I; Alexandre III; Josef Stalin etc. Em decorrência da concentração de todos os instrumentos do poder nas mãos do chefe de Estado, é possível observar uma significativa propensão ao emprego flexível de estratégicas de múltiplos componentes, não se restringindo, apenas, ao campo militar – embora os dirigentes nacionais jamais tenham hesitado em fazer uso avassalador de seu poderio bélico.

Apesar da enorme assimetria econômica em relação ao Ocidente, Moscou estava obtendo resultados tangíveis com suas abordagens heterodoxas. A intromissão na guerra civil síria, por exemplo, permitiu sua reinserção como ator de relevo no Oriente Médio – protagonismo que entrara em declínio na década de 1970, após a Guerra do Yom Kippur.

Todavia, um grave erro de inteligência estratégica levou à invasão da Ucrânia. O equívoco dos analistas russos pode ser equiparado à infeliz suposição de seus homólogos norte-americanos acerca da existência de armas de destruição em massa no Iraque em 2003. Moscou negligenciou os anseios de parcela significativa da população ucraniana, expressos durante os eventos que marcaram a Revolução Laranja e o Euromaidan. Além disso, superestimou a amalgamação proveniente da identidade eslava compartilhada, assim como as tendências pró-russas no país vizinho. De acordo com o professor Joanisval Gonçalves, Moscou continuava a olhar para a Ucrânia como uma mera questão de política interna, como sempre fizera.

Ao determinar o avanço de suas tropas, no dia 24 de fevereiro de 2022, o Kremlin esperava empreender uma ação política com forte alegoria militar, produzindo o colapso imediato do governo de Kiev sem muita luta – algo parecido com o Anschluss austríaco em março de 1938. A Rússia não contava com uma campanha militar prolongada, tampouco combates que colocassem à prova a credibilidade de suas forças armadas. As evidências a seguir dão suporte a essa afirmação:

• A época do ano era inapropriada para o início de uma grande ofensiva. O final do inverno é marcado pelo degelo da primavera e pelas chuvas, que comprometem severamente as condições de trafegabilidade. Portanto, as tropas russas dispunham de muito pouco tempo para atingirem seus objetivos.

• Os ataques preliminares à infraestrutura ucraniana foram insuficientes para paralisar os esforços de mobilização e resposta do inimigo, contrariando a própria doutrina russa. Ou seja, em um primeiro momento, o país foi intencionalmente preservado dos danos causados pelo bombardeio sistemático.

• O ataque em quatro frentes simultâneas dissipou o poder relativo de combate das forças invasoras, desrespeitando o princípio da massa, pelo qual os comandantes russos tanto prezam. Uma das frentes incidia diretamente sobre a cidade de Kiev. É pouco provável que os estrategistas de Moscou buscassem um renhido combate urbano nas ruas da capital inimiga.

• Por fim, a correlação de forças de aproximadamente 1:1 era inadequada para uma ofensiva em quatro frentes e, sobretudo, era insuficiente para uma eventual ocupação militar do país.

Moscou, também, parece ter subestimado a coesão ocidental e a determinação política norte-americana, que juntas foram responsáveis pela manutenção do esforço de guerra ucraniano ao longo do último ano.

Na medida em que a campanha militar não exibia avanços fulminantes e vitórias esmagadoras, a proficiência tática das tropas russas foi questionada. Na verdade, os combates nas estepes ucranianas não revelaram nada de extraordinário em relação ao seu desempenho. Tradicionalmente, as formações russas atuam de modo sofrível no campo de batalha, como ficou demonstrado durante a Guerra Russo-Finlandesa (1939-40); Grande Guerra Patriótica (1941-45); Guerra do Afeganistão (anos 1980); Guerra da Chechênia (anos 1990); e Guerra da Geórgia (2008). Mikhail Kutuzov, Pedro Bragation, Aleksandr Vasilevsky, Georgy Zhukov, Ivan Koniev, Konstantin Rokossovsky e Nicolai Vatutin foram, sem sombra de dúvida, grandes generais. Mas suas vitórias só foram possíveis no exército russo, cuja enorme tolerância a baixas encontra poucos concorrentes. Segundo a pesquisadora Catherine Merridale, durante a Segunda Guerra Mundial, o exército soviético dispôs de 403.272 tripulantes de carros de combate, dos quais 310 mil morreram. Ou seja, os soldados que lutaram contra Napoleão em Borodino, no ano de 1812, continuam sendo os mesmos que tentam conquistar Bakhmut. Porém, as questões fundamentais são: (1) “Qual objetivo político eles pretendem alcançar por meio do seu sacrifício?” e (2) “A estratégia empregada é, realisticamente, capaz de levá-los até esse objetivo?”

A meta política perseguida pela grande estratégia russa é bem clara. Moscou almeja restaurar o poder e o prestígio do país como grande potência eurasiana. Algo que pressupõe a ruptura da hegemonia norte-americana e a reconfiguração da ordem internacional sob uma perspectiva “policêntrica”. Os dirigentes no Kremlin reivindicam a primazia usufruída tanto pela Rússia Imperial nos séculos XVIII e XIX, quanto pela antiga União Soviética no século XX. Eles advogam que se trata de uma condição natural temporariamente “usurpada” ao fim da Guerra Fria e trabalham para recuperá-la. Isso insere a guerra na Ucrânia em um contexto mais amplo.

Moscou acreditava ser possível recolocar o país vizinho, novamente, sob sua esfera de influência, impedindo que fosse atraído para a órbita ocidental. Além disso, garantiria a profundidade estratégica, considerada um imperativo de segurança nacional. Cabe destacar que planícies infindáveis e estados-tampões ajudaram a Rússia a proteger-se do Grande Armée de Napoleão e da Wehrmacht de Hitler. Portanto, é compreensível que os líderes russos considerem inaceitável forças da Otan debruçadas sobre suas fronteiras, bem próximas de onde foi travada a maior batalha de tanques da Segunda Guerra Mundial, na região de Belgorod-Prokhorovka.

No início da invasão, o presidente Vladimir Putin resumiu os objetivos operacionais atribuídos às forças armadas russas no teatro de operações a duas palavras: “desnazificação”, ou seja, a troca de regime em Kiev, a fim de permitir a instauração de um governo títere pró-Rússia; e “desmilitarização”, cujo propósito era subjugar as forças militares inimigas e assegurar, direta ou indiretamente, a porção territorial que lhe conferisse a tão necessária profundidade estratégica.

Confrontada com a resiliência das tropas ucranianas e o fracasso inicial de sua “operação militar especial”, em abril em 2022, Moscou viu-se obrigada a recalibrar sua campanha, redefinindo os objetivos operacionais. A conquista e anexação dos distritos de Luhansk, Donetsk, Zaporizhzhia e Kherson tornaram-se as metas do teatro de operações.

Extrapolando os limites do campo de batalha, a Rússia foi levada a redesenhar sua economia, além de se ver obrigada a mitigar sérios reveses, dentre os quais: (1) revitalização da aliança militar ocidental; (2) expansão da fronteira terrestre com a Otan em decorrência do eventual ingresso da Finlândia na organização, assim como menor liberdade de ação nas águas do Mar Báltico com a possível adesão da Suécia; e (3) perda “definitiva” da Ucrânia – ou o que sobrar dela – atraída para a esfera de influência Ocidental.

Todavia, até o presente momento, a Rússia vem se mostrando parcialmente bem-sucedida na consecução de seu maior objetivo, qual seja: desafiar a ordem internacional centrada na hegemonia norte-americana. Tanto a invasão da Ucrânia quanto a imediata reação do Ocidente precipitaram um importante realinhamento de poderes e interesses nas disputas geopolíticas globais. Embora a redefinição de prioridades estratégicas obedeça a tendências preexistentes na competição entre grandes potências, os combates no Leste Europeu constituem um ponto de ruptura, cujo desfecho ainda é incerto. Contudo, a questão com a qual os planejadores em Moscou se defrontam é evidente: a Rússia sairá do conflito com o vigor necessário para desempenhar o papel que reivindica para si; ou seu desgaste nos campos político, econômico e militar a deixará inapta para exercer o protagonismo que almeja?
Convém lembrar que a Rússia, quase sempre, vence guerras perdendo batalhas.

Ucrânia
Durante a Revolução Laranja e o Euromaidan, a sociedade ucraniana deixou patente seu desejo pela modernização do Estado, livre das práticas de corrupção e má gestão herdadas das burocracias russas. Ademais, parcela significativa da população clamou pela ruptura dos tradicionais vínculos de sujeição que, ainda, mantinham Kiev subordinada a Moscou.

Ucrânia e Rússia possuem uma imbricada evolução histórica, que remonta ao distante século IX. Desde então, antagonismos e concórdia vêm permeando as relações entre os dois povos. Na verdade, o país, juntamente com a Bielorrússia, compõe o núcleo eslavo, em torno do qual a identidade nacional russa fora construída. Do início do século XVIII ao final do século XX, tanto o império czarista quanto a União Soviética detiveram a posse do território ucraniano, reconfigurando-o muitas vezes, de acordo com seus próprios interesses e demandas. Sua porção ocidental permaneceu exposta às influências e conquistas europeias, sobretudo, a região drenada pelo curso superior do rio Dniester. A importante cidade de Lvov, por exemplo, já fez parte da Polônia e do Império Austro-Húngaro. A história da Ucrânia, portanto, evidencia uma nação de configuração territorial volátil, fronteiras efêmeras e traçados mal definidos.

Nas primeiras décadas do século XX, a guerra civil e a planificação econômica assolaram o país. Em especial, a coletivização forçada gerou enorme descontentamento entre o campesinato. Porém, foi a grande fome, nos anos de 1932 e 1933, que constituiu o maior flagelo da população ucraniana, levando milhões de pessoas à morte. Expurgos, repressão política e deportações em massa, também, exacerbavam o ressentimento em relação a Moscou.

Logo, não causa espanto que os soldados da Wehrmacht tenham sido acolhidos como libertadores no verão de 1941. Em um primeiro momento, a violência abjeta dos nazistas foi dirigida, apenas, contra os judeus. Os Einsatzgruppen C e D, comandados respectivamente pelo general de brigada Otto Rasch e pelo coronel Otto Ohlendorf, avançaram à esteira do Grupo de Exércitos Sul, promovendo execuções coletivas, como o Massacre de Babi Yar, ao sul de Kiev, onde mais de 30 mil civis indefesos foram brutalmente assassinados em setembro de 1941. Na primavera de 1942, ambos Einsatzgruppen já haviam reportado um total de 197.709 mortes. Até o final da guerra, estima-se que cerca de 300 mil judeus ucranianos tenham perecido, vítimas do Holocausto – dentre eles, membros da família Zelensky.

Todavia, o triste destino das comunidades judaicas parecia não afetar a maioria da população do país, que compartilhava do arraigado antissemitismo predominante no Leste Europeu. Na verdade, a chegada das tropas alemãs foi fortemente saudada como extinção do jugo soviético e supressão do malquisto processo de coletivização da terra. Assim como em outros países ocupados, voluntários ucranianos integraram as Waffen SS. A 14ª Divisão SS “Galícia” foi formada em 1943, destacando-se tanto na repressão a partisans quanto em operações de combate. Porém, com o decorrer do tempo, boa parte dos ucranianos percebeu que a opressão nazista não era diferente das políticas arbitrárias impostas pelos comunistas. Em decorrência da expropriação da produção agrícola, arregimentação compulsória para o trabalho escravo e aproximação do vitorioso Exército Vermelho, a resistência nativa contra a ocupação alemã recrudesceu, dando ensejo a represálias desproporcionais que incidiam diretamente sobre a desafortunada população civil.

Nem mesmo o término da guerra trouxe melhor sorte aos ucranianos reincorporados à esfera de influência russa. O triunfo de Stalin levou a uma nova onda de expurgos e perseguições contra indivíduos acusados de colaboracionismo. No final de 1946, os ucranianos representavam 23% dos internados no Gulag. Até 1950, autoridades soviéticas prenderam ou deportaram cerca de 300 mil pessoas do leste do país. Somente em 1991, com o fim da Guerra Fria, a Ucrânia tornou-se independente.

A consolidação e o reconhecimento do Estado-nação como ente soberano e autônomo, livre de qualquer tipo de subordinação e ingerência advindas de Moscou, definem o objetivo político de Kiev. Isso pressupõe o fortalecimento da identidade nacional autóctone, em detrimento da identidade étnica, cultural e histórica compartilhada com o povo russo.

Os combates travados ao longo do último ano demonstram que, no nível estratégico, a obstinada resistência às forças invasoras tem exitosamente assegurado a consecução dessa meta política. A Ucrânia, hoje, não é apenas um país alinhado com o Ocidente. A comunidade internacional, incluindo a própria Rússia, já a reconhecem como uma nação soberana, na plena acepção da palavra. Não se trata mais de um proto-estado, satélite de Moscou.

Há, todavia, uma importante nuance. Ao estabelecer como objetivo estratégico a manutenção da integridade territorial, conforme as fronteiras anteriores a 2014, corre-se o risco de permitir, inadvertidamente, que os meios militares monopolizem os fins políticos. O custo econômico da guerra e o sacrifício em vidas humanas podem tornar desvantajosa a relação entre perdas e ganhos.

A fim de assegurar a integridade do seu território, as forças armadas ucranianas devem ter como metas operacionais, no nível do teatro de operações, a completa derrota do invasor russo e sua subsequente expulsão. Entretanto, o país não possui uma conformação geográfica incontestável. O controle da península da Crimeia, por exemplo, foi transferido para a Ucrânia, em 1954, por decisão de Nikita Kruschev. Tampouco, sua composição étnica é homogênea. A título de ilustração, dos 7,7 milhões de refugiados de guerra, número que corresponde a 17,5% da população do país, 2.852.395 pessoas buscaram proteção em solo russo. Ou seja, a estratégia militar, desacompanhada de esforços diplomáticos visando à resolução do conflito, está próxima de entrar parcialmente em desarmonia com o objetivo político.

Estados Unidos
Diante do acirramento da competição entre grandes potências, o governo de Washington tem por objetivo político a manutenção do status quo, isto é, preservar e expandir um sistema internacional regulado por normas e valores ocidentais, dentro do qual os Estados Unidos conservem sua hegemonia.

Em resposta à invasão da Ucrânia, foram orquestradas ações nos campos diplomático, informacional, militar e econômico, impondo um conjunto de constrições estratégicas à Rússia, a fim de:

• isolar Moscou diplomaticamente;
• fortalecer a Otan;
• ampliar o cerco estratégico à Rússia, por meio da adesão de Finlândia e Suécia à aliança militar ocidental;
• contribuir para que as forças armadas ucranianas imponham um revés militar significativo às tropas russas;
• infligir severos danos à economia russa; e
• inibir futuras pretensões de Moscou em espaços geopolíticos contestados, como o Ártico, a África Subsaariana e o Oriente Médio.

Isso fez com que os Estados Unidos se empenhassem em duas guerras por procuração. Uma no campo de batalha, por meio dos esforços militares ucranianos; e outra no campo econômico, por meio da União Europeia.

No âmbito do teatro de operações, Washington espera que a volumosa assistência militar destinada a Kiev provoque a degradação do poderio bélico russo ou, eventualmente, leve a uma derrota do inimigo. Portanto, dar sustentação ao esforço de guerra ucraniano tem sido a meta operacional dos Estados Unidos, em um contexto típico de “proxy warfare”.

Os combates no Leste Europeu permitiram também aos Estados Unidos explorar a cisão Rússia-Europa, sobretudo, em relação à economia alemã, cujo modelo de produção se vê ameaçado diante da extinção da oferta de energia a baixos custos. Ironicamente, as palavras do primeiro secretário-geral da OTAN, lorde Hastings Lionel Ismay, parecem apropriadas para o momento atual: “A Otan foi criada com o propósito de manter a União Soviética fora [da Europa], os Estados Unidos dentro e a Alemanha para baixo”. Segundo o almirante Antônio Ruy de Almeida Silva, é justamente isso que vem acontecendo.

Embora as iniciativas estratégicas de Washington tenham produzido resultados imediatos tangíveis, sua efetividade na consecução do objetivo político final é, no mínimo, questionável. Pois, seus desdobramentos podem comprometer, a médio e longo prazo, a posição norte-americana na ordem internacional. O pacote de sanções econômicas imposto à Rússia, por exemplo, colocou à prova mecanismos regulatórios formais que dão sustentação à ordem monetária internacional, a qual os Estados Unidos paradoxalmente tentam preservar. O próprio dólar norte-americano viu-se enfraquecido como reserva de valor. Além disso, a guerra na Ucrânia tem contribuído para a retração do processo de globalização, a aproximação Rússia-China e o deslocamento do centro de poder global do Atlântico Norte para a região do Indo-Pacífico.

A forma com que Washington sinaliza sua postura na competição entre grandes potências sugere o mesmo risco de superextensão que ameaçou a bem-sucedida política de contenção durante a Guerra Fria, sobretudo em termos de gastos militares. Cabe ressaltar que a vitória dos Estados Unidos sobre a União Soviética só foi possível graças à imposição de um tipo de disputa tecnológico-militar que exauriu a capacidade econômica do seu oponente. O governo de Washington parece disposto a incorrer no mesmo erro do seu “antigo” adversário. Apesar, do agravamento de problemas domésticos de caráter socioeconômico, os recursos nacionais continuam sendo drenados por guerras infrutíferas ao redor do mundo.

Segundo estudos da Universidade de Harvard, as guerras do Afeganistão e do Iraque custaram três trilhões de dólares aos cofres públicos. Porém, se somados os juros dos títulos da dívida pública, emitidos pelo governo dos Estados Unidos para prover as despesas de ambas as guerras, o montante chega a 6,5 trilhões de dólares, quitados somente em 2050. Além disso, outros dois trilhões foram gastos com as vítimas dos conflitos, como assistência de saúde a veteranos inválidos e ex-combatentes portadores de enfermidades. A manutenção da zona de exclusão aérea sobre a Síria, em 2011, teve um custo anual estimado em 1,6 bilhão de dólares. Decerto, os valores exorbitantes não são compatíveis com os ganhos geopolíticos inexpressivos.

O orçamento de defesa aprovado pelo congresso para o ano fiscal de 2023 foi de US$ 858 bilhões (10% a mais que no ano anterior). Os Estados Unidos destinam 3,5% do seu PIB para suas forças armadas, sendo responsáveis por 39% de todo gasto militar do planeta. Em apenas 12 meses de apoio financeiro à guerra na Ucrânia já foram consumidos 78 bilhões de dólares. São números impressionantes, especialmente se levarmos em conta que a competição entre grandes potências demanda estratégias de longo prazo.

O valor da ajuda internacional à manutenção do esforço de guerra ucraniano, nesse primeiro ano de conflito, foi de US$ 120 bilhões – cifra que contrasta com aportes irrisórios destinados às iniciativas diplomáticas desde os anos que antecederam a escalada da crise. Em termos percentuais em relação ao PIB de cada Estado patrocinador, a Polônia e os países bálticos (povos cujas histórias justificam um temor visceral dos exércitos russos) foram aqueles que mais contribuíram. Além do apoio político e ajuda financeira, a assistência militar a Kiev tem sido crucial na luta contra as tropas invasoras. O envio de armas, fornecimento de capacitação técnica, provisão de inteligência e provável emprego de forças de operações especiais têm assegurado continuidade à tenaz resistência ucraniana.

Em um primeiro momento, as potências ocidentais identificaram na remessa de material bélico a mera oportunidade de cobrar um preço mais alto pela vitória de Moscou. Foram fornecidas, sobretudo, armas antitanque portáteis como o míssil Javelin e o Panzerfaust 3. Porém, diante do prosseguimento dos combates, Washington e seus aliados flertaram com a possibilidade de criar um impasse estratégico no campo de batalha. Armas de maior calibre e sistemas de artilharia, como os lançadores múltiplos de foguetes M-142 HIMARS e M-270, foram enviados para o Leste Europeu. Em uma terceira etapa da ajuda militar à Ucrânia, estão sendo fornecidos carros de combate Leopard I e II, Abrams, Challenger, dentre outras viaturas blindadas. A Otan parece não mais descartar a possibilidade de um grande revés russo, mesmo diante de reiteradas ameaças de uso de armas atômicas.

A política externa norte-americana tem fomentado a crise e estimulado a guerra, de modo explícito, sem oferecer nenhuma alternativa de resolução negociada para o conflito. A postura de Washington contraria a sábia advertência de Eisenhower, em seu último pronunciamento como presidente dos Estados Unidos: “Nossa liderança e prestígio não dependem, apenas, do nosso progresso material, riqueza ou capacidade militar. Mas da forma como utilizamos nosso poder no interesse da paz mundial e no melhoramento da humanidade”.

Em 2003, ano da invasão do Iraque, o general Wesley Clark advertiu sobre os riscos de se criar expectativas exageradas acerca da utilização do poderio bélico. Fazendo alusão ao escritor Mark Twain, afirmou: “quando a única ferramenta que você dispõe é um martelo, todo problema tende a ser tratado como um prego”. Ou seja, os estadistas em Washington, contando com as forças armadas mais poderosas do planeta, mostram-se sempre inclinados a enxergar qualquer desafio político, por mais complexo que seja, como algo passível de ser solucionado, apenas por meio de seus canhões e suas bombas. Ao atribuir excessiva importância à estratégia militar, o governo norte-americano vem comprometendo, pouco a pouco, sua liderança no sistema internacional.

Por fim, convém lembrar que os Estados Unidos têm perdido guerras vencendo batalhas.

O que não aprendemos?
Nenhuma pessoa lúcida, ao analisar a curva ascendente de mortes causadas por suicídio ao redor do mundo, irá concluir que precisa adquirir uma arma de fogo para tirar sua própria vida em um futuro não muito distante, pois se trata da macrotendência apontada em gráficos elaborados por organizações médicas internacionais. Essa figura de linguagem pode parecer absurda, mas não é raro acontecer em política e estratégia. Esquemas de manobra, tabelas de consumo diário de munição e infografia de fluxo de refugiados, por vezes, nos impedem de questionar a essência política da guerra e sua efetividade em contextos específicos.

A cada meio século, a Europa promove uma alteração em seu mapa político, gerando guerras desnecessárias como a que observamos no interflúvio Dnieper-Donets. Os combates na Ucrânia são resultado de décadas de uma diplomacia inábil e negligente. A mesma diplomacia que continua a guiar os rumos do conflito e tenta impor padrões.

Quando Estados soberanos optam por um jogo de soma zero, as consequências nunca serão plenamente satisfatórias. Até mesmo, a mais brilhante conquista militar tende a ser efêmera. Ao contrário do que muitos creem, a intransigente defesa do interesse nacional não deve prescindir de limites éticos e moderação, pois o pragmatismo induz à prudência. Por outro lado, a inépcia política, muitas vezes, se oculta sob argumentos realistas, sobretudo, quando está associada à demagogia.

Narrativas podem ser traiçoeiras, especialmente para aqueles que ajudam a construí-las. Quando, inadvertidamente, o poder político torna-se refém de uma visão maniqueísta instaurada no seio da população, sobretudo nos regimes democráticos, perde-se a flexibilidade necessária para a adoção de abordagens alternativas de distensão. O que se busca é aplacar o anseio público de acordo com o proselitismo dominante, mesmo que esse seja falacioso. Diante da demagogia, as opções de uma saída negociada por vias diplomáticas tornam-se significativamente menores.

Ademais, o mundo passa por uma aguda crise de liderança, que, obviamente, incide de forma bastante negativa sobre a ordem internacional. Todos parecem se esquecer que a construção da paz é um empreendimento bem mais complexo do que a execução da guerra. O general alemão Hans Von Seeckt nos lembra: “a afirmação de que a guerra é a continuação da política por outros meios tornou-se uma frase vazia e, por conseguinte, perigosa. Podemos afirmar com a mesma exatidão que a guerra é a falência da política”.


Referências
Catherine Merridale, Ivan’s War: life and death in the Red Army, 1939-1945, New York: Metropolitan Books, 2006.
Henry Kissinger, Diplomacia, São Paulo: Saraiva, 2012.
John Keegan, Atlas of the Second World War, London: Times Book, 1995.
Orlando Figes, A tragédia de um povo: a Revolução Russa, 1891-1924, Rio de Janeiro: Record, 1999.
Richard Rhodes, Mestres da morte: a invenção do holocausto pela SS nazista, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

Páginas da Internet
Emanuelle Bordallo. Um ano de guerra na Ucrânia: refugiados ucranianos vivem sem perspectiva de voltar para casa. https://oglobo.globo.com/google/amp/mundo/noticia/2023/02/um-ano-de-guerra-na-ucrania-refugiados-ucranianos-vivem-sem-perspectiva-de-voltar-para-casa.ghtml. Acesso em: 1 mar. 2023.

Gillian Brockell. Putin says he’ll ‘denazify’ Ukraine. Its Jewish president lost family in the Holocaust. Disponível em: https://wasinghtonpost.com/history/2022/02/25/zelensky-family-jewish-holocaust/ Acesso em: 4 mar. 2023.

Isto É Dinheiro. Norte-americanos pagarão dívida de US$ 6,5 trilhões por Afeganistão e Iraque. Disponível em: https://istoedinheiro.com.br/norte-americanos-pagarao-divida-de-us-65-trilhoes-por-afeganistao-e-iraque/. Acesso em: 1 mar. 2023.

Michele de Melo. Gasto militar mundial bate recorde e supera US$ 2 trilhões em 2021, aponta relatório. Disponível em: https://brasildefato.com.br/2022/04/25/gasto-militar-mundial-bate-recorde-e-supera-us-2-trilhoes-em-2021-aponta-relatório. Acesso em: 2 mar. 2023.

11 thoughts on “Guerra na Ucrânia | Alessandro Visacro

  1. Excelente análise. Aborda o tema por um viés geopolítico e histórico que tem sido relegado pela maioria dos analistas. E penso que são aspectos fundamentais e determinantes de tudo o que está acontecendo. Parabéns.

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